quinta-feira, 13 de julho de 2017

Portugal | A LEI DA SELVA NA PT



Pedro Filipe Soares | Diário de Notícias | opinião

Assistimos a um corrupio de privatizações nas últimas décadas. Setores estratégicos, funções essenciais, monopólios naturais... muito pouco ficou a salvo desta rapina. A cada privatização era aclamado o exemplo da gestão privada, a introdução de inovação, a garantia da manutenção dos centros de decisão em Portugal e um serviço à economia e às pessoas redobrado. Uma gigante mentira como vemos atualmente.

Uma das grandes empresas privatizadas foi a Portugal Telecom (PT). A gigante das telecomunicações mudou de mãos no turno de António Guterres, para gáudio dos privados e garantia de rendimentos chorudos. O que se seguiu é digno de um filme de terror. Nas décadas posteriores assistimos ao desmantelar da empresa, espartilhada entre interesses de acionistas e o crime de gestores.

Ainda se lembra de Zeinal Bava, o supergestor que se engasgou em direto na comissão de inquérito do BES? Foi um dos autores da gestão danosa na PT: quando ele entrou para a gestão, a empresa estava avaliada em 12 800 milhões de euros; quando ele saiu da PT a empresa valia menos de 1500 milhões de euros. E enquanto se cometiam os crimes na PT os acionistas calavam-se, rendidos ao jackpot de dividendos distribuídos, de 9500 milhões só desde 2006. Outros acionistas eram intervenientes na gestão danosa: as vendas de ativos foram feitas para garantir a liquidez de acionistas contra o interesse da própria empresa.

O engodo da manutenção dos centros de decisão no país é agora inequívoco. Os acionistas nacionais da PT foram engolidos pela sofreguidão do lucro fácil e consequente descapitalização da empresa. Agora, manda apenas a Altice, um fundo abutre que faz negócios especulativos com empresas de telecomunicações em dificuldades. Pelo meio, desapareceu a Golden Share que prometia a participação pública em decisões estratégicas, atropelada pelo desprezo que Passos Coelho e Assunção Cristas tinham do que era público.
A crónica desta empresa conclui-se com a atitude selvagem com que está a tratar os seus trabalhadores e trabalhadoras. Em maio, a PT pediu ao governo para realizar um despedimento coletivo. Pretendiam despedir três mil pessoas, nada menos do que um terço de todos os trabalhadores, e que fosse o Estado a pagar esse despedimento. O governo fechou a porta a essa vontade e a lei impediu a PT de fazer esse despedimento coletivo, que seria um dos maiores da história do país. Mas onde se fechou a porta à administração da PT a criatividade legal da Altice procura agora abrir uma janela.

A gestão da Altice está a criar um cenário de repressão no seio da empresa, num claro assédio moral sobre os seus trabalhadores: colocou trabalhadores sem funções, na expectativa de que isso conduza ao desânimo e ao despedimento voluntário, e criou uma unidade de trabalho temporário para onde enviou cerca de 300 trabalhadores, novamente sem tarefas atribuídas. A intenção é tornar incontornável a figura miserável da "rescisão amigável" para fugir ao desespero que se instala. A amizade nesta proposta é apenas um cínico recurso de linguagem para esconder a violência do assédio moral em causa.

O cúmulo da atuação da PT é a forma retorcida como interpreta o Código do Trabalho para conseguir o despedimento coletivo que havia sido negado. O Código do Trabalho tem um artigo criado para defender os direitos dos trabalhadores quando determinado estabelecimento ou empresa é vendido ou concessionado. Esse artigo da "Transmissão de Empresa ou Estabelecimento" garante que exista a manutenção dos postos de trabalho. Contudo, a PT criou em cima deste artigo da lei um esquema fraudulento.

O esquema é o seguinte: A PT vende determinado departamento a um testa-de-ferro ou a uma empresa sem património; com essa venda e a coberto da lei, são transferidos também os trabalhadores; concretizada a venda, é realizado um despedimento coletivo; com esse despedimento coletivo, e como não há património da empresa, os trabalhadores não recebem qualquer indemnização, ficando apenas com o subsídio de desemprego que é pago pelo Estado.

A gestão desumana que a Altice está a fazer da PT está a ser combatida pelos trabalhadores, que já marcaram uma greve para o próximo dia 21 de julho. Têm também denunciado o assédio moral à Autoridade para as Condições do Trabalho, que já levantou mais de 70 autos de notícia. Merecem toda a nossa solidariedade, mas é necessário mais. Exige-se que o governo faça cumprir a lei e rejeite os despedimentos selvagens na PT. A Altice não está acima da lei e não pode tratar os trabalhadores como lixo.

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