Pedro Marques Lopes | Diário de
Notícias | opinião
1 - O conflito de baixa
intensidade entre o governo, a parte do PS que gostava de que o PS fosse outra
coisa, o BE e o PCP sobre legislação do trabalho preencheu a semana política.
Ou seja, um assunto que mal se viu, esmagado pela extraordinária importância
dos humores de Bruno de Carvalho e as humorísticas disputas eclesiásticas sobre
as alcovas dos fiéis.
Na melhor das hipóteses, ficou
pela enésima vez patente a incapacidade dos partidos que apoiam a solução
governativa de se entenderem em questões-chave. Enquanto a devolução de
direitos e a restituição de regalias (ambas justas) foram o eixo central da
política governamental tudo estava bem, no momento em que é preciso governar,
reformar, intervir em questões estruturais, as diferenças inultrapassáveis entre
o PS e os seus circunstancialíssimos parceiros vieram à tona. Não é possível
misturar azeite e água.
As promessas de amor eterno e os
elogios que os socialistas dedicam aos seus parceiros soam cada vez mais a
falso. Uma espécie de divórcio que querem que seja a bem, mas em que não estão
dispostos a dar um tostão que seja do património que construíram em comum.
Continue a situação económica em bom estado, prossiga a redução do desemprego,
não exista qualquer convulsão internacional que traga turbulência e o PCP e,
sobretudo, o BE vão arrepender-se amargamente de não terem ido para o governo:
quer se queira quer não, é o governo que capitaliza o sucesso. BE e PCP estão
numa situação em que se não protestam correm o risco de ver os seus eleitores
tradicionais incomodados; se protestam arriscam-se a ser vistos pelo eleitorado
da esquerda moderada (a grande maioria do eleitorado de esquerda e
centro-esquerda) como forças de bloqueio quando os resultados estão a ser bons.
É preciso dizer que os bloquistas são os que terão mais problemas. Não só o
eleitorado tradicional do PCP é mais fiel, como o BE não tem as fortes raízes
dos comunistas no movimento sindical e nas autarquias (mesmo assim, foi o que
foi nas últimas eleições autárquicas).
Mantenha-se tudo como está e
serão os bloquistas e os comunistas que ficarão a pensar se a vinda do diabo
teria sido assim tão má. Mais, os resultados eleitorais trarão maiores
problemas para a esquerda do PS do que para o PSD.
2 - Assisto a muitas discussões
sobre flexibilidade e rigidez de despedimentos e poucas sobre esta relação com
a produtividade.
Há países em que o despedimento
individual é praticamente livre e em que a produtividade é elevada e outros em
que o despedimento também é livre e a produtividade baixíssima. Como temos
países com uma elevada rigidez nos despedimentos que têm elevados índices de
produtividade e países com o mesmo tipo de legislação laboral com reduzida
produtividade.
Circunscrever a questão da
produtividade à facilidade ou dificuldade de despedir ou colocá-la como fator
decisivo na criação de riqueza é um erro crasso. Aliás, Portugal é um excelente
exemplo disso. Somos um país onde se trabalha muitas horas e a produtividade é
baixa, e não foi, nem é, a antiga rigidez ou a recente flexibilidade nos
despedimentos que alterou o que quer que fosse. E, no entanto, a legislação laboral
é sempre vista como o alfa e o ómega da discussão sobre produtividade e
crescimento económico. Não há leis laborais nem maior facilidade em despedir
que remedeiem a nossa má organização do trabalho, a deficiente formação da
maioria dos nossos empresários e gestores, a falta de investimento, o desprezo
pela formação dentro e fora do posto de trabalho.
Numa outra dimensão, é também
recorrente uma análise meramente económica sobre o trabalho e o emprego.
Aparece amiúde quando se discute o valor do salário mínimo ou mesmo a sua
própria existência.
Convém recordar que o salário
mínimo e o seu valor têm que ver com o especial papel que a comunidade dá ao
trabalho. Algo com origens nos valores mais profundos da civilização
judaico-cristã e enunciado, por exemplo, de uma forma veemente pela doutrina
social da Igreja. O trabalho define em grande parte o papel e a inserção do
cidadão na comunidade. Trabalhar tem de corresponder a uma retribuição que
garanta a um homem ou a uma mulher viver com dignidade - ainda estamos longe
disso no nosso país. Colocar o trabalho como um simples fator de produção põe o
homem com a mesma dignidade de uma máquina ou de um pedaço de terra. Não pode
haver argumento económico que se sobreponha ao conteúdo ético do trabalho.
No mesmo sentido, apesar de numa
dimensão diferente, ver o trabalho como uma simples transação em que as partes
estão em igualdade de circunstâncias não é admissível porque simplesmente não é
verdade. A regulamentação - que tem de ter limites para que não torne impossível
a organização do trabalho que tem sempre de ser do empresário - de uma relação
que será sempre desequilibrada tem de, mais uma vez, proteger a parte mais
fraca e impor direitos e deveres não negociáveis.
É verdade que é impossível olhar
para o trabalho como se olhava, sequer, há vinte anos. A transformação da
maneira como se trabalha, as mudanças que as novas tecnologias provocaram, a
globalização, exigem uma reflexão sobre o trabalho e o que a nova realidade
implica que em larga medida ainda está por fazer. Mas por muito que esse novo
mundo se imponha, retirar o conteúdo ético ao trabalho ou transformá-lo num
mero produto nunca pode ser opção.
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