Francisco
Louça | Público | opinião
Donald
Rumsfeld, um assanhado falcão que foi ministro dos EUA durante as suas recentes
guerras mesopotâmicas, celebrizou-se por poucas coisas. Era um homem de
negócios, a sua empresa foi das grandes beneficiárias da guerra, a ocupação do
Iraque foi uma bênção para o terrorismo e uma maldição para os árabes, não é
fácil encontrar alguma coisa que o recomende. Mas pelo menos dizia ao que
vinha.
Talvez
por isso os participantes na cimeira da NATO de 2002 possam ter sido
surpreendidos pela sua triste declaração:«A mensagem a transmitir é que não há
“conhecidos”. Há coisas que sabemos que sabemos. Há desconhecidos conhecidos.
Isto é, há coisas que agora sabemos que não sabemos. Mas também há
desconhecidos que desconhecemos. Há coisas que não sabemos que não sabemos.» De
um chefe de guerra que conduz as tropas, mesmo que à confortável distância de
um ecrã de videojogo, esperava-se certamente mais garbo. Mas as coisas são como
são e Rumsfeld ficou-se por esta charada, só há “desconhecidos conhecidos” e
“desconhecidos desconhecidos”, seja lá o que isso for.
Pois
o caso da Operação Marquês contra José Sócrates, que agora chegou à acusação,
prova que Rumsfeld não viu o filme todo: também há outra classe que ele
esqueceu, a dos “conhecidos desconhecidos”. Um conhecido desconhecido é um ser
bizarro, que está à nossa frente e não sabemos bem o que seja. Tem cheiro e
cor, mas ao que vem, isso é desconhecido. O caso Marquês é esse bicho. O
processo jurídico, o nosso conhecido (afinal já leva quatro anos de fugas de
informação para o Correio da Manhã), se é alguma coisa pela certa, é só uma
ponta do iceberg, esse sim menos conhecido, das relações entre política e
negócios.
Em
todo o caso, que ninguém venha agora dizer que é uma surpresa: se nada se sabe
sobre estas culpas, que o tribunal há-de decidir, só por atrevida ignorância ou
manhosa cumplicidade pode alguém fingir que não viu as evidências dos
triângulos dourados entre políticos e banqueiros e beneficiários de
privatizações e PPPs. São conhecidos desconhecidos, porque as contratações e
ligações foram todas às claras, mas o que exactamente fizeram delas é
desconhecido.
Há
meia dúzia de anos, publiquei um livro com alguns colegas (“Os Donos de
Portugal”) que investigava as carreiras de alguns governantes; depois
completamos o estudo sobre todos os 776 ministros e secretários de Estado que
nos governaram até 2011 (“Os Burgueses”).
Ficará surpreendido se lhe disser que os governos com mais pessoal recrutado
nas grandes empresas foram os de Durão Barroso com Portas e de Santana com
Portas? Ou que os que foram ou vieram dos grandes grupos económicos ocuparam um
quarto dos postos de governo? Ou que os que foram e vieram da finança são um em
cada três governantes?
É
certo que a lista da gente do BES nos governos (ou que foi para o BES) é
especialmente impressionante: Durão Barroso, Rui Machete, Jaime Gama, António
Mexia, Proença de Carvalho, Manuel Lencastre, Almerindo Marques e outros. Ou
que foram ou vieram da PT, outra jóia do BES: Armando Vara, Medina Carreira,
José Lamego, António Vitorino, Couto dos Santos, Todo Bom. Não são casos
isolados: quanto Lobo Xavier, Jorge Coelho, Valente de Oliveira, Joaquim
Ferreira do Amaral e Paulo Portas fazem a sua viagem pela Mota Engil – e alguns
queixavam-se das autoestradas! –, percebemos como estes triângulos são
atraentes (e note as
ligações entre o BES e a Mota-Engil, por exemplo na Ascendi e na Martifer).
A
acusação da Operação Marquês é gravíssima, pois aponta a corrupção ao mais alto
nível do Estado. Mas há outra acusação que não precisa de tribunal, e que
regista os que beneficiaram, legal e tranquilamente, do regime de promoção
social que foi instituído pelo poder financeiro e pelo seu apetite dos
governantes. Tem sido esse o regime que governa Portugal e não se espantem se
nos cria problemas.
Imagem em TVI24
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