terça-feira, 4 de julho de 2017

UM RIO GRANDE DE MUITOS NOMES



Carlos Roberto Saraiva da Costa Leite* | Porto Alegre | Brasil
     
No distante ano de 1530, dom João III, rei de Portugal, enviou uma expedição para explorar o litoral brasileiro. Comandada por Martim Afonso de Souza (1500-1564), nela se encontrava, numa das naus, o seu irmão e escrivão Pero (Pedro) Lopes de Souza (1497- 1539), que registrou, em seu Diário de Navegação (1530 -1532), as anotações de tudo o que havia observado durante a viagem. Graças a ele, ao alcançar o sul do Brasil, ficou registrada a única via de acesso em nosso litoral – o sangradouro da Lagoa dos Patos – analisado, de forma errônea, como um rio caudaloso. A importância histórica deste documento veio a público, no século 19, quando o historiador Francisco Adolfo de Varnhagem (1816-1878) fez a transcrição do mesmo, resultando na publicação de um livro. 

  Diante da descoberta, com o intuito de homenagear o irmão, Martim Afonso de Souza batizou o local com o nome de Rio de São Pedro. Este nome foi registrado , em 1534, no mapa pioneiro do cartógrafo Gaspar Viegas. Passados 16 anos, em 1550, no mapa de Desvaliers, o lugar passou a chamar-se Rio Grande. A partir deste período, os dois nomes se alternariam até  formarem uma terceira denominação: Rio Grande de São Pedro.

 De acordo com Moysés Vellinho (1902-1980), “tal topônimo se irradiaria, aos poucos, como gota de azeite sobre papel e acabaria cobrindo todo o território desta parte do Brasil.” Como registra a nossa história, ali se fundou, em 1737, sob o comando do brigadeiro José da Silva Pais (1679- 1760), o ponto inicial, em Rio Grande, de povoamento do nosso Estado: o Forte Jesus, Maria e José.

  Durante muito tempo, devido à extensão das terras, nosso Estado foi chamado de Continente do Rio Grande de São Pedro. No primeiro livro “O Continente“ (1949), que compõe a famosa trilogia “O Tempo e o Vento”, de Erico Veríssimo (1905-1975), o autor registrou esta denominação.  Já então como capitania autônoma do governo do Rio de Janeiro,  recebemos , no dia 19 de setembro de 1807, a denominação oficial de Capitania Geral de São Pedro do Rio Grande do Sul.

  Realizada a Independência do Brasil, por dom Pedro I, em 07 de setembro 1822, mudou-se o nome para Província de São Pedro do Rio Grande do Sul.  Com o passar do tempo, a antiga tradição, que remetia à figura do escrivão da Expedição de 1530, Pero (Pedro) Lopes de Souza, desvaneceu-se, passando o nome do nosso estado a ser associado apenas com o santo católico São Pedro. Este, considerado padroeiro do Rio Grande do Sul, é comemorado, inda hoje, junto com São Paulo, no dia 29 de junho, no período das festas juninas.

Esta tradição junina foi trazida pelos colonizadores portugueses. Conhecido como o “Apóstolo Pescador”, São Pedro protege os que dependem da pesca, controla as chuvas e o clima, em geral , sendo o dono das chaves do céu.  Nas religiões de matriz africana, no Rio Grande do Sul, é sincretizado com o Orixá Exu Bará, devido ao fato de que este governa os caminhos e encruzilhadas, sendo também o dono da chave.


Ainda no período imperial, o general farroupilha Antônio de Sousa Netto (1801-1866), em 11 de setembro de 1836 , proclamou a República Riograndense (1836-1845). Com o Acordo de Ponche Verde, em  1º de março de 1845, a Província de São Pedro foi reintegrada ao império brasileiro.  De duração efêmera, o Estado Riograndense, nunca foi reconhecido pelo governo imperial.

Com o golpe que instituiu a República dos Estados Unidos do Brasil, proclamada pelo general Deodoro da Fonseca (1827-1892), em 15 de novembro de 1889, uma nova Constituição foi redigida, em 1891, separando a Igreja do Estado. Este fato, aliado à filosofia positivista, inspirada em Augusto Comte (1798- 1857), fez com que o nome de São Pedro fosse, literalmente, substituído por outro sem conotação religiosa, para denominar a unidade federativa do extremo sul do Brasil: nascia assim o Estado do Rio Grande do Sul.
                              
*Pesquisador e Coordenador do Setor de Imprensa do Museu da Comunicação

Bibliografia
LESSA, Luiz Carlos Barbosa. Calendário histórico Cultural do Rio Grande do Sul, Porto Alegre: Corag / IEL, 1985.
KÜHN, Fábio. Breve História do Rio Grande do Sul.  Porto Alegre : Leitura XXI, 2007.
PESAVENTO, Sandra Jatahy. História do Rio Grande do Sul. Porto  Alegre:  Mercado Aberto, 2002.

Imagens e texto
1-  Mapa / Capitania de Rio Grande
2-  Mapa / Província de São Pedro
3- Diário de Navegação (1530-1532)
4 - Padroeiro do Rio Grande do Sul / São Pedro 
5 -Texto: Um Rio Grande de muitos nomes

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