Bacelar de Vasconcelos | Jornal
de Notícias | opinião
O relatório elaborado pela
delegação do Comité Europeu para a Prevenção da Tortura e Tratamentos
Degradantes ou Desumanos que visitou Portugal em outubro de 2016 foi divulgado,
a pedido do Governo, na passada terça-feira. Este órgão do Conselho da Europa avalia
periodicamente a situação dos países signatários quanto ao respeito pelos
direitos humanos, visando em particular a condição das pessoas privadas de
liberdade: presos preventivamente ou em cumprimento de pena, jovens internados
em centros educativos ou quaisquer suspeitos detidos por autoridades policiais.
O confinamento torna as pessoas mais vulneráveis a toda a espécie de abusos,
desde a tortura aos tratos desumanos e degradantes ou qualquer outra forma de
violência gratuita. A apreciação global do Comité do Conselho da Europa é
positiva e reconhece, em 2018, a importância das reformas levadas a cabo para
dar satisfação às críticas apontadas pela missão anterior, em 2013. Contudo, o
relatório diagnostica problemas estruturais que persistem na sociedade
portuguesa e apresenta recomendações que merecem a mais séria ponderação, desde
logo, por parte dos responsáveis pelos estabelecimentos prisionais e pelas
polícias, mas que interpelam também os magistrados do Ministério Público, os
juízes, os governantes e os deputados.
Lamentavelmente, Portugal
insere-se no grupo de países da Europa Ocidental onde se verifica o maior
número de casos de violência policial, afirma a delegação do Conselho da
Europa. Entre as vítimas, predominam os estrangeiros e cidadãos nacionais de
grupos minoritários, o que aponta inequivocamente para motivações
preconceituosas de natureza racista e xenófoba. Por outro lado, a ausência de
consequências criminais resultantes das queixas apresentadas, alimenta uma
perceção de impunidade que favorece a complacência para com esses
comportamentos. A deficiente informação estatística disponível não permite
conclusões rigorosas quanto ao número de queixas comunicadas ao Ministério
Público que foram objeto de procedimento judicial e mereceram, afinal,
sentenças condenatórias. Mas parece evidente que nem todos os casos de
violência policial tenham sido denunciados, que nem todas as queixas tenham
sido comunicadas à Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI) e, por fim,
que a morosidade da intervenção da IGAI e a falta de competências para requerer
exames médicos forenses que possam comprovar as lesões alegadas, determinam
inexoravelmente o insucesso dos procedimentos judiciais que apesar de tudo
foram suscitados. Neste sentido, o relatório recomenda a autonomia da IGAI e o
reforço das suas competências de investigação. Uma recomendação adicional
insiste na necessidade de garantir, em articulação com a Ordem dos Advogados, o
direito à presença de um advogado, desde o momento da detenção pela autoridade
policial e não apenas quando o suspeito é levado perante um juiz.
No que diz respeito aos
estabelecimentos prisionais, a chefe da delegação, Julia Kozma, manifestou a
apreciação "muito positiva de que as reformas estão a ser levadas a
sério". O relatório, porém, continua a manifestar apreensão relativamente
à sobrelotação de algumas prisões, às condições de habitabilidade de outras e
ao recurso excessivo a sanções disciplinares de confinamento celular
(isolamento). A situação dos reclusos inimputáveis, carecidos de tratamento
psiquiátrico, no Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo, ainda em
2016, é classificada como chocante. Também é deplorada a exiguidade de recursos
do Mecanismo Nacional de Prevenção, sob a autoridade do Provedor de Justiça, e
que está incumbido de visitar os estabelecimentos onde se encontram pessoas
privadas da liberdade, incluindo os centros educativos para jovens, e fazer as
recomendações que entender adequadas nomeadamente quanto ao respetivo
enquadramento legal.
É pela dignidade reconhecida aos
mais frágeis e vulneráveis - vítimas, suspeitos e condenados - que se mede a
qualidade de uma democracia. Não é preocupação muito popular mas é aqui que se
inscrevem as mais pesadas responsabilidades dos cidadãos e dos representantes
que elegeram.
*Deputado e professor de direito
constitucional
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