segunda-feira, 5 de março de 2018

O melhor dos óscares deste ano foi recordar os do ano passado


A dupla que se enganou em 2017 regressou em 2018 para anunciar o grande vencedor deste ano. Foi menos divertido, é certo, mas Guillermo Del Toro não há de querer saber: venceu o Óscar de melhor realizador e o seu “A Forma da Água” triunfou entre os melhores filmes

É bom voltar a ver-vos outra vez”: Warren Beaty e Faye Dunaway regressaram ao Dolby Theatre, em Los Angeles, para evitar repetir o extraordinário erro do ano passado. E é sempre entusiasmante recordar esse momento embaraçoso e hilariante (até porque este ano haverá pouco -– ou mesmo nada – para nos lembrarmos daqui a um ano):

Este ano correu tudo certinho. Warren Beaty e Faye Dunaway anunciaram “A Forma da Água” como vencedor do Óscar mais importante – melhor filme – e ninguém teve necessidade de intervir para corrigir a dupla. Mas quem os escolheu teve o humor e o golpe de asa que faltou a grande parte da cerimónia. Porque o melhor deste ano acabou por ser recordar 2017.

Aquele que talvez tenha sido o momento ligeiramente emocionante da cerimónia aconteceu minutos antes da consagração do filme de Guillermo Del Toro, também vencedor do Óscar de melhor realização. Frances McDormand, que levou a estatueta de melhor atriz, conseguiu que todas as outras mulheres nomeadas se levantassem das suas cadeiras. “Vá lá Meryl [Streep], se te levantares todas se levantam”, apelou, antes de aproveitar o discurso de vitória para “dizer algumas coisas”.

“Tenho três palavras para vocês esta noite: cláusula de inclusão.” Trata-se de uma cláusula que os atores podem incluir nos contratos para garantir a igualdade de género e racial nas equipas dos filmes em que participam. A vitória de McDormand não foi propriamente uma surpresa, tinha conquistado todos os grandes prémios durante ao longo da temporada. E também dela já se esperava um discurso à margem da previsibilidade geral.

Warren Beatty e Faye Dunaway não foram os únicos regressos da noite. Jimmy Kimmel também voltou como anfitrião, apesar de ter aparecido pouco ao longo da cerimónia. No monólogo de abertura conseguiu conjugar quase na perfeição a mensagem política e social com a comédia. Não esqueceu a questão do assédio sexual e a desigualdade de género na indústria cinematográfica. “O Óscar é o homem mais adorado e respeitado de Hollywood. E há boas razões para isso. Olhem para ele: mantém as mãos onde qualquer um pode vê-las, nunca diz nada desagradável e, mais importante, não tem um pénis. É um tipo de homem como este de que esta cidade mais precisa.” E mais à frente concluiu este tópico do assédio sexual por via de uma referência à história de “A Forma da Agua”: “Vamos sempre lembrar-nos que este ano os homens falharam à grande e as mulheres tiveram de começar a namorar com peixes”.

O caso do produtor Harvey Weinstein também não foi esquecido por Kimmel. “Não podemos deixar estes comportamentos impunes. O mundo está a observar-nos. Precisamos de ser um exemplo. Se formos bem-sucedidos, se formos capazes de acabar com o assédio sexual nos locais de trabalho, as mulheres só vão ter de viver o assédio em todos os outros locais que frequentarem. Ao longo desta noite espero que se ouçam os muitos apoiantes corajosos de movimentos como #MeToo e Time’s Up.”

Mas os movimentos como #MeToo e Time’s Up, que marcaram forte presença nos Globos de Ouro e nos Bafta, por exemplo, pouco se fizeram ouvir na madrugada desta segunda-feira.

A MOTA DE ÁGUA, MÃOS A TREMER E FINALMENTE UMA VITÓRIA

Um dos momentos mais bonitos da noite acabou por ser a interpretação de Sufjan Stevens, cantou “Mistery Of Love”, de “Call me by your name”. Terá sido este o melhor minuto dos Óscares deste ano?

Com as mãos a tremer, e por isso pediu desculpa, Rachel Shenton, protagonista e argumentista de “The silent child”, cumpriu uma promessa durante a cerimónia. Ao subir ao palco para agradecer a vitória pela curta-metragem que conta a história de uma criança surda de quatro anos, Shenton recorreu à língua gestual para passar a mensagem.

“Prometi à nossa protagonista de seis anos que faria este discurso em língua gestual, as minhas mãos estão a tremer, por isso peço desculpa”, começou Shenton. “O filme é sobre uma criança que nasceu num mundo de silêncio, não é um filme exagerado ou sensacionalista, isto acontece. Milhões de crianças em todo o mundo vivem em silêncio e enfrentam barreiras de comunicação e dificuldades no acesso à educação. A surdez é uma deficiência silenciosa, não coloca em perigo a vida e não conseguimos vê-la.”

“PÕE A CHALEIRA AO LUME, LEVO UM ÓSCAR PARA CASA”

À segunda nomeação Gary Oldman conquistou o Óscar pela interpretação como Winston Churcill, em “A Hora Mais Negra”. “Obrigado à minha mulher por me acompanhar nesta jornada. Obrigado à minha mãe, que é mais velha que os Óscares e está a ver a cerimónia sentada no sofá. Põe a chaleira ao lume, levo um Óscar para casa”, disse.

Allison Janney foi distinguida como melhor atriz secundária pelo papel como mãe de Tonya Harding, em “I, Tonya”. Já Sam Rockwell foi galardoado como melhor ator secundário pelo policia problemático em “Três cartazes à beira da estrada”.

Entre as categorias técnicas, destaque para “Dunkirk”, que conquistou três estatuetas (mistura de som, edição sonora e edição). Com duas Óscares ficaram “Três cartazes à beira da estrada” (atriz principal e ator secundário) e “A hora mais negra” (ator principal e caracterização), e com apenas uma vitória “Call me by your name” (argumento adaptado), “Foge” (argumento original) e “A Linha Fantasma (guarda-roupa). “Lady Bird” e “The Post” não foram distinguidos.

UM A UM, OS VENCEDORES DESTA NOITE

Melhor filme: “A Forma da Água”
Melhor realizador: Guillermo del Toro, “A Forma da Água”
Melhor atriz: Frances McDormand, em “Três Cartazes à Beira da Estrada”
Melhor ator: Gary Oldman, em “A Hora Mais Negra”
Melhor atriz secundária: Allison Janney
Melhor ator secundário: Sam Rockwell, em “Três Cartazes à Beira da Estrada”
Melhor canção original: “Remember Me”, do filme de animação “Coco”
Melhor banda sonora: “A Forma da Água”
Melhor fotografia: “Blade Runner 2049”
Melhor argumento original: “Get Out” (Jordan Peele)
Melhor argumento adaptado: “Call Me By Your Name
Melhor curta-metragem: “The Silent Child”
Melhor efeito visual: “Blade Runner”
Melhor filme de animação: “Coco”
Melhor curta de animação: “Dear Basketball”
Melhor Filme Estrangeiro: “A Fantastic Woman” (Chile)
Melhor direção de arte: “A Forma da Água”
Melhor mistura de som: “Dunkirk”
Melhor edição sonora: “Dunkirk”
Melhor documentário: “Icarus”
Melhor guarda-roupa: “Linha Fantasma”
Melhor caracterização: Kazuhiro Tsuji, David Malinowski e Lucy Sibbick, “A Hora Mais Negra”
Melhor edição: “Dunkirk”

Marta Gonçalves | Soraia Pires | Expresso

Foto: MARK RALSTON/ GETTY IMAGES

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