quarta-feira, 25 de dezembro de 2024

Os europeus gostam de energia cara ou estão sendo censurados?

Bruna Frascolla* | Strategic Culture Foundation | # Traduzido em português do Brasil

O Estado permite que causas e opiniões populares cheguem ao seu público sem precisar da aprovação de grandes empresas.

Embora os franceses amem pintar os EUA como um país rudimentar em comparação com as nações europeias (especialmente a França), a própria França serviu como uma representação da decadência cultural europeia nas Olimpíadas. A Última Ceia com um smurf obeso e travestis falou por si.

Não precisamos acreditar, no entanto, que os franceses são geralmente woke. Esse show de horrores pode ser facilmente explicado pela captura de instituições políticas na França, assim como na Europa Ocidental em geral. A substituição da Union Jack pela novíssima bandeira LGBT nas ruas de Londres não implica que todo inglês seja um fã transexual, mas sim que as instituições da Inglaterra são ocupadas por fãs transexuais. Então, se quisermos entender como os europeus pensam, temos que considerar que a expressão pública não é uma representação fiel de seus pensamentos privados. Não é que não existam franceses e alemães woke; é só que, como eles têm maior acesso ao espaço público, eles parecerão mais representativos do que realmente são.

O problema também é visível de outra forma. Se olharmos para a mídia e até mesmo para as universidades europeias, parece que todos os europeus acham ótimo ter energia cara por causa da Ucrânia, e que todos eles se tornaram campeões da luta contra o antissemitismo. Agora, acho mais fácil acreditar que todos os europeus são fãs de travestis do que acreditar em uma paixão por contas de energia altas. É muito mais razoável acreditar que o pensamento crítico na Europa foi silenciado, e que isso está acontecendo por meio da captura de instituições por minorias pró-OTAN.

Claro que o leitor experiente desconfiará da expressão “pensamento crítico”, tão usada por sectários para descrever “aqueles que pensam como eu”. Se abandonarmos esse termo, no entanto, teremos que dizer que todo pensamento é de igual qualidade, já que não há críticos ou acríticos. Bem, há mil maneiras de defender a Ucrânia; dizer que Putin é Hitler e precisa ser parado não é a maneira mais cerebral de fazê-lo. Na verdade, dados os custos impostos à Europa, seria preciso um gênio da sofística para criar um argumento capaz de convencer europeus inteligentes a apoiar a OTAN. Então, tudo o que resta é o clamor de que Putin é o mal encarnado e precisa ser parado. Algo em que apenas pessoas muito acríticas podem acreditar, depois de passar o dia hipnotizadas pela propaganda ocidental mais maniqueísta e estúpida. Não vou dizer que todos que acreditam nessa propaganda são acríticos o tempo todo; às vezes as pessoas têm sentimentos prévios (amor pelo liberalismo, ódio aos russos, etc.) que as tornam acríticas quando confrontadas com propaganda relacionada ao assunto.

Uma descrição interessante da sufocação do pensamento crítico na Europa é dada no artigo “ McCarthyism,European Style: The elite crackdown on Ukraine dissent ”, publicado pela Responsible Statecraft . Nele, vemos que há acadêmicos europeus que criticam o apoio à Ucrânia, mas são rotulados como propagandistas russos indignos – uma acusação que os leva ao ostracismo. De acordo com o artigo, embora os EUA sejam o epicentro da causa ucraniana, há liberdade para pessoas como Jeffrey Sachs e John Mearshimer acumularem grandes audiências criticando políticas pró-Ucrânia; por outro lado, na Europa, a cultura do cancelamento consegue sufocar vozes dissidentes.

Não acredito, no entanto, que isso se deva a uma maior liberdade nos EUA, mas sim às consequências de ser o país mais populoso e mais importante do mundo ocidental, falando uma língua entendida em todo o globo e cheio de inovação tecnológica. Em sua entrevista com Tucker Carlson, Jeffrey Sachs reclamou de ter sido cancelado pela mídia. O próprio Tucker é outra pessoa que foi cancelada pela mídia tradicional. Eles encontraram abrigo em novos veículos de mídia.

Posso pensar em um país com mais liberdade do que os EUA para defender a Rússia e a Palestina: o Brasil. A liberdade que os estudantes universitários têm para defender a Palestina nas melhores universidades é absolutamente invejável, tanto para os americanos quanto para os europeus. Aqui, é considerado falta de educação alguém de esquerda defender Israel. Quanto à Rússia, apenas os direitistas brasileiros correm o risco de serem cancelados por defendê-la. Ainda é natural que a esquerda brasileira apoie a antiga terra dos bolcheviques contra o Império e seus satélites.

Mas não é tão fácil fazer isso na imprensa brasileira. A diferença é fácil de explicar: enquanto as universidades brasileiras são estatais, a imprensa é dos grandes empresários. O que é privado visa enriquecer seu dono. O que é estatal visa, ou deveria visar, servir ao bem comum dos cidadãos. Assim, professores e alunos brasileiros podem se dar ao luxo de defender a Palestina – ninguém perde dinheiro fazendo isso. Um jornalista, no entanto, terá que satisfazer seu chefe, que não gostará de ver seu patrocínio diminuir. Ainda assim, em um país do tamanho do Brasil, é possível que veículos de mídia de esquerda usem a internet para defender a causa palestina, assim como o lado russo na guerra com a Ucrânia.

Agora vamos olhar para os EUA Um velho jornalista de esquerda cristã, Chris Hedges, perdeu o emprego por defender a Palestina, e teve que criar um canal no YouTube para continuar seu programa. Não pude deixar de lembrar que ele, assim como a jornalista Abby Martin, também de esquerda e pró-Palestina, trabalhava para o canal RT America, ou seja, a filial americana da rede de TV russa financiada pelo governo. Assim como nas universidades públicas brasileiras, o fato de esse canal de TV russo visar o bem comum dos cidadãos tornou possível defender pautas que repelem patrocinadores privados. Com a guerra na Ucrânia, a RT foi fechada nos EUA e na Europa Ocidental, e o acesso ao site ficou até dificultado. A Europa é de fato mais dura que os EUA e o Brasil em restringir a Internet.

Os europeus enfrentam, portanto, uma série de dificuldades: 1) ostracismo nas universidades; 2) ostracismo na mídia corporativa ocidental; 3) opressão estatal, que impede o acesso às fontes russas; 4) dificuldades inerentes ao tamanho de sua população (é mais difícil manter um meio de comunicação alternativo em francês ou italiano do que em inglês, por exemplo, e os canais de língua inglesa na Inglaterra geralmente têm audiências menores do que os americanos); 5) dificuldades inerentes ao envelhecimento de sua população (jornalistas mais velhos que escrevem blogs dificilmente terão a mesma capacidade de encontrar leitores que jornalistas jovens que sabem usar as redes sociais).

Por fim, podemos concluir que o Estado, mesmo estrangeiro, tem um papel saudável na promoção da liberdade de expressão, pois permite que causas e opiniões populares cheguem ao seu público sem precisar da aprovação das grandes empresas.

* Bruna Frascolla é historiadora da filosofia, doutora pela UFBA, e ensaísta.

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