sábado, 28 de abril de 2018

COREIAS | Tão inimigos que nós éramos...


O que une – e separa – as duas Coreias

Há sete décadas, um povo foi dividido em dois. Distintas realidades ideológicas e políticas se desenvolveram na mesma península, mas semelhanças históricas e culturais jamais se apagaram.

Nos últimos dias da Segunda Guerra, quando se tornou claro que o Japão se renderia às potências aliadas, a questão sobre o que aconteceria com a Coreia se tornava mais urgente do que nunca. Depois de décadas ocupando a península coreana, os japoneses estavam recuando.

EUA e União Soviética concordaram em dividir a Coreia no 38º paralelo em agosto de 1945: os americanos ocupariam a parte sul, os soviéticos, a norte. O plano era devolver o controle aos coreanos e se retirar. E em 1948 várias tentativas foram feitas para levar à reunificação.

Mas a desconfiança gerada por apenas alguns anos de ideologias opostas já havia se tornado profunda demais. O que começou como uma divisão quase acidental deu origem a uma das fronteiras mais hostis e pesadamente militarizadas do mundo. Um povo foi dividido em dois.

Direitos humanos e liberdade

A Coreia do Norte é hoje um Estado stalinista e é acusada de manter centenas de milhares de cidadãos – incluindo crianças – em campos de prisioneiros políticos e outros centros de detenção em todo o país. Também recebe as classificações mais baixas quando se trata de liberdade de imprensa e responsabilidade do governo.

Anos de isolamento afetaram seriamente a economia da Coreia do Norte, e a população do país sofreu por muito tempo com a pobreza e a fome. As Nações Unidas relatam que mais de um terço da população é desnutrida. Muitos não têm acesso a cuidados de saúde adequados.

A vida na Coreia do Sul, por outro lado, é alimentada por um estilo de capitalismo despudoradamente barulhento e orgulhoso. O país também é oficialmente uma democracia constitucional.

Mas a Coreia do Sul tem seus próprios presos políticos. A controversa Lei de Segurança Nacional considera um delito manifestar simpatias em relação à Coreia do Norte. Mas a Coreia do Sul é tida como muito menos corrupta que seu vizinho do norte.

E é uma aliada fundamental para as potências ocidentais – particularmente os Estados Unidos, que ainda mantêm cerca de 30 mil soldados em solo sul-coreano e realizam exercícios militares regulares com as tropas locais.

Diferença de altura

Apesar do tamanho geográfico similar, a população da Coreia do Sul (mais de 51 milhões) é quase duas vezes maior que a da Coreia do Norte (mais de 25 milhões). Devido à sua dieta pobre, os norte-coreanos tendem a ser menores que os sul-coreanos, o que é mais visível entre as crianças em idade escolar.

Daniel Schwekendiek, da Universidade de Sungkyunkwan, em Seul, estima que a diferença de altura seja de aproximadamente 4 centímetros entre os meninos em idade pré-escolar e 3 centímetros entre as meninas desse mesmo grupo etário.

A diferença na expectativa de vida é similarmente notável: enquanto os sul-coreanos vivem em média até os 82 anos, os norte-coreanos morrem dez anos mais jovens, aos 70 anos.

Comida e vestimenta

Os dois povos gostam de muitos dos mesmos tipos de alimentos, já que as receitas foram passadas de geração em geração muito antes da divisão. Por exemplo, dduk (torta de arroz) e yeot (um tipo de confeito) são comidos por todos os alunos antes dos exames, porque eles acreditam que lhes dá sorte.

As celebrações culturais estão, da mesma forma, profundamente arraigadas na sociedade coreana em ambos os lados da fronteira. Algumas das datas mais importantes são o Ano Novo, o Dia de Ação de Graças e o Daeboreum – o dia da primeira lua cheia do ano. O Ano Novo é tradicionalmente comemorado com uma tigela de ddukguk (sopa de bolo de arroz).

Os pais são servidos por seus filhos durante a refeição e são tratados com deferência, independentemente de onde morem na Coreia.

A Coreia do Sul é tida como a "Hollywood do Oriente", produzindo entretenimento consumido por milhões de fãs, que vão do Japão à Indonésia. Existem também cerca de 400 estúdios independentes, que produzem conteúdo para o mercado de entretenimento, ajudando a Coreia do Sul a exportar seu "k-pop” (gênero musical próprio de música), dramas de televisão e videogames para países da Ásia. Já a Coreia do Norte é praticamente ausente da parada de sucessos asiática.

As coisas parecem polarizadas da mesma forma em se tratando de moda. Os norte-coreanos abstêm-se de fazer experiências, porque o governo proíbe estritamente peças como calças jeans skinny, minissaias e até mesmo penteados especiais, enquanto seus vizinhos do sul são livres para vestir qualquer roupa que quiserem.

Religião e turismo do wi-fi

Os casamentos também parecem diferentes. Casais na Coreia do Sul podem ostentar um lindo vestido para a noiva, uma cerimônia cheia de pompa uma lua-de-mel espetacular, enquanto os noivos na Coreia do Norte tendem a adotar uma abordagem mais simples, geralmente celebrando o matrimônio em um restaurante ou em casa.

Devido à sua visão de mundo comunista, a Coreia do Norte é oficialmente um país ateu. No entanto, novos movimentos como o cheondoísmo estão ganhando popularidade. No sul, o protestantismo e o catolicismo conquistaram muitos novos seguidores nas décadas passadas, e suas fileiras se incharam de cristãos da Coreia do Norte que fugiram da perseguição.

Quanto à "religião" moderna da internet, sua influência é ilimitada no Norte, enquanto o acesso é livre na Coreia do Sul. No Norte, apenas os membros dos serviços públicos e educacionais podem navegar na rede mundial de computadores – e somente sob controles rígidos. Um fenômeno que ocorre como resultado é o "turismo do wi-fi": norte-coreanos compram propriedades perto de embaixadas estrangeiras, para tentar acessar seu wi-fi. Como resultado, os preços de imóveis em Pyongyang dispararam.

A Coreia do Norte tem sua própria intranet, chamada Kwangmyong. Ela não está conectada ao resto do mundo e foi construída originalmente para abrigar páginas sobre a dinastia Kim, a família dominante da Coreia do Norte.

Testes nucleares

O atual líder da Coreia do Norte iniciou a chamada "estratégia de byungjin" em 2013, que buscava, ao mesmo tempo, um desenvolvimento dos programas nucleares e crescimento econômico.

Ele realizou um número extraordinariamente grande de testes de armas, em uma tentativa de desenvolver um arsenal nuclear efetivo, capaz de atingir alvos território norte-americano. Quatro dos seis testes de bomba nuclear do país ocorreram durante o seu governo.

Os testes aumentaram as tensões entre Pyongyang e a comunidade internacional, particularmente os Estados Unidos, com o presidente Trump avisando que responderia à ameaça nuclear da Coreia do Norte com "fogo e fúria, como o mundo nunca viu".

Após uma guerra de palavras entre Trump e Kim, as coisas mudaram drasticamente neste ano, com o líder norte-coreano enviando sua irmã Kim Yo-jong e atletas para as Olimpíadas de Inverno na Coreia do Sul e concordando em manter conversações com o presidente sul-coreano, Moon Jae-in.

Moon mais tarde também agenciou uma reunião entre Kim e Trump, marcada para maio ou início de junho.

Nos preparativos para as cúpulas históricas, Kim Jong-un anunciou que seu país suspenderá indefinidamente os testes nucleares e de mísseis e encerrará um local de testes nucleares, levando Trump a tuitar: "Esta é uma notícia muito boa para a Coreia do Norte e o mundo – grande progresso! Ansioso pela nossa cúpula".

Caroline Schmitt (md) | Deutsche Welle

Coreias prometem desnuclearização após encontro histórico

Após se tornar primeiro líder norte-coreano a pisar em solo do Sul, Kim emite comunicado com Moon em que ambos se comprometem a estabelecer "regime de paz sólido e permanente". "Norte e Sul vão voltar a ser um só", diz.

O líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un, cruzou nesta sexta-feira (27/04) a linha de demarcação militar que divide a Península Coreana para participar de uma histórica cúpula com o presidente da Coreia do Sul, Moon Jae-in, marcada por promessas de desnuclearização e fim das hostilidades entre os países vizinhos. 

Ao cruzar a fronteira, Kim se transformou no primeiro líder norte-coreano a pisar no solo da Coreia do Sul desde o fim da Guerra da Coreia, em 1953. Os líderes se cumprimentaram na zona desmilitarizada entre os dois países. O aperto de mão deu-se em cima da linha divisória, com ambos os líderes sorridentes e com o presidente da Coreia do Sul a dizer ao seu homólogo: "Estou feliz por vê-lo." 

Num gesto não previsto, Kim então tomou Moon pelas mãos e o levou para o lado norte da fronteira que separa os dois países, num momento de descontração antes do início da histórica cúpula.

Ao encontrar-se na divisa, Moon disse: "Você veio para o sul, eu me pergunto quando posso ir para o norte." Kim respondeu: "Talvez agora seja uma boa hora para você vir", e o levou pelas mãos para o lado norte da demarcação, em um gesto que não estava previsto, segundo explicou o porta-voz presidencial de Seul.

"Foi uma decisão muito corajosa de sua parte vir até aqui", afirmou Moon. Ele acrescentou que os dois líderes "estavam fazendo história".

Após a reunião, Kim e Moon assinaram um comunicado conjunto que teve como um dos pontos principais o objetivo comum da "desnuclearização completa" da Península Coreana.

"As duas Coreias reafirmam e concordam em aderir estritamente ao Acordo de Não Agressão que impede o uso da força em qualquer forma", diz o documento.

Os dois governos também concordam em realizar encontros trilaterais envolvendo os EUA, ou quadrilaterais envolvendo Washington e Pequim, com a intenção de "declarar um fim à Guerra da Coreia e estabelecer um regime de paz sólido e permanente".

Kim e Moon se comprometeram ainda a transformar a zona desmilitarizada entre as duas Coreias numa zona de paz a partir de 1º de maio e em cessar todos os atos de hostilidade entre ambos os lados.

As medidas anunciadas incluem ainda passos no sentido de modernizar vias que conectam o Norte e o Sul, um programa de reunião para famílias separadas pela guerra e mais contatos de alto nível entre Pyongyang e Seul.

Os dois governos vão coordenar esforços para assegurar que não "repetirão a história infeliz na qual acordos entre as Coreias fracassaram logo depois de começarem", declarou Kim após a reunião com Moon. "Pode haver dificuldades e frustrações no nosso caminho, mas uma vitória não pode ser alcançada sem dor", completou o líder norte-coreano.

Pelo Norte, participam do encontro também a irmã de Kim, Kim Yo-jong, cinco outros integrantes do politburo e os dois mais altos representantes militares. A cúpula ocorreu na chamada Peace House, na vila de barracões azuis de Panmunjom, dentro da zona desmilitarizada. 

Kim afirmou que a zona desmilitarizada que divide os dois países deve passar de um símbolo da divisão a um símbolo da paz. "O Norte e o Sul, que têm um sangue, uma língua, uma história e uma cultura, vão voltar a ser um só, pessoas de todas as gerações vão desfrutar da prosperidade", declarou.

AS/LPF/efe/lusa/ap/rtr/afp | Deutsche Welle

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