Manuel Carvalho da Silva* | Jornal
de Notícias | opinião
Realizou-se na passada
quarta-feira, em Mafra, o XII Encontro das COTEC Europa, subordinado ao tema
Work 4.0, ou seja, discutiu-se aí o futuro do trabalho à luz da nova vaga
tecnológica que tem como base uma utilização mais intensa do digital, da
robotização e, em particular, da inteligência artificial. Trata-se de um tema
de significativa atualidade, mas há hoje uma tendência para se discutir o
emprego futuro quase só debaixo do paradigma tecnológico e com o enfoque na
presumível destruição de emprego. Alguns formadores de opinião ampliam as
desgraças anunciadas porque os cenários que ganham audiências são os de
desastres e calamidades. É caso para perguntar, porque não se especula da mesma
forma sobre as extraordinárias possibilidades de criação de novo emprego, de
emprego mais qualificado, mais motivador, menos penoso e melhor retribuído? E
qual a razão pela qual não se discute, com impacto público, a resolução de
outros problemas que nos permitam ter mais e melhor emprego?
Fui orador convidado num dos painéis
deste Encontro. Na resposta à primeira questão que me foi colocada, tive
oportunidade de deixar três observações que aqui desenvolvo e partilho.
Primeira, em Portugal vimos
assistindo à exposição de duas narrativas acerca do emprego que, no senso comum,
surgirão como um paradoxo: enquanto se anuncia que os robots destruirão postos
de trabalho por todo o lado, temos responsáveis empresariais da metalomecânica,
do turismo, do calçado, da restauração e de outros serviços a dizerem - e julgo
que fundamentadamente - que faltam dezenas de milhares de trabalhadores para
projetos empresariais já no terreno ou em perspetiva. Isto torna evidente quão
urgente é o debate sobre políticas que estanquem a emigração dos jovens, sobre
formações e qualificações ajustadas ao nosso desenvolvimento, sobre o emprego
público indispensável à melhor prestação de direitos fundamentais, sobre a
diversificação da estrutura económica, sobre a melhoria dos salários e de um
consumo interno que ajude a elevar o nível de vida da maioria dos portugueses.
Segunda, em Portugal como na
Europa e um pouco por todo o Mundo está claramente esgotado um regime de
acumulação em que o esmagamento dos salários e o agravamento das desigualdades
se articulou com a expansão do crédito bancário para produzir uma ilusão de
estabilidade e crescimento. Passamos a uma fase de recessão e turbulência em
que os capitais procuram valorização na esfera financeira, através de uma
frenética aquisição de ativos mobiliários e imobiliários que incha bolhas
(especulativas), mas pouco acrescenta à provisão de bens e serviços. A riqueza
continua a acumular-se no topo da pirâmide, agravando desigualdades e impedindo
o investimento na produção de bens e serviços úteis. É preciso uma muito mais
justa distribuição da riqueza: para se eliminarem carências e excessos que
vivem lado a lado, numa tensão crescente passível de explodir a qualquer
momento; e para que possa surgir esse investimento criador de emprego útil,
motivador e qualificado, mesmo que também ampliador do número de robots.
Terceira, quando nos dizem que os
robots, o digital e a inteligência artificial estão aí para nos roubar o
emprego e nos transformar em recipientes passivos de subsídios, é preciso
lembrar que o problema não está nas tecnologias. As novas tecnologias destroem
e criam emprego; valorizam o emprego de uns e desvalorizam o de outros; e,
acima de tudo, modificam as profissões, alteram perfis profissionais, requerem
novas competências e qualificações. As tecnologias alteram o modo como
trabalhamos e como nos organizamos para trabalhar, exigem reformulação de
regulações do trabalho mas não as dispensam. Elas só são responsáveis pelas
nossas desgraças se forem usadas para nos oprimir. Num mundo um pouco melhor,
as tecnologias novas podem servir para nos libertar, nomeadamente, de trabalho
rotineiro, pesado, opressivo e de longos horários.
As tecnologias não têm de ser as
terminantes da nossa vida, mas antes determinadas pelo que queremos fazer da
vida. Coletivamente temos a obrigação de garantir conexão entre as dimensões
económica, social, cultural e política que enquadram e normalizam uma sociedade
desenvolvida e democrática.
* Investigador e professor
universitário
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