Há
um mês escrevi aqui que, face à dimensão da fraude anunciada, o papel do povo
angolano nestas eleições não era escolher um novo Presidente, Governo ou
Parlamento, mas apenas obrigar o MPLA a tornar flagrante o seu roubo nas urnas.
O povo angolano cumpriu exemplarmente.
João
Paulo Batalha | Folha 8 | opinião
Se
há coisa que o processo eleitoral e a forma vergonhosa como decorre a contagem
dos votos demonstram é que o MPLA, que exerce uma mão de ferro sobre Angola, as
suas infra-estruturas e as suas instituições, já não tem hoje qualquer poder na
sociedade angolana. Manda nas coisas, mas já não comanda as pessoas. Continua a
exercer, cego, os seus vícios – como o vício da soberba que o fez cantar
vitória antes sequer que a própria domesticada CNE começasse a contagem dos
votos. Mas a soberba choca cada vez mais de frente com a realidade. Às
primeiras indicações que mostravam um luta renhida entre MPLA e UNITA, o regime
suspendeu a contagem, para mais tarde colocar a CNE a anunciar, de forma
patética, resultados que não tinham passado pelo crivo de qualquer centro de
escrutínio, ao arrepio da lei.
Ninguém,
em Angola ou no mundo, pode olhar com o mínimo de distanciamento para este
processo e concluir que ele é outra coisa que não um roubo. Descarado e
atabalhoado. Flagrante. A missão da cidadania em Angola está cumprida: o voto
não mudou o regime; desmascarou-o. Resta agora saber o que fará a oposição:
depois de esgotadas as instâncias de recurso num sistema judicial que é um mero
secretariado do poder vigente, assumirá os seus lugares num Parlamento roubado,
ou juntar-se-á à sociedade civil para contestar mais este crime por todas as
formas pacíficas que estiverem ao seu alcance?
A
resposta a esta pergunta é crucial para o futuro imediato de Angola e tem de
ser discutida. No entanto, como cidadão português, não me cabe a mim esse
debate. Cabe-me, sim, assinalar de novo o papel vergonhoso das instituições do
meu país no crime que está a ser cometido frente aos nossos olhos. Durante a
campanha e durante a contagem, as elites políticas e de negócio em Portugal
despacharam para Angola alguns dos seus mais astutos capatazes para,
repetidamente, elogiarem a “maturidade democrática” do processo e a limpidez da
vitória do regime. Do comunista António Filipe ao democrata-cristão Paulo
Portas, sem esquecer o embaixador Martins da Cruz, ex-ministro dos Negócios
Estrangeiros transformado em ministro dos negócios no estrangeiro, não faltaram
figurantes nesse cortejo de branqueamento que há anos define as relações entre
as elites de Portugal e de Angola. O corolário desta criadagem sabuja é a nota
de duas linhas (envergonhada mas diligente) publicada pelo Presidente da
República de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, congratulando João Lourenço por
uma vitória que, roubo à parte, nem sequer foi ainda formalmente anunciada. A
minha vergonha como cidadão português não pode hoje comparar-se ao justificado
orgulho cívico do povo angolano.
Parece
que Portugal não aprende. O antigo explorador colonialista vive satisfeito na
sua nova posição de “colonialista em outsourcing”, que lhe permite continuar a
recolher o saque dos bens dos angolanos, aqui lavado, branqueado e transformado
em apartamentos de luxo em Cascais, ou num rol de empresas estratégicas,
achando que desta forma come um pedaço do bolo sem sujar as mãos.
Sobre
a posição das instituições e dos responsáveis políticos portugueses eu, cidadão
português, não tenho a dizer ao povo angolano nada que me orgulhe. A única
coisa que posso dizer em defesa do meu país é que estes políticos de negócios
não me representam e que, também em Portugal, há uma sociedade civil desperta
que tornará impossível travar os ventos da História.
Quando
se acende a luz num quarto infestado de baratas, as baratas correm a
esconder-se. Baratas tontas. A vitória proclamada em Luanda é a vitória da
barata, e dos insectos que com ela partilham as migalhas do banquete. Mas a luz
acendeu-se e não volta a apagar-se. Por muito que isso assuste as baratas
tontas, em Luanda ou em Lisboa, o futuro não voltará a fazer-se às escuras.
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