A população dos Açores está
registrando um dramático aumento nos casos de câncer entre os residentes nas
proximidades da Base Aérea das Lajes. Além dos elevados níveis de radiação,
agora também está se revelando um altíssimo nível de contaminação do solo, que
afeta, além da saúde, os agricultores locais.
Quando o pesquisador e
ex-funcionário da base, Orlando Lima, vai se aproximando das imediações da Base
Aérea das Lajes, os índices de radiação sobem cada vez mais.
"Estamos em 22 mil
[partículas alfa]. Vamos fugir daqui, pois já estivemos por tempo demais",
diz o especialista português, entrevistado pela agência Ruptly,
que produziu uma reportagem sobre o drama dos moradores da ilha.
A Base Aérea das Lajes
localiza-se na vila das Lajes, no concelho da Praia da Vitória, na parte
nordeste da ilha Terceira, nos Açores. A base é utilizada pela Força Aérea dos
Estados Unidos desde 1945, que permanece nas instalações até hoje, no âmbito da
cooperação da OTAN entre Lisboa e Washington.
"Isso é resultado de
contaminação nuclear", afirmou Lima.
A sua posição é endossada por
Félix Rodrigues, professor de física da Universidade de Açores.
"É um inferno que se repete
em várias ilhas ocupadas pelos norte-americanos. É um tipo de política de terra
queimada. Os problemas vão se acumulando e os governos locais não fazem frente,
a população não tem capacidade de fazer frente. Talvez seja o resultado de
muita iliteracia científica, de desconhecimento de muitas relações
causa-efeito", disse o especialista.
Segundo ele, foram verificados
diversos locais com um nível de contaminação muito elevado de metais pesados,
como chumbo, cobre, zinco e molibdênio. Esses metais, em alta concentração,
acabam entrando na cadeia alimentar e provocam esterilidade, diversos tipos de
câncer e outros problemas de saúde, alertou o físico.
Um dos argumentos apontados pelos
residentes de que a base aérea seria a causa dos problemas de saúde das
famílias locais é apresentado por Norberto Messias, cientista da Escola
Superior de Saúde e da Universidade de Açores, entrevistado pela agência.
Segundo ele, as estatísticas oficias apontam que 33% dos casos de câncer
do olho nos Açores, por exemplo, são registrados em moradores do concelho da
Praia da Vitória, que concentra somente 8% da população do arquipélago.
De fato, os habitantes relatam
casos de famílias inteiras, que moraram nas proximidades da base, com
incidência de diferentes tipos de câncer.
Esse é o caso de Madail Ávila, de
34 anos, que morou durante anos praticamente ao lado da entrada da base
norte-americana.
Os meus dois pais faleceram de
cancro [câncer] … A minha mãe com cancro de mama e o meu pai com outro
tipo de cancro. Eu, aos 33 anos, também fui diagnosticada com câncer de
mama", explicou a moça que destacou ser muito raro que uma família toda da
mesma área geográfica tenha problemas de saúde desta natureza.
Marcos Fagundes, outro morador da
Praia da Vitória, não tem dúvidas de que a causa do problema seja a base dos
EUA. "Existem ruas inteiras, nas quais as pessoas de um lado da rua
foram diagnosticadas com câncer e do outro lado não. Isso não é normal",
alega ele.
Além dos abundantes casos de
câncer, os agricultores locais também apresentam queixas. Segundo estes, regiões
inteiras em torno da base simplesmente pararam de produzir, se tornaram
completamente inférteis.
Uma das explicações disso,
segundo continuou o físico Félix Rodrigues, seria o despejo de combustíveis
pelos militares.
"Em 10 anos, 88 mil litros
de combustível foram derramados, e isso são dados oficialmente assinalados. E
ainda tem aqueles [litros] que não foram assinalados", explica o
especialista. Ele alega que o principal problema para combater esse fator
reside na falta de legislação no país para tratar da contaminação do solo.
Segundo o entrevistado, o nível de contaminação ao redor da base seria 50 vezes
maior, do que o permitido em países como Canadá.
As autoridades do território
autônomo pretendem investigar a questão e um estudo está sendo feito, com
levantamento de casos para apurar com precisão as causas dos problemas. No
entanto, praticamente ninguém na ilha tem dúvidas de que a base aérea é a maior
responsável.
Inúmeros casos judicias nos
Estados Unidos, nos quais os soldados processam o governo e o exército por
danos à saúde são uma forte evidência disso. Além dos histórico dos problemas
das bases militares norte-americanas com os governos locais ao redor do mundo.
Por outro lado, a parceria no
âmbito da OTAN entre o Portugal e os EUA pode falar alto e, considerando
as desproporções políticas dos envolvidos, as consequências do estudo
não são evidentes.
De todo modo, o problema está em
evidência agora e a população dos Açores está disposta a lutar pelo futuro.
"Precisamos pensar nas
gerações futuras", conclui Madail Ávila.
Fotos: 1 - A base aérea dos EUA nos Açores; 2 - Uma rocha contaminada recolhida
na respectiva área.
Sem comentários:
Enviar um comentário