Pedro
Filipe Soares | Diário de Notícias | opinião
Assistimos
a um corrupio de privatizações nas últimas décadas. Setores estratégicos,
funções essenciais, monopólios naturais... muito pouco ficou a salvo desta
rapina. A cada privatização era aclamado o exemplo da gestão privada, a
introdução de inovação, a garantia da manutenção dos centros de decisão em
Portugal e um serviço à economia e às pessoas redobrado. Uma gigante mentira
como vemos atualmente.
Uma
das grandes empresas privatizadas foi a Portugal Telecom (PT). A gigante das
telecomunicações mudou de mãos no turno de António Guterres, para gáudio dos
privados e garantia de rendimentos chorudos. O que se seguiu é digno de um
filme de terror. Nas décadas posteriores assistimos ao desmantelar da empresa,
espartilhada entre interesses de acionistas e o crime de gestores.
Ainda
se lembra de Zeinal Bava, o supergestor que se engasgou em direto na comissão
de inquérito do BES? Foi um dos autores da gestão danosa na PT: quando ele
entrou para a gestão, a empresa estava avaliada em 12 800 milhões de euros;
quando ele saiu da PT a empresa valia menos de 1500 milhões de euros. E
enquanto se cometiam os crimes na PT os acionistas calavam-se, rendidos ao
jackpot de dividendos distribuídos, de 9500 milhões só desde 2006. Outros
acionistas eram intervenientes na gestão danosa: as vendas de ativos foram
feitas para garantir a liquidez de acionistas contra o interesse da própria
empresa.
O
engodo da manutenção dos centros de decisão no país é agora inequívoco. Os
acionistas nacionais da PT foram engolidos pela sofreguidão do lucro fácil e
consequente descapitalização da empresa. Agora, manda apenas a Altice, um fundo
abutre que faz negócios especulativos com empresas de telecomunicações em
dificuldades. Pelo meio, desapareceu a Golden Share que prometia a participação
pública em decisões estratégicas, atropelada pelo desprezo que Passos Coelho e
Assunção Cristas tinham do que era público.
A
crónica desta empresa conclui-se com a atitude selvagem com que está a tratar
os seus trabalhadores e trabalhadoras. Em maio, a PT pediu ao governo para
realizar um despedimento coletivo. Pretendiam despedir três mil pessoas, nada
menos do que um terço de todos os trabalhadores, e que fosse o Estado a pagar
esse despedimento. O governo fechou a porta a essa vontade e a lei impediu a PT
de fazer esse despedimento coletivo, que seria um dos maiores da história do
país. Mas onde se fechou a porta à administração da PT a criatividade legal da
Altice procura agora abrir uma janela.
A
gestão da Altice está a criar um cenário de repressão no seio da empresa, num
claro assédio moral sobre os seus trabalhadores: colocou trabalhadores sem
funções, na expectativa de que isso conduza ao desânimo e ao despedimento
voluntário, e criou uma unidade de trabalho temporário para onde enviou cerca
de 300 trabalhadores, novamente sem tarefas atribuídas. A intenção é tornar
incontornável a figura miserável da "rescisão amigável" para fugir ao
desespero que se instala. A amizade nesta proposta é apenas um cínico recurso
de linguagem para esconder a violência do assédio moral em causa.
O
cúmulo da atuação da PT é a forma retorcida como interpreta o Código do
Trabalho para conseguir o despedimento coletivo que havia sido negado. O Código
do Trabalho tem um artigo criado para defender os direitos dos trabalhadores
quando determinado estabelecimento ou empresa é vendido ou concessionado. Esse
artigo da "Transmissão de Empresa ou Estabelecimento" garante que
exista a manutenção dos postos de trabalho. Contudo, a PT criou em cima deste
artigo da lei um esquema fraudulento.
O
esquema é o seguinte: A PT vende determinado departamento a um testa-de-ferro
ou a uma empresa sem património; com essa venda e a coberto da lei, são
transferidos também os trabalhadores; concretizada a venda, é realizado um
despedimento coletivo; com esse despedimento coletivo, e como não há património
da empresa, os trabalhadores não recebem qualquer indemnização, ficando apenas
com o subsídio de desemprego que é pago pelo Estado.
A
gestão desumana que a Altice está a fazer da PT está a ser combatida pelos
trabalhadores, que já marcaram uma greve para o próximo dia 21 de julho. Têm
também denunciado o assédio moral à Autoridade para as Condições do Trabalho,
que já levantou mais de 70 autos de notícia. Merecem toda a nossa
solidariedade, mas é necessário mais. Exige-se que o governo faça cumprir a lei
e rejeite os despedimentos selvagens na PT. A Altice não está acima da lei e
não pode tratar os trabalhadores como lixo.
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