Previu
os desastres da alienação do trabalho, do consumismo, do maltrato aos animais.
Defendeu uma vida frugal para todos e uma nova democracia, com controle social
Débora
Nunes* | Outras Palavras
Há
uma bela viagem a fazer com Mahatma Gandhi: acompanhá-lo em sua crítica ao
capitalismo e sua proposta de uma sociedade pós-capitalista, a partir da
evolução da consciência humana. Nem que seja uma viagem bem curta, apenas à sua
premonitória visão ecológica sobre os desastres que o capitalismo promoveria,
por ter sido feita no início do século 20, antes da existência da sociedade
consumista de massas. Quem me conduziu anos atrás nessa viagem foi o
professor Jeevan Kumar, que dirigiu por muitos anos o Centro de Estudos
Gandhianos vinculado à Universidade de Bangalore (Índia), onde fiz o meu
pós-doutorado. É com Jeevan que saímos juntos para essa viagem breve.
Em
sua visão integral acerca do desenvolvimento da teia da vida, Gandhi afirmava,
tendo em vista o capitalismo: “uma sociedade em que os trabalhadores são
tratados como máquinas, em que os animais são explorados cruelmente nas
fazendas industriais e em que a atividade econômica leva à devastação da
natureza não pode ser concebida como uma civilização”.
Na
Índia, na primeira metade do século 20, Gandhi propunha a igualdade entre os
sexos, a superação das castas e das divisões religiosas e a busca pessoal e
coletiva por mais consciência, para construir uma sociedade humanizada que
superasse o capitalismo. Ele dizia que “uma civilização, no sentido real do
termo, consiste na redução voluntária de desejos, que promova felicidade e
satisfação reais e aumente a capacidade de serviço”.
Para
Gandhi, o caminho até essa civilização demandaria um processo de baixo para
cima, com condições educacionais e econômicas para a participação de todas as
pessoas, criando instituições locais, regionais e nacionais abertas ao que
chamamos hoje de “controle social” [nota da redação: vale a pena olhar o
pensamento de Gandhi vis a vis o de Rosa Luxemburgo, clicando aqui. Ambos foram contemporâneos, ele nasceu em 1869 e ela
em 1871, embora talvez nunca tenham ouvido falar um do outro]. Tal civilização
deveria garantir também (quanta atualidade!) que “os representantes eleitos se
comprometam com os princípios de transparência, veracidade e responsabilidade”.
No
tempo de Gandhi, vários defensores do socialismo acreditavam que ele seria
construído a partir de uma revolução na qual a fonte dos males, a propriedade
privada, seria extinta. Um governo operário de uma sociedade sem propriedade
construiria então um mundo justo para todos. Não foi bem assim. As mudanças
sociais e econômicas não foram acompanhadas de uma evolução das consciências e
o desejo de predominância sobre os demais foi uma das causas dos desvios do
projeto socialista, no socialismo real, que combateu apenas os efeitos desse
desejo.
Gandhi
entendia a necessidade de coerência e foi isso que exprimiu em sua frase mais
famosa: “nós precisamos ser a mudança que queremos ver”. Para superar o
capitalismo e seus efeitos perversos para os humanos e a Natureza, seria bom seguir
os conselhos do velho e bom Mahatma.
*
Débora Nunes é arquiteta,doutora em Urbanismo, com pós doutorado em Extensão
Universitária pela Universidade Lumière Lyon II (2008) e em História das
Cidades e Cidades do Futuro pela Bangalore University, India (2015). É
coordenadora da Escola de Sustentabilidade Integral e professora titular da
Universidade do Estado da Bahia, no Curso de Urbanismo. Autora dos livros Os
Novos Coletivos Cidadãos (2014), com Ivan Maltcheff; Incubação de
Empreendimentos de Economia Solidária (2009) e Pedagogia da Participação -
Trabalhando com Comunidades (2002 e 2006).
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