ESTÁ
A NU E EM DESESPERO DE CAUSA
Martinho Júnior | Luanda
1-
Quando em 2003 no ACTUAL me abalancei a interpretar os fenómenos que atingiam o
Cáucaso, a Rússia e a Geórgia, sem esgotar o assunto consegui um nível de “radiografia” que
tem contribuído para chegar a conclusões mais consolidadas em função de outras
situações investigadas e estudadas ao longo do tempo, de então para cá.
Já
naquela altura, 2003, era possível começar-se a aperceber, com o inventário das
questões que se prendiam ao Cáucaso, quanto os interesses da hegemonia
unipolar, perdida a vantagem que tiveram com o tandem Gorbatchov – Ieltsin, passaram
a ter muito mais dificuldades com o tandem Putin – Medvedev, a ponto de serem
obrigados a passar à defensiva, perdendo paulatinamente as posições
geoestratégicas no supercontinente Eurásia.
Perdido
o controlo fulcral sobre a energia e o gás na Rússia, a hegemonia unipolar não
possuía alternativas geoestrategicamente coerentes para melhor equacionar os
seus interesses e por isso, com base nas alianças do quadro da NATO, mas também
as alianças com as monarquias arábicas e Israel, entrava nas disputas em
relativa desvantagem, por que em qualquer intervenção, não haviam posições em
grandes espaços consolidadas.
À “civilização
judaico-cristã ocidental”, em contranatura com as culturas arabizadas (e
muçulmanas), faltou a capacidade para atacar a transversal de longo-curso, que
liga as costas do Pacífico às costas do Atlântico, faltou uma “belt and
road”, faltaram os oleodutos e gasodutos extensos seguindo em“ossatura” os
paralelos e alguns meridianos, faltou um projecto ao nível das implicações
transcontinentais como a nova Rota da Seda.
2-
Por isso mesmo, as condutas implicadas nos expedientes da hegemonia unipolar
que sob o ponto de vista geoestratégico foram remetidas à defensiva em regime
de relativa desconexão e pressão, só podiam retardar a emergência multipolar
por via da promoção do caos, do terrorismo e da desagregação, até por que uma
parte importante dos financiamentos (e das acções), tinham que passar por
crivos em Israel e nas monarquias arábicas, tendo em conta que eram estas as
produtoras de petróleo e de gás à disposição dos interesses da hegemonia
unipolar, como era aquela a promotora das geoestratégias (mais limitadas) a sul
da Rússia e da Ásia Central, “no terreno”, conforme foi potenciado o “IASPS” (“Institute
for Advanced Strategic & Political Studies”).
A
vocação “ocidental” começou ainda a ter mais dificuldades com a
entrada em campo da Organização de Cooperação de Xangai, que permitiu a
integração de interesses, conveniências e consensos da Rússia, da Ásia Central
e da China, com abertura noutras direcções também decisivas (Paquistão e
Índia), enquanto na área crítica de confrontação do Cáucaso e do Médio Oriente
(entre Israel e o Afeganistão), a emergência multipolar garantiu desde logo o
Irão como uma torre do xadrez e, paulatinamente, a Turquia como um bispo!
Ao
perder na Chechénia e na Geórgia (que agora tem sobre si o estigma da
desagregação, provando com sentido contrário alguns dos venenos que a hegemonia
unipolar havia providenciado para outros), o caos, o terrorismo e a
desagregação estendeu-se em sua massa crítica entre a Líbia e o Afeganistão,
tendo nessa área de impacto Israel, a Jordânia e as monarquias arábicas como
suas peças defensivas mais consolidadas.
Desse
modo a Líbia, a Síria, o Iraque e o Afeganistão, passaram a ser “campos de
batalha”, até por que era sobre o norte de África (E Sudão) e o Médio Oriente,
que as potências da NATO e Israel detinham mais conhecimento, experiência,
ligações, conveniências e interesses, assim como era aí que melhor se podiam
equacionar, quer o petrodólar, quer as moedas que lhe são mais próximas (a
nível das alianças e “no terreno”).
3-
O exercício neoliberal da hegemonia unipolar, garantiu nexos entre as “revoluções
coloridas”, as“primaveras árabes” e os agrupamentos terroristas gerados a
partir das monarquias arábicas e de Israel, desde as conjunturas do Báltico
(colapso da Jugoslávia), aos contenciosos na Rússia (com Gorbatchov – Ieltsin),
aos contenciosos no Cáucaso (periféricos à Rússia depois da ascensão Putin
–Medvedev), aos contenciosos na Europa do leste (parte dela paulatinamente
integrada na União Europeia), por fim aos contenciosos nos maiores “campos
de batalha” (na Tunísia, na Líbia, no Egipto, na Síria, no Iraque e no
Afeganistão), assim como suas radiações sobretudo em África e na Ásia.
Para
Angola interessa reter o essencial do “modus operandi” neoliberal da
hegemonia unipolar, pelas suas implicações “transversais” na sua
sociedade que podem produzir riscos “coloridos” e“primaveris” de “geometria
variável”, mais ou menos acompanhados de riscos de desagregação ou de
actividades caóticas ou terroristas, atraindo-se umas às outras num pacote
comandado sob encomenda (canais não faltam, inclusive alguns instalados “no
terreno”, outros abarcando alguns nexos na oposição com presença no
Parlamento).
Sob
o ponto de vista sócio-cultural há trincheiras que em paz nos socorrem, apesar
de haver tantas coisas frescas!...
Angola
continua a ser vulnerável aos contenciosos regionais, sobretudo na RDC e
Grandes Lagos, o que pode interconectar-se com esse tipo de riscos de
incidência interna, como aconteceu com o choque neoliberal de que Savimbi foi
protagonista e agora com sucedâneos no âmbito da terapia neoliberal.
Apesar
da identidade forte em construção, necessário é e será defender a paz que nos
vai permitir sonhar até ao que hoje nos parece impossível!
Ao
voltar-se sobre si própria, Angola pode gerar capacidades internas de
resistência, também em“geometria variável”, reforçando a flexibilidade das
linhas de conduta pragmática, cuja maior prioridade é a mobilização da
juventude, uma preocupação que tenho exposto, particularmente quando abordo os
temas inerentes a uma geoestratégia para um desenvolvimento sustentável no
âmbito duma lógica com sentido de vida e alicerçada na projecção dos
relacionamentos das questões físico-geográficas-ambientais-hidrográficas, com
as questões que se prendem ao homem no seu espaço vital e no amplo contexto
nacional, regional e continental.
Martinho
Júnior - Luanda,
4 de Outubro de 2017
O
CÁUCASO ALVO DE TODAS AS INGERÊNCIAS
Os
observadores internacionais, em relação à Região muito sensitiva do Cáucaso,
levam em especial consideração dois factores de análise, em comum:
-
Os interesses geoestratégicos da Rússia, face a outros interesses
geoestratégicos, nomeadamente os dos Estados Unidos e os dos fundamentalistas
islâmicos com praça-forte na Chechenya e disseminados por quase toda a região,
onde foram instalando bases e influências nas periferias do sistema
político-administrativo dos estados com presença caucasiana.
-
Os interesses “vitais” sobre a exploração do petróleo a norte do
Iraque e do Irão, em especial no Mar Cáspio, bem como suas linhas de transporte
para oeste em direcção ao Mar Negro e ao Mediterrâneo, tendo em conta os
centros consumidores a que eles se destinam no ocidente, bem como os aspectos
de segurança para oleodutos, seus terminais e navegação marítima concomitante.
Em
qualquer dos casos os observadores vão assumindo posição conforme o seu “alinhamento”,
havendo a notar, em relação ao primeiro, à medida que com o uso da “globalização” se
alastram os interesses estratégicos propagados a partir da potência hegemónica
e seus aliados, no que diz respeito às fontes alternativas do petróleo na
Região:
-
A valorização das possibilidades do alargamento da OTAN ao leste europeu
(Roménia e Bulgária), tendo como horizonte, a longo prazo, a inclusão de países
do Cáucaso (Geórgia e Azerbeijão), procurando flanquear a Rússia a sul.
-
A valorização do papel da Turquia como elemento propulsor da expansão da OTAN a
leste, tirando partido da sua posição geoestratégica de domínio para a saída do
petróleo proveniente do Mar Cáspio em direcção ao ocidente, consubstanciada no
plano do oleoduto Baku (Azerbeijão, no Mar Cáspio) – Tbilissi (Geórgia) –
Ceyhan (Turquia, perto da cidade de Adana, no Mediterrâneo).
-
A valorização do entendimento Turquia – Jordânia – Israel em reforço do plano
sudeste da OTAN, consolidando interesses no sector do petróleo, mas sobretudo
criando condições para um mais racional (e decisivo), aproveitamento da água
numa vasta extensão do Médio Oriente, a começar nos países do leste do
Mediterrâneo, a sul da Turquia.
Nesse
sentido, instituições como a muito conservadora “The Jamestown
Foundation” e o “Institute for Advanced Strategic & Political
Studies” (“IASPS”), simultaneamente representada em Washington e
Jerusalém, têm servido de “catalizadores” entre os “think
tanks” ocidentais, dando cobertura às estratégias concertadas pela via dos
Estados Unidos na região, aparentemente sincronizadas com a distante orientação
de personalidades que actuam por dentro da administração de George Bush,
destacando-se entre elas dois homens da mesma geração e “curriculuns” muito
próximos: Dick Cheney, oriundo do Nebraska e o Texano James Baker.
É
frequente encontrar na “The Jamestown Foundation” um “analista” bem
informado sobre os assuntos da região, como Vladimir Socor, que
propositadamente altera os cenários dos relacionamentos entre o estado russo e
os terroristas chechenos, que são um prolongamento na região dos mesmos
interesses fundamentalistas islâmicos que regem a “Al Qaeda”, por
conveniência dos interesses identificados com os Estados Unidos,
particularmente os interesses ligados às estratégias“globais” do petróleo
, apesar do 11 de Setembro.
Muitas
dessas “alterações”, valorizando o poder duma Rússia que é muitas vezes
identificada como“o velho urso” e subavaliando, ou mesmo esquecendo, a
capacidade da rebelião islâmica chechena enquanto prolongamento fundamentalista
islâmico, que tal como a “Al Qaeda” é pródiga em atentados de
natureza terrorista, tem-se vindo a verificar em relação muito especialmente à
Geórgia, afectada pela subversão na Abkhazia e Ossétia do Sul e onde uma parte
importante dos efectivos fundamentalistas possuem suas bases (Pankisi Gorge, no
nordeste de Geórgia e junto à fronteira com a Chechenya).
O “IASPS” por
seu turno, tem feito uma antecipação prospectiva dos cenários geoestratégicos,
levando em consideração a correlação de forças entre a Rússia e seus aliados e
a OTAN, quase sempre sem se referir sequer à presença dos fundamentalistas
islâmicos.
A
30 de Setembro de 1999, o seu estrategista Paul Michael Wihbey fez o inventário
dessa correlação na Ásia Central e no Cáucaso:
“Recentemente,
a 25 de Agosto, Yeltsin e o líder chinês Jiang Zenin com os líderes do
Kirgistão, Kazaquistão e Tadjiquistão, assinaram a declaração de Bishkek que
conforma alguns conceitos básicos dum novo alinhamento russo-chinês que inclui
a cooperação em matéria de segurança, controlo de fronteiras e a afirmação de
princípios de não-intervenção, em função do respeito pelas
respectivas soberanias Nacionais”.
Com
essa cobertura e segundo o estrategista, a Rússia e a China teriam feito
significativos progressos em vários domínios, incluindo: “compatibilidade
nos sistemas de armamento, interconexões de inteligência, incremento dos laços
económicos, transferências tecnológicas e venda de armas que podiam incluir os
mísseis anti navio supersónicos Russos SSN – 22, o avião de combate SU-30 e os
submarinos nucleares balísticos Tufão”.
Em
relação ao Cáucaso, Wihbey realçava os conflitos existentes, todos eles com
transposição de fronteiras: os Estados Unidos (multi nacional) contra o Iraque,
a Arménia contra o Azerbeijão, os curdos contra a Turquia, os chechenos contra
os russos, a Abkhazia contra a Geórgia e a oposição iraquiana contra o então
regime de Saddam Hussein, para além das tensões latentes entre a Turquia e a
Síria, a Turquia e o Irão e o Azerbeijão e o Irão.
Essa
situação ganhava contornos mais fortes por causa cada vez mais do petróleo no
norte do Iraque e no Mar Cáspio, tornando muito críticos os projectos dos
oleodutos Baku (na Azerbeijão) – Ceyhan (na Turquia Mediterrânea) e Baku –
Supsa (Geórgia, junto a Batumi, na costa do Mar Negro), o que valorizava
sobremodo a posição geoestratégica da Geórgia, apesar da presença de tropas
russas na região (incluindo no território da Geórgia e da Arménia, devido ao
problema da Chechenya e às tentativas de desintegração dos dois Países).
Wihbey
fez um inventário, a fim de chegar à conclusão de que a Turquia tinha um papel
primordial nos interesses ocidentais na Região, particularmente na direcção do
Cáucaso, devido às características dos factores energéticos e podia tirar
partido, com apoio dos Estados Unidos e da OTAN, do “Conselho de
Cooperação do Sul do Caúcaso”, promovendo a integridade de países como a
Geórgia, a Arménia e o Azerbeijão.
A
4 e 5 de Fevereiro de 2000, o “Daily News” da Turquia resumiu em dois
artigos, o inventário, as conclusões e as linhas de desenvolvimento estratégico
de acordo com os estudos de Paul Michael Wihbey, evidenciando sobremodo as
vantagens do projecto de oleaduto Baku – Ceyhan.
Em
reforço do papel da Turquia, os estrategistas do “IASPS” realizaram
em Israel uma Conferência, subordinada ao tema “A crise da água é a base
para uma aliança Regional”, com participantes de alto nível da Turquia e Israel
e com a presença do Embaixador da Geórgia em Jerusalém, em que
concomitantemente foram analisadas as rotas dos oleodutos passando por
território turco, em alternativa aos já existentes que atravessavam território
russo.
A
17 de Julho de 2001, o “Daily News” da Turquia evidenciava que “uma
aliança estratégica na Ásia Central criava um novo foco de poder na Eurásia” .
O
artigo era do articulista turco Yasemin Dobra – Manco:
“Com
a recente emergência do Pacto de Shangai, composto pela China , a Rússia e
quatro nações da Ásia Central, uma nova organização regional multilateral
contrapõe performances sem precedentes ao avanço dos modelos pró ocidentais e
nas relações com a Eurásia. A nova aliança impõe-se a promover o comércio e o
investimento, combater o terrorismo islâmico, o separatismo e o extremismo,
salvaguardando a segurança regional.
A
lacuna de políticas ocidentais na Ásia Central facilitou a construção desse
bloco económico e de segurança que se espera vir a crescer (com a possível
integração da Mongólia, o Paquistão, ou a Índia.
A
organização formalmente considerada como os Cinco de Shangai, inclui o Kazaquistão,
o Kirguistão, o Tajiquistão, a Rússia e a China, tendo mudado o nome para
Organização de Cooperação de Shangai em Junho, quando o Uzbequistão se tornou
membro.
Analistas
Ocidentais avaliam que essa Organização pode obstruir a influência turca,
americana e a ocidental na região. O grupo produziu já um acordo, opondo-se aos
planos americanos da criação dum sistema de defesa com mísseis”.
Essa
evolução implicava necessariamente, por parte da Rússia e seus aliados, um
reforço da sua presença no Cáucaso e tornava muito sensível a exploração do
petróleo e de suas linhas de transporte, do Mar Cáspio para ocidente, com
reflexos dentro da própria Rússia (incluindo sobre a sua petroleira principal,
a “Yukos”) e nos países caucasianos a sul de suas fronteiras (a Geórgia, a
Arménia e o grande produtor que é o Azerbeijão).
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