domingo, 31 de dezembro de 2017

PORTUGAL | Condições para um bom ano

Manuel Carvalho da Silva* | Jornal de Notícias | opinião

O ano de 2018 pode ser bom para Portugal e para os portugueses. Contudo, tal objetivo só será alcançado se existir objetividade na análise ao percurso feito e aos riscos e possibilidades que se nos apresentam a nível nacional, europeu e internacional.

Tem sido dito que 2017 foi "um ano bipolar", evidenciando-se o crescimento económico e o "ano trágico" dos catastróficos incêndios. É uma caracterização simplificada que serve a Direita e pretende condicionar a ação do Governo e da sua maioria parlamentar. Num ano de êxitos em vários campos mas também de acontecimentos negativos, por vezes mal explicados, os conteúdos daquela pretensa bipolaridade devem ser bem "descascados".

Em 2017 o país teve crescimento económico, foi possível criar emprego, reduzir o desemprego e melhorar os rendimentos de muitas centenas de milhares de trabalhadores e reformados. A obtenção destes resultados está associada a fatores de conjuntura interna e externa, ao empenho de trabalhadores, empresários e outros atores da sociedade portuguesa e confirma, como muito positiva, a solução política que suporta o atual Governo e o fundamental das suas políticas. Como o primeiro-ministro assumiu, há agora que dar prioridade ao emprego, apostar na sua qualidade, na qualificação dos portugueses e no combate à precariedade. Mas também é preciso assumir sem rodeios a melhoria dos salários e a revitalização da negociação coletiva, objetivos de que a Direita - e até o presidente da República - fogem a sete pés.

Quanto aos trágicos incêndios, eles aconteceram neste ano, logo este Governo teve e tem de assumir responsabilidades. Houve dimensões dramáticas e muito dolorosas que podiam ter sido evitadas ou minoradas, se alguns serviços do Estado tivessem funcionado como deve ser. Mas as dimensões todas das suas causas vêm de muito longe, envolvem responsabilidades de entidades públicas e privadas que se acumularam. As respostas serão também demoradas. Por agora registam-se algumas reações positivas, mas a mobilização e responsabilização social e política terão de manter-se durante legislaturas, na base de propostas coerentes e não de sugestões casuísticas de mero oportunismo político, como até agora a Direita tem feito.

Na União Europeia (UE), a chegada de Macron à presidência francesa, a constituição de um novo Governo na Alemanha liderado por Merkel, o reforço de forças ultraconservadoras ou fascistas em vários países e a emergência de nacionalismos xenófobos, alimentada pela ausência de respostas aos problemas que os povos enfrentam, o ano de 2018 anuncia-se como um período de potenciais mudanças. Várias das propostas já foram "cozinhadas" há muito e estão prontas a "servir" pelo eixo franco-alemão: transferência de poderes em novas áreas, nomeadamente, no plano económico/financeiro; novos mecanismos de sanção aos Estados (aos mais frágeis); reforço de instituições (formais e informais) como o recém-criado Mecanismo Europeu de Estabilidade que terá pouco ou nenhum escrutínio democrático; diminuição das condições para os países definirem políticas sociais e do trabalho adequadas a estratégias próprias de desenvolvimento são propostas de cunho neoliberal em cima da mesa. Entretanto, pode ser possível que políticas alternativas progressistas ganhem influência e tragam para a agenda problemas concretos dos cidadãos.

O Brexit em vários dos seus aspetos, o fenómeno Trump, o potencial aparecimento de outros Trump no Brasil ou noutros países evidenciam práticas repugnantes e são efetivas ameaças à democracia e à paz, mas não podem ser desculpa para se continuar a impor uma atitude acrítica aos povos e países europeus perante o errático e perigoso rumo da UE.

Não nos deslumbremos com conquistas individuais ou pontuais na esfera europeia. Urge um debate amplo sobre o futuro da UE e da nossa ação neste espaço, integrando-o na busca de condições para que o crescimento económico sirva a diversificação e a melhoria de perfil da economia para termos mais e melhor emprego, melhor saúde, educação, justiça, proteção social e igualdade. Precisamos de políticas articuladas e coerentes, trabalhadas passo a passo, mesmo que sem o aplauso das opiniões dominantes nos média.

*Investigador e professor universitário

MORRA 2017. VIVA 2018, MAS…


Em final de ano é habitual fazer-se uma análise do ano civil que encerra. Só que, se me permitem, irei fazer não uma análise, mas tentarei trazer à colação factos, internos e externos, que estão a ocorrer neste final de mês de Dezembro e que poderão ter implicações, seja onde as mesmas ocorreram ou ocorrem, como na cena internacional; e, como em certas ocorrências internacionais, poderão, também directa ou indirctamente, ter influência na nossa vida política e económica.

a). Comecemos pelos factos internos que me parecem mais importantes ou que mais impacto imediato e futuro poderão ter:

1. O presidente João Lourenço, na linha o que declarou nos comício eleitorais está a levar por diante uma das suas máximas: combate à corrupção, ao nepotismo – no que foi sublinhado pelo antigo presidente dos Santos no Seminário do MPLA sobre estas matérias –; e um dos meios que o presidente Lourenço vê como sendo uma das formas de combater estes dois cancros da nossa sociedade é “exigir” o retorno de capitais exportados ilicitamente para o exterior e, caso reinvestidos no País, não serem objecto de escrutínio quanto à forma e como foram obtidos e saíram.

Ora, este é precisamente um problema com que passarão alguns dos nossos financiadores no exterior. Como retornar parte substancial deste capital – estando aplicados, não poderão sair totalmente do exterior – sem que sejam questionados a sua deslocação e como terão sio obtidos. Algumas notícias recentes mostram que alguns desses capitai, mais que obtidos e forma pouco clara, terão sido conseguidos com manobras pouco ou nada transparentes e com efeitos negativos de onde foram recolhidos. Veremos como o Presidente João Lourenço conseguirá, jurídica e politicamente obter uma vitória económica.

2. E por falar em economia, o OGE para 2018 apresentado na Assembleia Nacional, além de patentear alguma contenção nas despesas, com particular evidência nas que ocorrem com os detentores de cargos públicos e antigos governantes – ui! isto vai dar maka – que vão ver parte dos direitos e regalias cortados ou suspensos, como suspensão da atribuição de veículos do Estado para apoio à residência aos titulares de cargos políticos, magistrados e outros beneficiários, ou os bilhetes de viagem dos titulares de cargos políticos, magistrados, deputados e respetivos cônjuges, passarem da 1.ª classe para a classe executiva e, dos titulares de cargos de direção e chefia, da classe executiva para a classe económica, vai apresentar, pelo 5º ano consecutivo um défice de um défice de 697,4 mil milhões de Kwanzas (cerca de 3,6 milhões de euros ou 4 mil milhões de dólares norte-amricano), equivalente a 2,9% do PIB – ainda assim, bem inferior aos precedentes – e as admissões função pública continuarão congeladas (quero crer que esta medida poderá ser revertida dada a necessidade de aumentar os efectivos policiais e , provavelmente, o número de professores. Veremos o impacto social do primeiro OGE de João Lourenço e como sairá o veredicto da Assembleia Nacional que o Presidente quer que passe a ser mais fiscalizador do Executivo.

b). Na cena internacional quatro factos importantes, três dos quais com evidente impacto directo ou indirecto no nosso País:

3. As relações com Portugal que, ultimamente, estão um pouco frias, devido, em grande parte, a um processo judicial em que está envolvido o anterior vice-Presidente Manuel Vicente. Angola deseja que o processo seja tratado no País, devido à questão da imunidade jurídica por que detém Vicente. Ora, as interpretações jurídicas não coincidem, pelo facto de o processo ter começado antes de se tornar vice-presidente e, pelo meio, estar em causa um processo civil e económico onde a Sonangol estará, ainda que indirectamente, envolvida, por causa do cargo que Vicente lá detinha.

É que uma eventual auditoria, que venha ser levada a efeito na Sonangol, e que incida sobre todos os anteriores gestores, poderá tornar a situação jurídica dos visados, mais alarmante.

4. A questão da República Democrática do Congo, quer nas razões internas – a persistente teimosia de Joseph Kabila (jr.) Kabange em se manter no poder estar constantemente a protelar as eleições gerais, assim como as insurreições internas com os refugiados a colocar problemas nos países vizinho, como, recentemente, em Angola –, quer na área externa com o problema da região dos Grandes Lagos onde a instabilidade política, administrativa e militar da RDC se fazem, também, sentir.
De notar, que João Lourenço já procurou dar um contributo para que as makas congolesas se diluam. Veremos.

5. A eleição de Cyril Ramaphosa, actual vice-presidente sul-africano, na passada segunda-feira, como o novo líder do ANC, aparecendo como o possível sucessor do actual chefe de Estado, Jacob Zuma, que vê a sua posição política e social cada vez mais contestada. E aqui, vamos verificar como Presidente Zuma irá sobreviver tendo como vice-presidente, o seu novo líder político partidário. É que, ao contrário da nossa vida política, em que o presidente do partido, MPLA, que sustém o Executivo não faz parte deste, e o vice-presidente do MPLA é Presidente da República, podendo fazer impor esta sua posição às normas estatutárias do partido, na África do Sul, Zuma não só deixou de ter algum poder no ANC como a sua posição quer dentro do partido como no meio político, jurídico e social sul-africano é muito instável, pelo que é de prever que as eleições gerais sul-africanas deverão ser antecipadas. A Cidade Alta vai ter de estar alerta sobre quais vão ser as novas directrizes políticas que sairão de Petrória. Ramaphosa, ao contrário da sua oponente derrotada, Nkosazana Dlamin Zuma, é visto como muito menos “simpático” com os vizinhos da SADC. A nossa diplomacia terá de estar muito atenta.

6. Finalmente, e ainda que não nos afecte muito directamente – ou talvez, sim, dado ser um local de predileção médica – quando este texto for publicado, já se saberá qual terá sido o veredicto dos catalães nas eleições de quinta-feira. Se as sondagens estiveram correctas ou se, uma vez mais, estas, na linha das recentes sondagens eleitorais internacionais, foram derrotadas; ou se os independentistas mantêm a maioria ou, se os constitucionalistas levaram a melhor, sendo que uma andaluza constitucionalista, a advogada Inés Arrimadas, casada com um independentista catalão, apoiada pelos Ciutadans (catalão para Ciudadanos), venceu as eleições e se vai ter capacidade para entrar no Palácio da Generalitat.

A previsão é que estas eleições terão tido, essa era a perspectiva e as sondagens assim o indicavam, a maior participação de sempre de eleitores em eleições catalãs. Uma eventual vitória dos independentistas poderá provocar um enorme maremoto – desculpem, mas porque temos de usar um nipónico “tsunami” se existe a correspondente palavra portuguesa? – nas algumas periclitantes fronteiras europeias e, por extensão, poderá acontecer o mesmo em outros continentes.

Talvez seja um “flop” como a chamada Primavera Árabe…

Nota Final: Em plena época natalícia aproveito para desejar a todos os colaboradores e leitores do Novo Jornal votos de um, tanto quanto possível, Bom Natal e um pedido ao Presidente João Lourenço que 2018 seja o princípio da retoma e da total liberdade e política, social e afirmação de todos os nossos direitos políticos e sociais – o recente caso de Cabinda, onde uma manifestação não proibida foi impedia de ser realizada e alguns dos seus mentores detidos, não foi um bom princípio – para que Angola entre, definitivamente e sem mais sobressalto na senda da verdadeira recuperação económica para que os nossos descendentes se orgulhem de Nós! Feliz Ano 2018!

*Investigador do CEI-IUL e Pós-Doutorando da FCS-UAN

Publicado no semanário Novo Jornal, edição 514, de 22 de Dezembro de 2017, página 13 (http://www.novojornal.co.ao/opiniao/interior/morra-2017-viva-2018-mas-48134.html)

*Eugénio Costa Almeida – Pululu - Página de um lusofónico angolano-português, licenciado e mestre em Relações Internacionais e Doutorado em Ciências Sociais - ramo Relações Internacionais - nele poderão aceder a ensaios académicos e artigos de opinião, relacionados com a actividade académica, social e associativa.

Angolanos iniciam 2018 em clima de incerteza


Mudanças promovidas pelo Presidente João Lourenço, em 2017, geraram otimismo e expetativas entre os cidadãos. Mas, para economista Josué Chilundulo, não garantem melhoria de vida para as famílias.

O ano de 2017 não foi fácil para muitos angolanos, por causa da crise económica e financeira que continua a assolar o país. Muitas empresas fecharam as portas e centenas de cidadãos caíram no mundo do desemprego. Nascimento Alberto Correia é um destes desempregados.

"Já estou há seis meses desempregado. Este período todo, ficamos sem trabalhar e temos que desenrrascar a vida. Agora, vamos ver como será o próximo ano com esse novo Presidente, o novo líder que temos agora. Estamos a ver que está a mudar um pouco", diz.

João Lourenço tomou posse como Presidente da República de Angola, a 26 de setembro de 2017, na sequência das eleições gerais de 23 de agosto - ganhas pelo Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA).

No seu discurso de fim de ano, garantiu que 2018 será melhor para os angolanos.

Tomás Alberto Badila é lavador de automóveis numa das ruas do município de Viana, em Luanda. Está otimista.

"Eu espero que o Governo melhore tudo de bom que está a prometer para  juventude. A juventude tem uma força, tem uma boa força", avalia.

Heranças de 2017

Desde que se tornou chefe de Estado, João Lourenço efetuou várias exonerações. Uma das mudanças aplaudidas pelos cidadãos foi a retirada de Isabel dos Santos, filha do Presidente cessante, do cargo de Presidente do Conselho de Administração da Sonangol - principal fonte de receitas do Orçamento Geral do Estado (OGE).

Mas será que, com todas essas mudanças, o bolso dos angolanos também sairá beneficiado? Ou o cinto vai apertar ainda mais?

"Por conceito, as exonerações e nomeações não têm uma relação objetiva com a mudança ou, se quisermos, com a melhoria do bem-estar das famílias em Angola. A razão de ser delas, pelo menos é isso que se transparece, é a questão da busca da eficiência governativa. Isso é igual a termos um Governo mais pragmático, mais próximo dos cidadãos e um Governo mais sensível", responde o economista angolano Josué Chilundulo.

Muitos angolanos entram com incertezas em 2018, apesar do renascimento da esperança - fruto dos sinais que estão a ser dados pelo novo Governo. Josué Chilundulo diz que espera sentir as mudanças na prática.

"O que nós temos estado a perceber é que, do ponto de vista prático, as intenções na generalidade estão descritas. Mas a dinâmica como estas políticas públicas vão ser transformadas é que deixam algunspontos de interrogação", considera o economista.

Momento ainda é de crise

O mercado cambial angolano debate-se com a escassez de divisas.

Uma das saídas apontadas por alguns especialistas é a desvalorização do kwanza, a moeda nacional.

Para o Josué Chilundulo, "qualquer implementação deste processo nos próximos seis meses implicaria o sacrifício das famílias angolanas".

"Estamos com a inflação acumulada muito acima dos 40%. Temos um índice de desemprego muito elevado. A pobreza agudizou-se. Somos uma economia que depende, exclusivamente, da importação. Temos baixo nível de rentabilização das famílias. Mais grave do que tudo isso é que, por enquanto, tudo que se produz neste país depende também de importações", explica.

O economista aponta alguns passos que devem ser dados para se melhorar a economia angolana em 2018.

"Primeiro passo é qualidade do gasto público. É o Estado direcionar o seu gasto, a ponto de provocar um efeito multiplicador sobre as empresas prestadoras de serviço ao Estado. Segundo aspecto é o Estado desenvolver uma política protetora aos pequenos pontos de produção que existem", conclui.

Manuel Luamba (Luanda) | Deutsche Welle

Angola: Lundas prometem manifestação contra precárias condições de saúde

População diz que os dois hospitais da região estão sem condições de atendimento. Desde setembro, dezenas de crianças já morreram. O Governo classifica o caso como epidemia de malária, mas organizações locais discordam.

Os moradores da região das Lundas, no leste de Angola, estão assustados com a quantidade de crianças que têm morrido desde setembro. O Governo angolano classifica a situação como epidemia de malária, facto que as autoridades e organizações locais discordam devido aos sintomas.

De acordo com os líderes locais, pelo menos oito crianças estão a morrer por dia apenas na localidade de Cafunfo, no município de Cuango, na província da Lunda Norte. A localidade conta com cerca de 70 mil habitantes.

Os moradores decidiram realizar uma manifestação na véspera do Natal (24.12) para protestar contra a precária situação que têm enfrentado nos últimos tempos: os dois hospitais da região estão sem condições de atendimento devido à falta de higiéne e carência de medicamentos.

Até os três cemitérios da cidade estão cheios de pequenas valas prontas a receber um elevado número de vítimas diariamente, principalmente crianças. Para Enoque Jeremias, diretor da Associaçao para Promoção de Desenvolvimento Social, o número de menores com idades de 0 a 14 anos que não resistiu aos sintomas de febre alta impressiona até quem trabalha há anos na região.

"Houve um tempo em que estavam a morrer entre oito e 15 crianças por dia, assim, invariavelmente. Um dia morria cinco, em outro dia oito ou 15, sucessivamente. Essa situação se repetia, no dia-a-dia até que ficou difícil calcular quantas mortes, ninguém consegue definir o número exato de crianças que já morreram", detalha Enoque Jeremias.

Governo face à situação

População e grupos de apoio social mostram-se impotentes face ao fenómeno. A ministra da Saúde de Angola, Sílvia Lutucuta, esteve no local recentemente para a entrega de 17 ambulâncias à Administração do Cuango, facto que, para os moradores, não ajudou muito devido a condição precária das estradas.

"As ambulâncias estão aqui, mas não sabemos o que fazer, porque os carros não podem ir a longas distâncias, as estradas não suportam", sublinha Jeremias.

No periodo de uma semana de investigação, as autoridades de saúde angolanas reconheceram oito mortes na localidade que é tida como endémica em períodos como este. Para Enoque Jeremias, a situação melhorou um pouco no início do corrente mês de  dezembro, mas ainda parece longe uma resposta adequada para as crianças que ainda necessitam de tratamento.

O Governo atribui parte da gravidade da situação à forma como as famílias lidam com crenças religiosas para a cura da doença, uma posição que, segundo o  deputado da UNITA, Joaquim Nafoia, não faz grande sentido.

"Este surto foi provocado por neglicência, porque está a chover, a população está a consumir água imprópria, já que não existe aqui nesta região sistema de água canalizada. A população consome água dos três rios que aqui passam e são circundados pelas usinas, há muito lixo acumulado por todos os cantos, incluindo nos rios", pontua o deputado.

 "E a gente pode ver que há aterros sanitários nas nascentes destes rios. O lixo escorre para baixo do solo e a população vai acarretar lá a água para o consumo", descreve Nafoia, quem completa que o Hospital Regional de Cafunfo (o principal da região) não tem corrente elétrica, nem água potável e as casas de banho estão entupidas.

Situação degradante de todas as formas

O resultado  da investigação epidemiológica, promovida a este propósito, refere tratar-se de malária associada a anemia severa, por falta de saneamento do meio e constantes chuvas.

O  inquérito  sustenta  que situações de género aconteceram em períodos homólogos dos anos anteriores. Cuango e Cafunfo são importantes zonas angolanas de exploração mineira. Por isso, entre as vítimas, para além de crianças  angolanas, também estrangeiras, filhas de refugiados e imigrantes da República Democrática do Congo.

Richard Furst | Deutsche Welle

Queda de braço entre Presidente e Judiciário agrava-se em STP

Em nota, Presidência de São Tomé e Príncipe informa ter afastado presidente e relator do STJ de qualquer processo referente à criação do novo Tribunal Constitucional. Decisão é reação à anulação da lei que cria o TC.

O presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) são-tomense, Silva Gomes Cravid, deixou de acumular as funções de presidente do Tribunal Constitucional (TC), que teve promulgada a sua lei orgânica, indica a Presidência da República, no comunicado.

"Enquanto presidente do Tribunal Constitucional, as funções cessaram com a entrada, na ordem jurídica nacional, do Tribunal Constitucional autónomo", diz o documento da Presidência da República. A informação foi divulgada este sábado (30.12), pela agência Lusa.

No comunicado assinado pelo diretor do gabinete, o Presidente da República, Evaristo Carvalho, afasta igualmente Silva Gomes Cravid e o relator do despacho do Supremo Tribunal de Justiça de "qualquer intervenção" no processo de fiscalização preventiva de constitucionalidade que corra ainda nos tribunais.

A nota é uma resposta ao despacho do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 28 de dezembro, que, na qualidade de Tribunal Constitucional, anulou a promulgação pelo chefe de Estado da lei orgânica que cria o novo TC, por considerá-la "ilegal e consequentemente inexistente".

Queixa-crime

O comunicado da Presidência adianta que corre contra Silva Cravid e o juiz relator do despacho uma queixa-crime "por suspeita de prevaricação, denegação de justiça e falsificação" e "ficam ambos imediatamente inibidos de qualquer intervenção no processo".

No despacho do passado dia 28, o STJ disse ter concluído que "o ato do Presidente da República em promulgar o diploma, sem que o Supremo Tribunal de Justiça/Tribunal Constitucional decidisse está ferido de inconstitucionalidade, não está imbuído de boa-fé, por isso, é ilegal e consequentemente inexistente".

Dizia ainda o despacho que o Presidente da República tinha conhecimento que decorria um processo de fiscalização preventiva de constitucionalidade da lei aprovada pela maioria parlamentar da Ação Democrática Independente (ADI), sublinhando que, mesmo que não tivesse conhecimento, devia solicitar informação ao tribunal.

"Só por equívoco, ignorância, denegação intencional de justiça e muita má-fé, ou ainda por uma vontade deliberada de inversão dos princípios e regras basilares do Direito de Processo Civil, poderá um juiz do Supremo Tribunal de Justiça afirmar que 'caberia ao Presidente da República solicitar ao tribunal informações sobre a causa", considera ainda o comunicado da Presidência.

Agência Lusa, cvt | em Deutsche Welle

Presidente são-tomense acusado de violar a Constituição

Em causa está a lei assinada por Evaristo Carvalho para a criação de um Tribunal Constitucional independente do Supremo Tribunal de Justiça. Judiciário anulou a decisão presidencial.

O Presidente de São Tomé e Príncipe, Evaristo Carvalho, rejeita a acusação de violar a Constituição ao promulgar lei orgânica do novo Tribunal Constitucional e diz ter cumprido "rigorosamente os preceitos constitucionais". A medida foi anulada, esta sexta-feira (29.12), pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ).

Carvalho foi criticado pelo STJ, que também atua como Tribunal Constitucional do país. O STJ considerou "ilegal e consequentemente inexistente" a decisão presidencial que cria o Tribunal Constitucional, tornando-o uma instituição independente do STJ.

Num comunicado, o Presidente afirma que "a instalação de um Tribunal Constitucional nos moldes previstos nas leis promulgadas marca uma evolução qualitativa no sistema nacional de justiça, estabelecido no país desde o advento da democracia e do Estado de direito democrático".

Evaristo Carvalho sublinha também que a separação do Tribunal Constitucional do Supremo Tribunal de Justiça "coloca o país em termos legislativos nos patamares mais avançados da administração da justiça constitucional".

O STJ, no entanto, entende que a medida do Presidente é "inconstitucional". "Conclui-se que o ato de promulgar o diploma em apreço, sem que o Supremo Tribunal de Justiça/Tribunal Constitucional decidisse sobre o pedido [de fiscalização preventiva de constitucionalidade] está ferido de inconstitucionalidade, não está imbuído de boa-fé, por isso, é ilegal e consequentemente inexistente", diz um despacho do STJ, a que a agência de notícias Lusa teve acesso.

O Supremo Tribunal de Justiça indica que vai continuar a "trabalhar os termos e tramitações processuais impostas pela Constituição da República e pela lei e dará o seu veredicto final dentro de 25 dias".

Oposição também critica o Presidente

Carvalho também foi criticado pelo Partido da Convergência Democrática (PCD), que acusou o chefe de Estado de "violar flagrantemente a Constituição” e de tê-lo feito "a mando” do primeiro-ministro Patrice Trovoada, a quem o partido acusa de "estar a arquitetar um golpe de Estado".

"O que está em marcha neste momento é todo um plano devidamente arquitetado para a usurpação do poder, seu uso de forma exclusiva pelo atual primeiro-ministro Patrice Trovoada, o partido Ação Democrática Independente (ADI) e o seu Governo", acusou o vice-presidente daquela formação política e ex-ministro da Justiça, Olegário Tiny.

Na quinta-feira (28.12), também o Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe - Partido Social Democrata (MLSTP-PSD) havia divulgado um comunicado criticando Carvalho.

"O Presidente violou flagrantemente as suas funções como único garante da constituição, ao promulgar o diploma em referência, deixando os são-tomenses em situação de insegurança jurídica", lia-se na nota.

Um dia após a aprovação da lei orgânica que cria o novo Tribunal Constitucional pela maioria parlamentar da ADI, os partidos da oposição que votaram contra o projeto pediram ao STJ a sua fiscalização preventiva e apreciação de constitucionalidade.

Agência Lusa, tms | em Deutsche Welle

Militares presos em Bissau ainda não têm advogado

Alerta foi feito pela LGDH. Quatro militares foram detidos no passado dia 16, acusados de tentativa de assassínio do chefe das Forças Armadas da Guiné-Bissau, Biaguê Nan Tan. Organização denuncia más condições das celas.

Segundo a Liga Guineense dos Direitos Humanos (LGDH), a organição está empenhada em constituir advogados para os quatro militares que se encontram detidos na prisão da Base Aérea, em Bissau, desde o passado dia 16, mas ainda não têm representantes legais.

Trata-se de um tenente, um major, um capitão e um 2º sargento, todos pertencentes ao comando da zona leste da Guiné-Bissau.

Á DW áfrica, Augusto Mário da Silva, presidente da LGDH, disse que já foi lançado concurso público para a contratação dos advogados de defesa.

"Nós estamos em contato com a Ordem dos Advogados no sentido de poder disponibilizar os advogados para patrocinar o caso dos militares que, neste momento, estão detidos e que não têm condições financeiras para contratar um advogado," revelou.

No âmbito do projeto de acesso à Justiça financiado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), "a entidade já disponibilizou uma verba para o feito", informou da Silva acrescentando que "a Ordem dos Advogados já lançou o concurso para a contratação do escritório de advogados disponível e com perfil para patrocinar o caso".

Sem as "mínimas condições"

No passado sábado (23.12), na companhia do presidente do Tribunal Militar Superior, general Daba Na Walna, o presidente da Liga visitou as celas da Base Aérea, onde se encontram os quatro detidos, aos quais entregou colchões de espuma, baldes, material de higiene pessoal e mosquiteiros.

O general Na Walna, agradeceu o "contributo da Liga para a emancipação da pessoa humana", mas garantiu que todos já foram presentes ao juiz que legalizou a prisão preventiva dos quatro suspeitos.

Em declarações aos jornalistas, que não foram autorizados a visitar as celas, Augusto Mário da Silva disse que as celas "não têm as mínimas condições" e que a alimentação dos mesmo "deixa muito a desejar".

"Não haviam colchões, as casas de banhos estão entupidas, também as refeições não são regulares. Constatamos tudo isso e esperamos que o Estado Maior faça alguma coisa para melhorar a situação dessas pessoas que neste momento estão nas celas", descreveu.

O presidente da LGDH, acrescentou ainda que a organição continua a acompanhar a evolução da situação.

"Acreditamos que o Tribunal Militar vai assegurar as garantias dos direitos dos detidos, permitir que todos eles tenham advogados e que os advogados façam o seu trabalho como deve ser", afirmou.

Próximos passos do processo

"Pelas informações que nos chegam, de certo modo estão ligadas à Justiça Militar, dão conta de que já foram todos ouvidos", disse o presidente da LGDH, acrescentando que “cabe agora à Promotoria limitar neste caso - verificar de acordo com o que ouviu no inquérito, se há mataria para acusar ou não".

"Se a Promotoria da Justiça Militar chegar à conclusão de que há mataria para acusar, proferirá uma acusação provisoria e, depois dar-se-á aos suspeitos o direito de pugnarem contraditoriamente", explicou, podenrando, no entanto que, "se a impugnação contraditória não convencer, avance-se para a acusação definitiva face ao julgamento".

"E, se por contrário, chegar-se à conclusão de que não há matéria para o processo andar, mande-se arquivar o processo ilibando da responsabilidade os detidos" concluiu.

Fátima Tchumá Camará (Bissau) | Deutsche Welle

"Interesses políticos" ditaram arquivamento do caso "Nino" Vieira?

O analista político Suleimane Cassama questiona a decisão do Ministério Público da Guiné-Bissau de mandar arquivar as investigações sobre a morte do ex-Presidente guineense "Nino" Vieira, que acusa de falta de vontade.

Normalmente, os crimes públicos não prescrevem, muito menos havendo vontade do Ministério Público em avançar com as investigações. É esta a reação do analista Suleimane Cassama à decisão do Ministério Público da Guiné-Bissau, que por ordem do Tribunal Constitucional vai mandar arquivar o processo de investigações sobre o assassinato, a 2 de março de 2009, do ex-Presidente "Nino" Vieira e do ex-chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, Tagmé Na Waié. O anúncio foi feito esta quinta-feira (28.12) pelo procurador-geral da República, Bacari Biai.

Suleimane Cassama diz que o Ministério Público da Guiné-Bissau nunca se posicionou de forma clara sobre as investigações. "Surpreende-nos que o procurador-geral venha dizer que baseia a sua posição no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça. Um acórdão que, simplesmente, retira ao Ministério Público algumas competências e que o próprio Ministério Público não reconhece", sublinha.

Em entrevista à DW África, o analista político salienta ainda que a retirada de competências ao Ministério Público não é motivo para este arquivar o processo definitivamente.

"Interesses políticos e financeiros"

Para Suleimane Cassama, por trás da decisão de mandar arquivar as investigações existem "interesses políticos e financeiros". "Estamos a falar de crimes de sangue de pessoas com cargos públicos, nomeadamente o Presidente da República e o chefe de Estado Maior General das Forças Armadas. Portanto, aqui há interesses. No meu entendimento, alguns interesses políticos e até de origem inconfessável, até pode ser financeiro", afirma.

O analista sublinha que a morte de "Nino" Vieira e de Tagmé Na Waié deve ser esclarecida e que não se pode tomar decisões sem conhecer os autores dos crimes.

Para o especialista, a saída para o problema deveria passar por uma discussão na Assembleia Nacional Popular, mas num "contexto político normal" no país, que vive atualmente uma crise política profunda.

Suleimane Cassama questiona ainda por que motivo foram escolhidos estes dois processos, sabendo que existem muitos outros casos de crimes de sangue.

"Há processos que estão lá. Porque é que o procurador vai precisamente selecionar [estes casos]? Que nos traga uma interpretação que diga isso. Porque é que ele, do mesmo modo, não encerra outros crimes de sangue? Portanto, não se consegue compreender o porquê de posicionar-se exatamente nesta situação, com base num acórdão que não diz nada sobre o assunto. Isso é no mínimo incompreensível", questiona.

Procurador refuta críticas

O procurador-geral da República, Bacari Biai, responde às críticas, afirmando que não foi ele quem selecionou os processos, cujas investigações deverão ser suspensas. "Eu não escolhi! Isso não levanta a questão de que eu escolhi aleatoriamente estes crimes, não é nada disso", reagiu.

Em entrevista  à DW África, o procurador-geral disse ainda que não concorda com a diretriz do Tribunal Constitucional, porque acha que vai prejudicar as investigações.

Na quinta-feira (28.12), Bacari Biai afirmou aos jornalistas que o processo deve ser arquivado, porque o Tribunal Constitucional manda que seis meses depois do início de qualquer averiguação em curso no Ministério Público ou há uma acusação ou o processo é arquivado.

O procurador explicou que a investigação da morte de "Nino" Vieira não avançou por não ter sido possível ouvir a versão de Isabel Vieira, esposa do falecido Presidente, na qualidade de testemunha ocular do assassínio do marido.

Ângelo Semedo | Deutsche Welle

Foto: Tagmé Na Waié (esq.) e "Nino" Vieira foram assassinados em 2009

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