Manuel Carvalho da Silva* |
Jornal de Notícias | opinião
O ano de 2018 pode ser bom para
Portugal e para os portugueses. Contudo, tal objetivo só será alcançado se
existir objetividade na análise ao percurso feito e aos riscos e possibilidades
que se nos apresentam a nível nacional, europeu e internacional.
Tem sido dito que 2017 foi
"um ano bipolar", evidenciando-se o crescimento económico e o
"ano trágico" dos catastróficos incêndios. É uma caracterização
simplificada que serve a Direita e pretende condicionar a ação do Governo e da
sua maioria parlamentar. Num ano de êxitos em vários campos mas também de
acontecimentos negativos, por vezes mal explicados, os conteúdos daquela
pretensa bipolaridade devem ser bem "descascados".
Em 2017 o país teve crescimento
económico, foi possível criar emprego, reduzir o desemprego e melhorar os
rendimentos de muitas centenas de milhares de trabalhadores e reformados. A
obtenção destes resultados está associada a fatores de conjuntura interna e
externa, ao empenho de trabalhadores, empresários e outros atores da sociedade
portuguesa e confirma, como muito positiva, a solução política que suporta o
atual Governo e o fundamental das suas políticas. Como o primeiro-ministro
assumiu, há agora que dar prioridade ao emprego, apostar na sua qualidade, na
qualificação dos portugueses e no combate à precariedade. Mas também é preciso
assumir sem rodeios a melhoria dos salários e a revitalização da negociação
coletiva, objetivos de que a Direita - e até o presidente da República - fogem
a sete pés.
Quanto aos trágicos incêndios,
eles aconteceram neste ano, logo este Governo teve e tem de assumir
responsabilidades. Houve dimensões dramáticas e muito dolorosas que podiam ter
sido evitadas ou minoradas, se alguns serviços do Estado tivessem funcionado
como deve ser. Mas as dimensões todas das suas causas vêm de muito longe,
envolvem responsabilidades de entidades públicas e privadas que se acumularam.
As respostas serão também demoradas. Por agora registam-se algumas reações
positivas, mas a mobilização e responsabilização social e política terão de
manter-se durante legislaturas, na base de propostas coerentes e não de
sugestões casuísticas de mero oportunismo político, como até agora a Direita
tem feito.
Na União Europeia (UE), a chegada
de Macron à presidência francesa, a constituição de um novo Governo na Alemanha
liderado por Merkel, o reforço de forças ultraconservadoras ou fascistas em
vários países e a emergência de nacionalismos xenófobos, alimentada pela
ausência de respostas aos problemas que os povos enfrentam, o ano de 2018
anuncia-se como um período de potenciais mudanças. Várias das propostas já
foram "cozinhadas" há muito e estão prontas a "servir" pelo
eixo franco-alemão: transferência de poderes em novas áreas, nomeadamente, no
plano económico/financeiro; novos mecanismos de sanção aos Estados (aos mais
frágeis); reforço de instituições (formais e informais) como o recém-criado
Mecanismo Europeu de Estabilidade que terá pouco ou nenhum escrutínio
democrático; diminuição das condições para os países definirem políticas
sociais e do trabalho adequadas a estratégias próprias de desenvolvimento são
propostas de cunho neoliberal em cima da mesa. Entretanto, pode ser possível
que políticas alternativas progressistas ganhem influência e tragam para a
agenda problemas concretos dos cidadãos.
O Brexit em vários dos seus
aspetos, o fenómeno Trump, o potencial aparecimento de outros Trump no Brasil
ou noutros países evidenciam práticas repugnantes e são efetivas ameaças à
democracia e à paz, mas não podem ser desculpa para se continuar a impor uma
atitude acrítica aos povos e países europeus perante o errático e perigoso rumo
da UE.
Não nos deslumbremos com
conquistas individuais ou pontuais na esfera europeia. Urge um debate amplo
sobre o futuro da UE e da nossa ação neste espaço, integrando-o na busca de
condições para que o crescimento económico sirva a diversificação e a melhoria
de perfil da economia para termos mais e melhor emprego, melhor saúde,
educação, justiça, proteção social e igualdade. Precisamos de políticas
articuladas e coerentes, trabalhadas passo a passo, mesmo que sem o aplauso das
opiniões dominantes nos média.
*Investigador e professor
universitário
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