quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

ANGOLA | Operação Fizz: "Não há anjinhos metidos neste rol"


Prossegue em Lisboa o julgamento de três arguidos portugueses neste caso. O ex-procurador Orlando Figueira, um dos arguidos, nega ter sido subornado por Manuel Vicente e diz não conhecer o ex-vice-Presidente de Angola.

Eles são acusados dos crimes de corrupção, branqueamento de capitais, violação do segredo de Justiça e falsificação de documentos. Depois de Orlando Figueira, que terá sido corrompido para arquivar investigações ligadas ao antigo presidente da Sonangol e ex-vice-Presidente angolano, o Tribunal começou a ouvir Paulo Blanco, advogado que prestava serviços a Angola e a Manuel Vicente.

O Tribunal da Comarca de Lisboa levou cerca de cinco dias para ouvir as extensas alegações do ex-procurador Orlando Figueira. Este, de acordo com a acusação, terá recebido pagamentos no valor de 760 mil euros para a obtenção de decisões favoráveis em investigações que envolviam Manuel Vicente. Um dos inquéritos está relacionado com o caso Portmill, referente à aquisição de imóveis de luxo no Estoril, em Cascais, Portugal.

Durante as sessões, Figueira negou ter praticado atos de corrupção e insistiu que não conhece Manuel Vicente, aludindo que "tudo tem a ver com Carlos Silva", presidente do Banco português Atlântico Europa, frequentemente referido no processo.

Emaranhado de situações que altera a espinha dorsal do processo

Para Carlos Gonçalves, jornalista angolano que acompanha o julgamento no Campus da Justiça, em Lisboa, "o que fica claro é que não há anjinhos metidos neste rol. O Orlando Figueira coloca essa relação em Carlos José Silva, ilibando de qualquer relacionamento com o ex-vice-Presidente Manuel Vicente".

E o jornalista cita casos suspeitos: "O tribunal questiona e bem um conjunto de coincidências que apontam para Orlando Figueira, nomeadamente o facto de ter arquivado um processo de Manuel Vicente e no dia a seguir ter recebido um empréstimo de um banco onde Carlos Silva provavelmente tem uma relação com Manuel Vicente. E depois surge o próprio Carlos Silva a dizer que não fez uma proposta efetiva de trabalho ao procurador Orlando Figueira".

Gonçalves diz, a propósito, que há um emaranhado de situações que altera a espinha dorsal do processo, do qual fica separado o arguido Manuel Vicente. O que Orlando Figueira contou em tribunal, acrescenta, levanta um conjunto de questões que, provavelmente, vão dar origem a um novo processo.

Gelo nas relações entre Angola e Portugal

A acusação ao ex-vice-Presidente angolano, no âmbito da Operação Fizz, azedou as relações luso-angolanas, estando congeladas as visitas de alto nível. Em reação a este diferendo, o chefe de Estado português, Marcelo Rebelo de Sousa, destaca os esforços de ambas as partes, quando se sabe que estão em curso tentativas de desanuviar a crise diplomática.

Em declarações aos jornalistas, Marcelo Rebelo de Sousa disse que "o que os portugueses e os angolanos querem saber é se sim ou não as relações dos povos, as relações económica-sociais, o que toca na vida das pessoas melhora, continua como tem sido ou piora? E a resposta está dada". Na semana passada, o Presidente angolano, João Lourenço, e o primeiro-ministro português, António Costa, encontraram-se em Davos, na Suíça.

Mário Pinto de Andrade, deputado do MPLA, partido no poder em Angola, não vê nuvens nas relações entre Portugal e Angola, tanto é que, como refere, "todas as semanas os voos da TAAG e da TAP entre Lisboa e Luanda estão sempre cheios". "Tenho dito muitas vezes que Angola e Portugal são dois irmãos que, às vezes, se zangam, mas depois a paz tem de ser feita em nome da família", exemplifica. 

E o professor de Relações Internacionais reforça: "Isso obriga, quer queiramos quer não, que o Estado angolano quer o Estado de Portugal vão ter que ultrapassar alguns desentendimentos que possa haver através dos canais diplomáticos para que esta relação possa continuar a fortalecer."

O deputado considera que as clivagens serão ultrapassadas: "E acredito que não é um caso isolado que põe em causa as relações entre dois Estados. Acredito que há uma nítida separação de poderes em Portugal. Também em Angola há uma nítida separação de poderes e o sistema judicial português encontrará a melhor posição de se resolver este assunto sem haver interferência dos Estados."

Mal estar não é de agora

O jornalista luso-angolano Celso Filipe lembra que as relações entre Portugal e Angola já eram distantes muito antes deste processo judicial. O posicionamento de Luanda em relação ao caso Manuel Vicente tornou mais claro o mal-estar no plano diplomático entre os dois países, previsivelmente com eventuais efeitos negativos, nomeadamente para as exportações portuguesas se Angola avançar com sanções económicas.

Na opinião do autor do livro "O Poder Angolano em Portugal", o risco persiste, apesar das recentes declarações dos governantes portugueses e angolanos em Davos.

"De facto, entre empresas parece tudo normal, as deslocações de cidadãos portugueses para Angola e de angolanos para Portugal também me parece normal. Agora, uma relação como aquela que é mantida entre Portugal e Angola precisa também desse canal diplomático. Se essas relações de Estado bilaterais estão frias tudo o resto se vai, mais cedo ou mais tarde, ressentir disso", prevê Celso Filipe.

Para o jornalista, nenhuma das partes tem a ganhar com o rompimento das relações bilaterais, uma vez que "tanto Angola como Portugal não o fará de forma total e definitiva". Até "porque isso é impossível", acrescenta.

O analista sustenta que se os dois países querem projetar relações com futuro, as bases dessa construção têm que ser renovadas: "É isso que tem faltado nas relação entre os dois países. E esta é a altura para o fazer."

João Carlos (Lisboa) | Deutsche Welle

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