Maior rede social do mundo quer
penetrar no universo infantil, a partir dos 6 anos. Por que isso implica riscos
comportamentais, políticos e neuronais
Roberto Gonzalez, no CounterPunch |
Outras Palavras | Tradução: Camila Teicher, do nosso Círculo de
Tradutores Voluntários
Nos últimos meses, as empresas de
redes sociais têm passado por escrutínios cada vez mais rigorosos por parte dos
críticos de mídia, grupos de vigilância e comitês do Congresso dos Estados
Unidos.
A maioria das críticas gira em
torno de como Facebook e Twitter facilitaram a propagação de mensagens
sediciosas criadas por agentes russos durante as eleições presidenciais dos EUA
em 2016, com o intuito ostensivo de polarizar os eleitores americanos. Anúncios
de autoatendimento, “bolhas de filtro” e outros aspectos das redes sociais
tornaram a manipulação das massas fácil e eficiente.
No entanto, algumas pessoas estão
manifestando preocupações mais profundas quanto aos efeitos sociais,
psicológicos, cognitivos e emocionais dessas plataformas, particularmente quando
impactam as crianças.
O Facebook, por exemplo, sofreu
um ataque de um grupo improvável de críticos: alguns de seus próprios
ex-diretores. Seus comentários coincidem com o lançamento do “Messenger Kids”,
o mais recente produto da empresa. Segundo comunicados, seu público-alvo são
crianças de 6 a 12 anos (o Facebook não permite que menores de 13 anos criem
contas, assim como a maioria dos aplicativos de redes sociais).
Embora o CEO do Facebook, Mark
Zuckerberg, tenha se comprometido recentemente a “consertar” a plataforma em
2018, o “Messenger Kids” revela uma agenda diferente: ir pra cima de uma nova
geração de usuários, habituá-los à vida virtual, aumentar a participação no
mercado e desenvolver fidelidade às marcas em um ambiente mercadológico
altamente competitivo. O primeiro presidente do Facebook, Sean Parker,
reconheceu no fim do ano passado que seus criadores o projetaram
intencionalmente para consumir o máximo possível de tempo e atenção de seus
usuários. Segundo Parker, os “likes” e as postagens servem como “um círculo
vicioso de validação”, explorando a necessidade psicológica de aceitação
social. “Só Deus sabe o que isso está fazendo com os cérebros das nossas
crianças”, disse (em citação de Allen, 2017).
Por que os arquitetos do
Facebook, Google Plus, Twitter e demais redes sociais recorreriam a essas
técnicas? O modelo de negócios do Facebook se baseia na receita gerada pelos
anúncios. Um dos primeiros investidores do Facebook, Roger McNamee (2018),
escreveu recentemente:
Os smartphones mudaram
completamente a dinâmica da publicidade. Em poucos anos, bilhões de pessoas
passaram a contar com um sistema de geração de conteúdo para os mais variados
fins, facilmente acessível 16 ou mais horas por dia. Isso transformou a mídia
em uma batalha para captar a atenção do usuário o máximo possível… Por que
pagar a um jornal com a esperança de chamar a atenção de uma determinada
parcela de seu público-leitor se você pode pagar ao Facebook para alcançar
exatamente o perfil de pessoas que deseja?
Sean Parker e Roger Mcnamee não
são os únicos. O investidor e ex-vice-presidente do Facebook, Chamath
Palihapitiya, admitiu, no mês passado, que se arrepende de ter ajudado a
empresa a expandir seu alcance global (o Facebook tem mais de dois bilhões de
usuários em todo o mundo e continua crescendo).
Criamos ferramentas que estão
esfarrapando o tecido social, do funcionamento da sociedade… você está sendo
programado”, disse Palihapitiya ao público na Stanford Graduate School of
Business. “Nada de discurso cidadão, de cooperação; é desinformação, inverdade.
E não é um problema dos Estados Unidos somente – não são as propagandas russas.
É um problema global… Atores prejudiciais agora podem manipular grupos inteiros
de pessoas para que façam qualquer coisa que você quiser. É realmente uma
situação muito, muito ruim – (Palihapitiya, 2017).
Outro ex-diretor do Facebook,
Antonio García-Martínez, veio a público no meio do ano passado com suas
críticas às técnicas da empresa:
Se usar de forma muito
inteligente, com diversas iterações de aprendizagem automática e tentativa e erro
sistemáticas, um marqueteiro sagaz pode encontrar a combinação exata de idade,
posição geográfica, hora do dia e preferências musicais e de cinema que
determinam o vencedor demográfico de um público. A “taxa de cliques”- para usar
o jargão do marketing – não mente… O Facebook tem e oferece segmentação
“psicométrica”, cuja meta é definir a parcela do público que é particularmente
suscetível à mensagem de um anunciante específico… Às vezes os dados se
comportam de maneira antiética… A plataforma nunca tentará limitar esse uso de
seus dados, a não ser que os protestos dos usuários atinjam um nível de
intensidade impossível de ser silenciado. (García-Martínez, 2017).
Essas declarações são alarmantes,
porém não são novidade.
Há anos os cientistas sociais
alertam sobre como a tecnologia pode desencadear vícios comportamentais. A
antropóloga do MIT Natasha Schüll, que conduziu uma pesquisa nos cassinos de
Las Vegas por um período de mais de 20 anos, observou que os caça-níqueis puxam
alguns apostadores para uma “zona automática” desorientadora (a pesquisa de
Schüll se baseia no trabalho pioneiro da antropóloga Laura Nader, da UC
Berkeley, que desenvolveu o conceito “processos de controle” – como indivíduos
e grupos são persuadidos a participarem de sua própria dominação). Após
entrevistar fabricantes de caça-níqueis, arquitetos de cassinos e apostadores
inveterados, entre outros, Schüll conclui, em seu livro Addiction by
Design, que a atração magnética dos caça-níqueis se deve, em parte, a suas
características profundamente interativas. Especialistas da indústria dos jogos
de azar falam abertamente de maximizar o “tempo no dispositivo”. Conforme dito
por um consultor a Schüll, “o segredo é a duração do jogo. Quero te manter lá o
tempo que for humanamente possível – esse é o truque, é isso que te faz perder”
(Schüll, 2012: 58; ver também Nader, 1997).
O professor de negócios da New
York University, Adam Alter, autor de Irresistible: The Rise of Addictive
Technology and the Business of Getting Us Hooked (2017), argumenta que o
botão “gostei” (like) do Facebook tem um efeito comparável. Cada postagem, foto
ou atualização do status é uma aposta que pode resultar em perda total (nenhum
“gostei”) ou no grande prêmio (viralizar). Os “retweets” do Twitter, os
corações do Instagram e as visualizações do YouTube funcionam da mesma maneira
(vale mencionar que o YouTube, da Google, e a Amazon também estão fazendo
esforços agressivos para açambarcar o mercado juvenil).
No mês passado, apenas três
semanas antes do Natal, o Facebook divulgou um comunicado anunciando a chegada
do “Messenger Kids”. De acordo com a empresa, o aplicativo foi desenvolvido com
a consultoria de pais de família e “especialistas em cuidados parentais” para
que fosse seguro para crianças. A plataforma também prometeu limitar a coleta
de dados das crianças e não usar o aplicativo para anúncios.
Tais promessas não são sinceras.
É óbvio que o “Messenger Kids” é parte de uma estratégia de longo prazo,
pensada para viciar as crianças em hábitos de networking social (“likes”,
mensagens de texto, bolhas de filtro) o mais cedo possível. Em outras palavras,
a ideia é aumentar os níveis de dopamina das crianças nos anos formativos – de
modo que picos frequentes desse neurotransmissor se tornem uma parte normal de
suas vidas. Uma vez que isso aconteça, será ainda mais fácil para as futuras
empresas de redes sociais (que são fundamentalmente agências de publicidade)
alimentarem o vício comportamental de bilhões com propaganda personalizada.
Em 2016, a Academia Americana de
Pediatria publicou recomendações definindo limites no tempo de utilização de
equipamentos eletrônicos por crianças, observando que “os problemas começam
quando o uso dessas mídias substitui a atividade física, a exploração prática e
a interação social face-a-face no mundo real, elementos cruciais para a
aprendizagem” (AAP, 2016).
O “Messenger Kids” pode mergulhar
ainda mais as crianças no mundo virtual. Talvez o Admirável mundo novo de
Aldous Huxley tenha chegado – pois, como o presciente crítico de mídia Neil
Postman escreveu, na visão de Huxley, não é
necessário nenhum Big Brother para privar as pessoas de sua
autonomia, maturidade e história. Conforme ele percebeu, as pessoas chegarão a
amar sua opressão, a adorar as tecnologias que anulam sua capacidade de pensar…
Como ressaltou no Regresso ao admirável mundo novo, os libertários civis e
os racionalistas que estão sempre alertas para se opor à tirania “não foram
capazes de levar em conta o apetite quase infinito do homem pelas distrações”
(Postman, 1985: vii).
No mês passado, Chamath
Palihapitiya disse à CNBC que seus filhos de 5 e 9 anos estão proibidos de usar
equipamentos eletrônicos, mesmo que peçam constantemente. Bill Gates, Jonathan
Ive (designer do iPad), o falecido Steve Jobs e muitas outras figuras bem
conhecidas da indústria da tecnologia também impuseram limites estritos ao uso
dessas mídias por seus filhos. Eles entendem claramente os efeitos colaterais
cognitivos, psicológicos e emocionais dos aparelhos que ajudaram a criar. Se
esses célebres personagens tomaram medidas drásticas para proteger seus filhos
do lado negro da vida virtual, talvez mais de nós devêssemos seguir seu
exemplo.
Para além do imediatismo dos
nossos hábitos e práticas individuais e familiares, assoma-se um problema
social maior: a possibilidade de um futuro em que as instituições autoritárias
tenham a enorme capacidade de moldar as ideias, atitudes e comportamentos de
públicos aprisionados por suas próprias compulsões.
Referências
AAP (2016). “American
Academy of Pediatrics Announces New Recommendations for Children’s Media Use.”
21 de outubro.
Allen, Mike (2017). “Sean
Parker Unloads on Facebook.” Axios.com, 9 de novembro.
Alter, Adam (2017). Irresistible:
The Rise of Addictive Technology and the Business of Getting Us Hooked. Nova
York: Penguin Books.
García-Martínez, Antonio (2017).
“I’m
an Ex-Facebook Exec: Don’t Believe What They Tell You Maabout Ads.” The
Guardian, 2 de maio.
McNamee, Roger (2018). “How
to Fix Facebook–Before It Fixes Us.” Washington Monthly, janeiro.
Nader, Laura (1997). “Controlling
Processes: Tracing the Dynamic Components of Power.” Current Anthropology 38(5):
711-738.
Palihapitiya, Chamath (2017). “Money as an Instrument of
Change.” Palestra apresentada na Stanford Graduate School of Business, 13
de novembro.
Postman, Neil (1985). Amusing
Ourselves to Death: Public Discourse in the Age of Show Business. Nova York:
Penguin Books.
Schüll, Natasha (2012). Addiction
by Design: Machine Gambling in Las Vegas. Princeton, NJ: Princeton University
Press.
*Roberto Gonzalez - Professor de
antropologia na San José State University. É autor de diversos livros, entre
eles Zapotec Science, American Counterinsurgency e Miltarizing Culture. Para
entrar em contato, roberto.gonzalez@sjsu.edu.
1 comentário:
A realidade dita virtual aproxima-se cada vez mais da dita realidade Material com a vantagem de colocar a informação mundial na frente de nossos olhos sem que tenhamos de nos deslocar!! Há muita gente preocupada não por estarmos a ser manipulados mas por terem perdido o monopólio que antes tinham para o fazer, seus interesses estão agora ameaçados pelas Redes Sociais!! A vontade deles é avançar com a censura!!
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