quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

FRACASSOS DA HUMANIDADE – LUCIDEZ EM ANGOLA


Martinho Júnior | Luanda

“Criar um futuro partilhado num mundo fracturado” – lema do Fórum Económico Mundial de 2018 em Davos.

“Apesar do avanço tecnológico e da expansão das redes de informação e comunicação, a sensação que temos é a de que os nossos países colaboram cada vez menos uns com os outros na construção dum mundo melhor” – Presidente João Lourenço, extracto do seu discurso em Davos.

“Falta-nos um desígnio colectivo, capaz de criar sinergias e de mobilizar as nossas melhores capacidades” – Idem.


1- No preciso momento em que se realiza em Davos mais um Fórum Económico Mundial a OXFAM, ONG que tem sido vocacionada para combater a pobreza, publicou mais um relatório onde expõe que “1% dos mais ricos detêm 82% da riqueza mundial” e concluindo que “o boom de bilionários não é sinal de uma economia próspera, mas um sintoma do fracasso do sistema económico”!...

É evidente que a economia é por si um indicador que reflecte apenas os fracassos do homem na sua conduta genérica em relação à sua “casa comum”, o planeta Terra e em relação a si próprio: num momento em que a humanidade ultrapassa os sete mil milhões de seres, o capitalismo demonstra estar incapaz de encontrar soluções e com isso prova que é um factor de contínua barbárie e não de civilização!

O estado do mundo não se compadece com qualquer tipo de manobra cosmética e nesse sentido, afigura-se que África está a chegar tarde ao “manjar dos deuses” e, se apanhar algumas migalhas do banquete, tem em Angola um exemplo de mérito na sua utilização, providenciando paz e respondendo aos mais legítimos anseios de desenvolvimento sustentável do seu povo e dos povos do continente!

Todas as cosméticas contemporâneas e seu caudal de alienações, diversionismos e mentiras, com que os poderosos nutrem seus próprios “media”, se inscrevem nesse factor raiz dos fracassos e estão indelevelmente inculcadas nele, pelo que África tem e terá dificuldades acrescidas para fazer passar suas mensagens em busca dum maior equilíbrio e igualdade nos relacionamentos entre os estados, as nações e os povos de todo o mundo!

Nesse sentido o “timing” da visita do Presidente João Lourenço a Davos, foi bem calculado: no momento em que o Presidente Trump chegou à estância turística, já ele tinha regressado a Angola!...

As “honras” de África foram deixadas para um mais-que-suspeito Paul Kagame, presidente do Ruanda e o homem que passou a estar à frente da tão filtrada quão impotente União Africana!


2- Os fenómenos do aquecimento global são outro sinal que a OXFAM pela natureza dos seus objectivos não aborda, mas os dois“fenómenos”, aquecimento global e pobreza, são inerentes aos fracassos da humanidade que tiveram início na alucinada avidez do lucro, estimulado antes pelo âmbito expansivo da revolução industrial a que se veio juntar mais recentemente a nova revolução tecnológica em curso.

Esse movimento capitalista tem sido de tal modo poderoso que levou ao colapso do socialismo, que hoje se reduz ao exemplo da ilha heroica de Cuba, quando ainda mais dele se poderia esperar para salvar humanidade e planeta do abismo pré-anunciado pelo Comandante Fidel, na Iª Conferência Mundial sobre o clima e o ambiente ocorrida no Rio de Janeiro, a 12 de Junho de 1992:

“Una importante especie biológica está en riesgo de desaparecer por la rápida y progresiva liquidación de sus condiciones naturales de vida: el hombre”…

África é dos continentes que melhor expõem, pela natureza do seu próprio estado crítico e ultraperiférico, a estreita conexão entre aquecimento global, a pobreza e as subculturas oprimidas, ou dependentes, que caracterizam os países fornecedores de matérias-primas e à mercê do domínio da hegemonia unipolar: é no Sahel que se verifica a expansão do grande deserto quente do Sahara em direcção a sul e onde a miséria alastra apesar das imensas riquezas monerais, provocando ondas de migração, quer a que é atraída à Europa, quer a que está em movimento para o centro e o sul do continente em busca de espaço vital que só a água interior e as terras férteis podem providenciar (Grandes Lagos, RDC e África Austral).

Essas correntes humanas de “deserdados da Terra”, são um húmus providencial para os fundamentalismos religiosos que tiram partido da radicalização da própria vida para inculcar seu fanatismo, injectando a alienação da conveniência dos poderosos, grande parte deles financiando sintomaticamente a partir das monarquias arábicas, com a cumplicidade de seus aliados de longa data nos Estados Unidos e na Europa, precisamente feudos onde os interesses dos 1% mais se evidenciam!...


3- Em Angola essa conjugação de cataclismos silenciosos e silenciados, repercute de forma contraditória num país que luta contra o subdesenvolvimento e procura sair da cauda dos Índices de Desenvolvimento Humano: ao mesmo tempo que avalanches de mão-de-obra barata, ilegal ou legal e proveniente sobretudo do Sahel, se vão instalando na miragem das minas de Salomão, (o escândalo geológico dos diamantes aluviais), o deserto do Namibe (concomitantemente também o de Kalahári) provoca tensões no espaço nacional, à medida que no sudoeste, no sul e no sudeste de sua periferia há a tendência ambiental para se reduzirem quer os caudais hidrográficos provenientes do fulcro que é a região central das grandes nascentes, quer as águas subterrâneas que também daí são provenientes, enquanto na atmosfera típica dessas latitudes e longitudes diminuem exponencialmente os índices pluviométricos e de humidade relativa.

A seca em Caimbambo e os problemas de água na província do Cunene, são sinais evidentes desses fenómenos físico-geográfico-ambientais que atingem bacias hidrográficas à superfície, como a do rio Cunene e do Cubango, assim como as subterrâneas, como a do Cuvelai cujas águas desembocam no Lago Etosha, no norte da Namíbia.

O Ministério do Ambiente que indicia estar por razões das estratégias financeiras sob influência do cartel de diamantes e do “lobby”dos minérios, tão facilmente atraído como o foi aos projectos do KAZA-TFCA, ao invés de ter um papel proactivo emitindo alertas e forjando dispositivos apropriados onde se torna inadiável agir, mantém-se apático, distante e silencioso, “mudo e quedo que nem um penedo”, quer em relação à região central das grandes nascentes, onde é imperioso o controlo das nascentes e cursos iniciais dos rios essenciais da rede hidrográfica angolana, quer em relação aos pontos de maior incidência da pressão expansiva do deserto quente do Namibe, conforme Caimbambo e a província do Cunene!

O estado angolano está quando muito apenas motivado à operação de último recurso de auxílio às comunidades que sofrem com esse tipo de conjunturas, que são das mais pobres do país, enquanto vai reagindo a contento apenas aos estímulos externos do âmbito das alienações, diversionismos e cosméticas em relação à própria gestão ambiental do espaço nacional, não acordando em relação às acções geoestratégicas para um desenvolvimento sustentável nos termos que urgentemente se impõem!

Em Caimbambo por exemplo, há notícias que referem que foram perdidos 80% da colheita de milho!...

4- O Presidente da República de Angola foi também a Davos, onde entre outras intervenções exporá as iniciativas da construção das barragens do médio Cuanza, fundamentais para a produção de energia que o país tanto carece para os seus planos de desenvolvimento sustentável, o que será responsável pelo desencadear dos impactos de natureza antropológica que elevarão os níveis de vida em vastas extensões do território nacional.

Criar essas infraestruturas energéticas no âmbito dum plano do Médio Cuanza intrinsecamente nacional, faz parte dos imensos resgates que devem mobilizar todo o povo angolano, na sequência dos esforços históricos do movimento de libertação e do rumo que ele tem vindo a apontar!

O Presidente João Lourenço dissertou sobre o tema “Acelerar o acesso à energia em África” num Fórum que, sendo uma emanação dos poderosos, necessariamente também da aristocracia financeira mundial inscrita nos 1%, indicia ser mais cosmético do que propenso às prementes soluções de fundo que a humanidade tanto carece.

Se é teimosamente justo encontrar recursos económicos e financeiros a fim de continuar a saga de construção das grandes barragens do médio Cuanza indispensáveis às estratégias de luta contra o subdesenvolvimento que Angola está em paz a encetar (sendo essa até uma das mais importantes iniciativas nesse âmbito), além de não se poderem deixar de equacionar as questões de fundo numa época em que as catastróficas crises capitalistas se vão acentuando e sucedendo umas às outras, é justo sacudir da inércia imediatamente o Ministério do Ambiente em relação quer ao que se deve fomentar sob o ponto de vista geoestratégico na e a partir da região central das grandes nascentes, quer em relação aos avanços da influência dos desertos quentes do Kalahari e do Namibe, no sudeste, no sul e no sudoeste angolano!...

A luta contra o subdesenvolvimento e contra a pobreza não se pode limitar à construção de barragens e a inserção do Ministério do Ambiente nessa luta obriga-o a uma imediata revisão.

Os impactos de natureza antropológica no povo angolano, resultantes da disseminação energética por todo o território angolano, merecem, no que diz respeito ao ambiente, que o estado nos seus organismos de vocação e responsabilidade abram espaço à cultura de inteligência nacional numa lógica com sentido de vida, em função da premente necessidade duma geoestratégia para um desenvolvimento sustentável…

Quanto mais silêncio e cosmética se aplicar em relação às questões de fundo que são desafios inadiáveis no âmbito da geoestratégia para um desenvolvimento sustentável que tenho vindo a propor, tanto pior para as heranças que deixaremos para as futuras gerações, tanto pior para uma inadiável mobilização da nossa própria juventude, carente de orientação e empenho, inclusive a nível das imensas investigações que há a realizar cientificando o conhecimento e providenciando uma cultura de inteligência nacional que se abrirá para a vida nos próximos séculos, numa altura em que alguns apontam o colapso da civilização humana e o fim da vida no planeta azul tal qual a conhecemos!...

“Corrigir o que está mal e melhorar o que está bem” é um imperativo para a própria identidade nacional!

Martinho Júnior - Luanda, 23 de Janeiro de 2018

Ilustrações:
- Pirâmide do ecossistema humano: dos produtores sobreviventes aos grandes predadores;
- A água interior, com seu sistema hidrográfico, face à expansão dos desertos no sul de Angola;
- Barragem de Capanda, no médio Cuanza, uma das novas barragens de Angola;
- Barragem de Calueque, indispensável à Namíbia, fica já no curso internacional do rio Cunene.

Algumas intervenções anteriores de Martinho Júnior:
GEOESTRATÉGIA PARA UM DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL – http://paginaglobal.blogspot.pt/2016/01/geoestrategia-para-um-desenvolvimento.html
O DESERTO DO NAMIBE TENDE A ACELERADAMENTE EXPANDIR – http://paginaglobal.blogspot.pt/2018/01/o-deserto-do-namibe-tende.html

Outras consultas:
DISCURSO PRONUNCIADO EN RÍO DE JANEIRO POR EL COMANDANTE EN JEFE EN LA CONFERENCIA DE NACIONES UNIDAS SOBRE MEDIO AMBIENTE Y DESARROLLO, EL 12 DE JUNIO DE 1992 – https://www.youtube.com/watch?v=JF67BSRjTYc

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