José Reinaldo Carvalho*
As arbitrariedades que no cenário
do golpe de Estado vêm sendo cometidas pelos torquemadas do Ministério Público,
juízes de primeiro grau, tribunais de segunda instância e membros da corte
suprema mostram que vivemos no Brasil tempos de opróbrio, crueldade, injustiça
e infâmia.
Em meio a tamanho transe, vale
recordar o que disse Marx em sua obra “Crítica da Filosofia do Direito de
Hegel” sobre a “escola histórica do direito”: “uma escola que legitima a
infâmia de hoje com a infâmia de ontem, uma escola que declara como rebelde
cada grito do servo contra o chicote, desde que o chicote seja um chicote
idoso, um [chicote] hereditário, um [chicote] histórico…”
Está em curso a instauração de um
novo tipo de regime ditatorial no Brasil. Os primeiros sinais surgiram com o
golpe de Estado de 2016 quando uma camarilha reacionária formada por setores
majoritários do Congresso Nacional, em conluio com a mídia monopolizada, a
polícia política em que se converteu a Polícia Federal, setores do Ministério
Público e do Poder Judiciário, decidiu interromper o ciclo político democrático
inaugurado com a Constituinte de 1987-1988 e a fase dos governos progressistas
iniciada desde a primeira eleição do presidente Lula.
Os manipuladores do “chicote
hereditário”, representantes das classes dominantes, mostraram-se ciosos na
defesa dos seus interesses classistas. Monopolizam o poder político há séculos
não para distribuir renda nem universalizar a fruição de direitos, mas para
viver às custas do saque das riquezas nacionais e da espoliação do povo
trabalhador.
Empenhadas na edificação de um
novo regime, as classes dominantes mutilam a democracia, investem na
criminalização das forças políticas de esquerda e do movimento social, do que é
exemplo mais significativo a condenação judicial de Lula. Mais uma vez na
história tortuosa da República no Brasil, é com o látego vetusto que essas
classes pretendem organizar o sistema político, brandindo o lema “ordem e
progresso”, para antagonizar a liberdade, a independência, os direitos sociais e
o desenvolvimento.
Na empreitada, decidiram abater a
liderança das forças progressistas, impedir que volte a governar o país porque
é imperioso interditar o enfrentamento dos problemas sociais e interromper a
busca por um lugar autônomo e protagonista do Brasil no mundo.
A criminalização dos movimentos
sociais e das forças políticas transformadoras ocorre a par com o uso
atrabiliário das armas do “direito”, em que liberais de fancaria não coram ao
usar os mais torpes argumentos. Em nome da suposta defesa de direitos
“coletivos e difusos”, atacam-se os direitos individuais, mantêm-se cidadãos
presos sem culpa formada ou qualquer mínima prova, numa sucessão interminável
de atos arbitrários baseados em “convicções; criminaliza-se a atividade
política democrática e progressista exercida pelas classes oprimidas. Cúmulo da
hipocrisia é a invocação que se faz aos direitos coletivos, porquanto estes são
também vilipendiados – o direito ao trabalho, os direitos humanos em lato e
estrito sentido, o direito à saúde, educação, moradia, salário digno, ao
consumo garantidor do bem-estar para todos, e uma infinidade de direitos
usurpados pelos opressores do povo entrincheirados no regime golpista.
O plano dos golpistas é completar
a mutilação da vida democrática com a transformação da eleição em farsa. Porque
é disto que se trata quando eleições presidenciais, que decidem sobre a força
política que ocupará o vértice do poder nacional, são realizadas consoante
normas impostas para assegurar previamente a vitória de um lado, com a exclusão
da parte adversária, pretextando argumentos juridicos fraudulentos.
Isto é ainda mais evidente
quando, segundo todas as sondagens de opinião pública, apesar da repugnante
campanha difamatória e da condenação judicial, Lula lidera a disputa presidencial.
É um dado óbvio que Lula candidato, à frente de uma coalizão democrática,
patriótica e progressista que tenha a esquerda por núcleo e conformação ampla
está habilitado a vencer de novo a eleição presidencial.
Impedir a concretização deste
desenlace, pela via da prisão do candidato e do cancelamento de sua
candidatura, para além de ser uma violência, vai, sim, transformar o pleito de
2018 numa rematada fraude.
Ainda está ainda por ser feito o
debate sobre como as forças de esquerda devem agir em tal circunstância, sobre
as saídas táticas para acumular na batalha eleitoral que, de resto, será um
entre uma miríade de episódiios da velha e boa luta de classes cujo desfecho
histórico não há de ser outro senão a “volta do cipó de aroeira” no lombo de quem
hoje, em nome de um injusto e infame direito, desce o látego contra o dorso dos
oprimidos.
Mesmo num momento de refluxo e
desorganização das lutas, fragmentação das forças de esquerda e tendência de
alguns à acomodação, a reação popular – que nunca deve ser subestimada – é
imprevisível e pode ser surpreendente.
* em Pátria Latina
*Jornalista, editor do
Resistência, membro da Comissão Política Nacional do Partido Comunista do Brasil
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