James
Petras
No
seu discurso de posse Donald Trump, clara e vigorosamente delineou as
estratégias político-económicas que prosseguirá nos próximos quatro anos. Mas
jornalistas, editorialistas, acadêmicos e especialistas anti-Trump que aparecem
noFinancial Times, New York Times, Washington Post e Wall Street
Journal têm repetidamente distorcido e mentido sobre o seu programa, bem
como sobre a sua crítica às políticas do passado.
Começamos por discutir seriamente a crítica do Presidente Trump à
economia-política contemporânea e prosseguiremos na elaboração das suas
alternativas e das suas fraquezas.
Críticas de Trump à classe dominante
A peça central da crítica do Trump à elite governante atual é o impacto
negativo das políticas de globalização nos desequilíbrios dos EUA na produção,
no comércio, na fiscalidade e no mercado de trabalho. Como exemplo dos efeitos
negativos da globalização, Trump menciona o facto de que o capitalismo
industrial dos EUA mudou drasticamente o centro dos seus investimentos,
inovações e lucros para o exterior. Durante duas décadas muitos políticos e
gurus têm lamentado a perda de postos de trabalho bem remunerados e estáveis em
indústrias locais como parte de sua retórica de campanha ou em reuniões
públicas, mas não tomaram qualquer ação eficaz contra estes aspectos mais
negativos da globalização. Trump denunciou-os como "só conversa e nenhuma
ação" enquanto prometia acabar com os discursos vazios e implementar
mudanças importantes.
Trump criticou os importadores que trazem produtos baratos de fabricantes
estrangeiros para o mercado americano, destruindo empresas e postos de trabalho
nos EUA. A sua estratégia económica de priorizar as indústrias dos EUA é uma
crítica implícita ao desvio do capital produtivo para o capital financeiro e
especulativo ocorrido sob as quatro administrações anteriores. No seu discurso
inaugural, o ataque às elites que trocaram a "cintura da ferrugem" ("rust
belt") pela Wall Street alia-se à sua promessa à classe trabalhadora:
"Ouvi estas palavras! Vocês não serão ignorados novamente". Com
palavras suas, Trump retrata a classe dominante "como porcos na
gamela" (Financial Times, 23/01/2017, p. 11)
Crítica política-económica de Trump
Trump dá relevo a negociações quanto a mercados com parceiros
estrangeiros e adversários. Repetidamente criticou a insensata promoção pelos
media e por políticos, dos mercados livres e do militarismo agressivo que minam
a capacidade do país para negociar contratos rentáveis.
A política de imigração de Trump está intimamente relacionada com a sua
estratégia: "América primeiro" para a política de trabalho. Entradas
maciças de imigrantes têm sido utilizadas para minar os salários, direitos
laborais e emprego estável dos trabalhadores dos Estados Unidos. Isto foi
documentado pela primeira vez na indústria de embalagem de alimentos, seguida
das indústrias têxteis, construção e aviários. A proposta do Trump é limitar a
imigração para permitir que os trabalhadores dos EUA mudem o equilíbrio de
poder entre capital e trabalho e fortaleçam o poder do trabalho organizado para
negociar salários, condições e benefícios. A crítica de Trump sobre a imigração
massiva é baseada no facto de que estavam disponíveis empregos para
trabalhadores norte-americanos qualificados naqueles mesmos sectores se os
salários e condições de trabalho fossem melhorados permitindo padrões de vida
dignos e estáveis para suas famílias.
Crítica política do presidente Trump
Trump assinala os acordos de comércio, que têm ocasionado enormes défices, e
conclui que os negociadores americanos falharam. Argumenta que anteriores
presidentes dos Estados Unidos assinaram acordos multilaterais, para assegurar
alianças militares e bases, em detrimento da negociação de pactos económicos de
criação de emprego. A sua presidência promete mudar a equação: quer rasgar ou
renegociar tratados económicos desfavoráveis, reduzir compromissos militares
ultramarinos dos EUA e pede que os aliados da NATO suportem mais encargos nos
seus orçamentos de defesa. Imediatamente após a investidura no cargo, Trump
cancelou a parceria Transpacífica (TPP) e convocou uma reunião com o Canadá e
México para renegociar o NAFTA.
A agenda de Trump tem dado relevo a planos para projetos de infraestruturas no
valor de 100 mil milhões de dólares, incluindo a construção de controversas
condutas de petróleo e gás do Canadá para os EUA. É claro que essas condutas
violam tratados existentes com os povos indígenas e são uma ameaça de
degradação ecológica. No entanto, ao priorizar o uso de materiais de construção
americanos e insistir na contratação apenas de trabalhadores dos EUA, as suas
controversas políticas formarão a base para desenvolver empregos bem pagos para
cidadãos dos EUA.
A ênfase em investimentos e empregos nos EUA é uma ruptura total com a anterior
Administração, com o Presidente Obama focado em empreender múltiplas guerras no
Médio Oriente, aumentando a dívida pública e o défice da balança comercial.
No seu discurso inaugural Trump emitiu uma severa promessa: "a carnificina
americana vai parar agora e termina aqui!". Isto repercutiu-se num grande
sector da classe trabalhadora e foi falado perante uma assembleia dos
principais arquitetos de quatro décadas de globalização destruidora de
empregos. "Carnificina" carregava um duplo significado:
"carnificina" generalizada em consequência das políticas de Obama e
de outras administrações na destruição de postos de trabalho no país, que
resultaram em decadência e falência de pequenas cidades rurais e comunidades
urbanas.
Esta carnificina interna é a outra face das intermináveis políticas de guerra
no exterior, espalhando carnificina em três continentes. As lideranças
políticas dos últimos quinze anos disseminaram uma carnificina no país,
permitindo uma epidemia de dependência de drogas (principalmente relacionada
com a prescrição descontrolada de opiáceos sintéticos) matando centenas de
milhares de norte-americanos, na maior parte jovens, e destruindo as vidas de
milhões.
Trump prometeu acabar com esta "carnificina" de vidas desperdiçadas.
Infelizmente, ele não controla as grandes farmacêuticas ('Big Pharma') e
a comunidade médica responsável pelo seu papel na difusão da toxicodependência
nos recantos mais profundos do espaço rural dos EUA, economicamente devastados.
Trump criticou os anteriores eleitos por autorizarem enormes subsídios
militares a "aliados" ao mesmo tempo deixando claro que sua crítica
não incluía as políticas de compras militares nos EUA e não iria contradizer a
sua promessa de "reforçar velhas alianças" (NATO).
Verdades e mentiras: jornalistas lixo e militaristas de poltrona
Entre os exemplos mais escandalosos da histeria mediática sobre a nova economia
de Trump é a série sistemática e mordaz de produções virais concebidas para
obscurecer a triste realidade nacional que Trump prometeu tratar. Vamos
discutir e comparar os relatos publicados pelos "jornalistas lixo"
(JLs) e apresentar uma versão mais precisa da situação.
Os respeitáveis jornalistas lixo do Financial Times clamam que Trump
quer "destruir o comércio mundial". Na verdade, Trump repetidamente
declarou sua intenção de aumentar o comércio internacional. O que propõe é
aumentar o comércio mundial dos EUA a partir do interior, em vez de o fazer a
partir de outros países. Ele pretende renegociar os termos dos acordos
multilaterais e bilaterais de comércio para garantir maior reciprocidade com
parceiros comerciais. Sob Obama, os EUA foram mais agressivos na imposição de
tarifas de comércio que qualquer outro país da OCDE.
Os jornalistas lixo qualificam Trump como "protecionista",
confundindo as suas políticas para reindustrializar a economia com a autarcia.
Trump irá promover as exportações e importações, manter uma economia aberta e
ao mesmo tempo aumentar o papel dos EUA como um produtor e exportador. Os EUA
tornar-se-ão mais seletivos nas suas importações. Trump vai favorecer o crescimento
dos exportadores e aumentar as importações de bens primários e tecnologia
avançada, reduzindo a importação de automóveis, aço e produtos de consumo
familiar.
A oposição de Trump à globalização tem-se chocado com os jornalistas lixo do Washington
Post como uma grave ameaça para a "ordem económica pós-Segunda Guerra
Mundial". Na verdade, grandes mudanças já se processaram tornando obsoleta
a velha ordem e tentativas para mantê-la levaram a crises, a guerras e mais
decadência. Trump reconheceu a natureza obsoleta da velha ordem económica e
decidiu que a mudança é necessária.
A velha ordem económica obsoleta e a duvidosa Nova Economia
No final da Segunda Guerra Mundial, na maioria dos países da Europa Ocidental e
Japão recorreu-se a políticas monetárias e industriais altamente restritivas,
"protecionistas", para reconstruir as suas economias. Somente após um
prolongado período de recuperação Alemanha e Japão cuidadosa e seletivamente
liberalizaram as suas economias.
Nas últimas décadas, a Rússia foi drasticamente transformada de uma poderosa
economia coletivista numa oligarquia capitalista subordinada e gangster, mais
recentemente reconstituída para uma economia mista e um Estado centralizado
forte. A China transformou-se de uma economia coletivista, isolada do comércio
mundial, na segunda economia mais poderosa do mundo, desalojando os EUA de
maior parceiro comercial na América Latina e na Ásia. Os EUA, que antes
controlavam 50% do comércio mundial, agora têm uma parte inferior a 20%. Este
declínio é em parte devido ao desmantelamento da sua economia industrial quando
os donos das empresas mudaram as fábricas para o exterior.
Apesar das transformações na ordem mundial, os últimos presidentes dos EUA
falharam em reconhecer a necessidade de reorganizar a economia política
americana. Em vez de reconhecer, aceitar e adaptar-se às mudanças nas relações
de poder e de mercado, procuraram intensificar os anteriores padrões de domínio
através da guerra, intervenção militar, sangrentas e destrutivas "mudanças
de regime" – devastando mercados ao invés de os criar para produtos dos
EUA. Em vez de reconhecer o imenso poder económico da China e procurar
renegociar acordos de comércio e cooperação, eles têm estupidamente excluído a
China de pactos de comércio regional e internacional, ao ponto de cruelmente
ameaçar os seus parceiros comerciais asiáticos subalternos e lançar uma
política de cerco militar e provocação nos mares do Sul da China. Enquanto
Trump reconhece estas alterações e a necessidade de renegociar os laços
económicos, os designados para a sua Administração procuram ampliar as
políticas de confronto militar de Obama.
As
anteriores Administrações em Washington ignoraram o ressurgimento da Rússia, a
sua recuperação e crescimento como potência regional e mundial. Quando a
realidade finalmente se enraizou, as anteriores administrações dos EUA
aumentaram a sua ingerência nos antigos aliados da União Soviética,
estabeleceram bases militares e exercícios de guerra nas fronteiras da Rússia.
Em vez de aprofundar o comércio e o investimento na Rússia, Washington gastou
milhares de milhões em sanções e gastos militares – designadamente fomentando o
violento regime golpista da Ucrânia. As políticas de Obama que promoveram a
violenta tomada do poder na Ucrânia, Síria e Líbia foram motivados pelo desejo
de derrubar governos amigos da Rússia – devastando esses países e, finalmente,
fortalecendo a vontade da Rússia em consolidar e defender as suas fronteiras e
formar novas alianças estratégicas.
No início de sua campanha, Trump reconheceu as novas realidades do mundo e
propôs-se a alterar a substância, os símbolos, a retórica e as relações com
adversários e aliados – adequadas a uma nova economia.
Em primeiro lugar e acima de tudo, Trump olhou para as desastrosas guerras no
Médio Oriente e reconheceu os limites do poder militar dos EUA: os EUA não
poderiam envolver-se em múltiplos confrontos, guerras nunca terminadas de
conquista e ocupação no Médio Oriente, Norte de África e Ásia sem suportar
maiores custos internos.
Em segundo lugar, Trump reconheceu que a Rússia não era uma ameaça militar
estratégica para os Estados Unidos. Além disso, o governo russo sob Vladimir
Putin estava disposto a cooperar com os EUA para derrotar um inimigo mútuo –
ISIS e suas redes terroristas. A Rússia também estava ansiosa por voltar a
abrir os seus mercados aos investidores dos Estados Unidos, que também estavam
ansiosos para voltar depois de anos de sanções impostas por
Obama-Clinton-Kerry. Trump, realista, propõe-se acabar com as sanções e
restaurar relações de mercado favoráveis.
Em terceiro lugar, é evidente para Trump que as guerras dos EUA no Médio
Oriente impõem enormes custos com benefícios mínimos para a economia dos EUA.
Ele quer aumentar as relações de mercado com os poderes económicos e militares
regionais, como a Turquia, Israel e as monarquias do Golfo. Trump não está
interessado na Palestina, Iémen, Síria ou os curdos – que não oferecem
oportunidades de investimento e comércio. Ele ignora o enorme poder económico e
militar regional do Irão, contudo propôs-se renegociar o recente acordo feito
entre seis países e o Irão a fim de melhorar o lado americano na disputa A sua
campanha retórica hostil contra Teerão pode ter sido concebida para aplacar
Israel e a poderosa quinta coluna do "Israel-Firsters" nos
EUA. Isto certamente entra em conflito com as suas declarações "América
primeiro". Veremos se Donald Trump irá continuar a manter o
"show" de submissão ao projeto sionista expansão de Israel ao mesmo
tempo que procura incluir o Irão como parte da sua agenda de mercado regional.
O jornalismo lixo afirma que Trump adotou uma nova postura belicosa para com a
China e ameaça lançar uma "agenda protecionista" que, em última
análise, vai empurrar os países do Pacífico para mais perto de Pequim. Pelo
contrário, Trump aparece com a intenção de renegociar e aumentar o comércio
através de acordos bilaterais.
Trump irá mais provavelmente manter, mas não expandir, o cerco militar de Obama
às fronteiras marítimas da China, que ameaça as suas rotas marítimas vitais. No
entanto, ao contrário de Obama, Trump vai renegociar as relações económicas e
de comércio com Pequim – vendo a China como uma grande potência económica e não
como uma nação em desenvolvimento com intenção de proteger suas indústrias
nascentes. O realismo de Trump irá refletir a nova ordem económica: a China é
um poder económico amadurecido, altamente competitivo, um poder económico
mundial que tem estado a sobrepor-se aos EUA, em parte mantendo os seus
próprios subsídios e incentivos estatais da sua anterior fase económica. Isto
conduziu a desequilíbrios significativos. Trump, realista, reconhece que a
China oferece grandes oportunidades para o comércio e o investimento se os EUA
puderem garantir acordos recíprocos, que levem a uma balança comercial mais
favorável.
Trump não quer lançar-se numa "guerra comercial" com a China, mas
precisa restaurar os EUA como uma grande nação "exportadora" a fim de
implementar a sua agenda económica nacional. As negociações com a China serão
muito difíceis porque a elite importadora dos EUA está contra a agenda de Trump
e do lado da classe dirigente de Pequim decididamente orientada para a
exportação.
Além disto, como a elite bancária de Wall Street está a discutir com Pequim a
entrada nos mercados financeiros da China, o sector financeiro norte-americano
é um aliado instável e pouco disposto às políticas pro-indústria de Trump.
Conclusão
Trump não é um "protecionista", nem se opõe ao "livre
comércio". As acusações dos jornalistas lixo são infundadas. Trump não se
opõe a políticas económicas imperialistas dos Estados Unidos no exterior. No
entanto, é um realista de mercado que reconhece que a conquista militar é
dispendiosa e, no contexto do mundo contemporâneo, uma proposta economicamente
perdedora para os EUA. Reconhece que os EUA devem virar a página duma finança
predominante e uma economia importadora para uma economia produtora e
exportadora.
Trump vê a Rússia como um potencial parceiro económico e aliado militar para
acabar com as guerras na Síria, Iraque, Afeganistão e Ucrânia e especialmente
para derrotar a ameaça terrorista do ISIS. Ele vê a China como um concorrente
económico poderoso que tem aproveitando privilégios comerciais desatualizados,
e quer renegociar pactos de comércio em consonância com o atual equilíbrio do
poder económico.
Trump é um capitalista-nacionalista, imperialista de mercado e político
realista que está disposto a pisar os direitos das mulheres, legislação de
mudança climática, tratados indígenas e direitos de imigrantes. As nomeações
para o seu governo e os seus colegas Republicanos no Congresso são motivadas
por uma ideologia militarista mais perto da doutrina Obama-Clinton do que a sua
agenda "América primeiro". Ele está cercado na sua Administração por
militares imperialistas, expansionistas territoriais e fanáticos delirantes.
Quem vai ganhar a curto ou longo prazo está para ser visto. O que está claro é
que os liberais, os falcões do Partido Democrata e os defensores dos bandidos
fascistas de rua de camisas pretas, estarão ao lado dos imperialistas estarão
ao lado dos imperialistas e encontrarão uma multidão de aliados entre em torno
do regime Trump.