terça-feira, 3 de abril de 2018

O comunismo tem algo que ver com Putin?


Pedro Tadeu | Diário de Notícias | opinião

Vladimir Putin é nacionalista, defensor da autoridade centralizadora do Estado e zeloso da preservação da sua autoridade pessoal. Vladimir Putin não é comunista: para os padrões prevalecentes nas sociedades do Ocidente rico ele seria classificável, se por acaso governasse um desses países, na categoria "líder de direita conservadora", nunca um revolucionário ao serviço dos interesses do proletariado e dos trabalhadores.

Esta leitura é uma evidência clara, largamente demonstrada desde que, em 1999, Putin começou a mandar em Moscovo.

Face à realidade política que circunscrevia a luta pelo poder na Rússia à guerra do capitalismo contra o comunismo, Putin serviu a ideia de unir o país em torno do orgulho patriótico, místico e historicista, dos czares à URSS, com a religião a solidificar o conceito.

A esta ideia de unidade, Putin juntou a prática de formar uma elite de magnatas capitalistas, politicamente controlados, numa economia liberal, de impostos relativamente baixos, ajudada pela exploração de vastos recursos naturais, muitos deles nas mãos do Estado. Eternizou-se, assim, no Kremlin.

Aos saudosos na União Europeia e nos Estados Unidos da América dos tempos da Guerra Fria parece ser conveniente insinuar que a Rússia de Vladimir Putin disfarça ou adormece o ideário comunista.

Para uns, esta sugestão é a forma mais fácil de ganhar boa parte da opinião pública mais distraída para as insanidades sucessivas que colocam o mundo em perigo de guerra total e ajudam a esconder a crueldade, a estupidez com que os governos ocidentais conduziram as suas tentativas de dominio do Médio Oriente, com a Síria, agora, a centrar as atenções.

O suposto perigo "russo comunista" serviu também para transformar países do Leste Europeu, saídos da ex-União Soviética, numa espécie de cordão antirrusso governado por antidemocratas.

Para outros, a sugestão de um hipotético comunismo subterrâneo no governo da Rússia serve para acalentar a esperança de ali, talvez em aliança com a China, vir a renascer uma oposição séria e consequente aos desmandos do capitalismo monopolista.

Para estes, a Rússia de Putin teria no seu ADN um gene capaz de fazer nascer um corpo político de combate ao imperialismo económico dos senhores da globalização; frontalmente denunciador da manipulação e do controlo, por potências estrangeiras, de muitos governos de países menos desenvolvidos; um motor da defesa da autodeterminação dos povos, livres dos constrangimentos do capitalismo mundial high tech...

Esta visão é todos os dias desmentida pela realidade: a luta da Rússia de Putin, simplesmente, é a de disputar com a União Europeia (sobretudo com Alemanha, França e Inglaterra), com os Estados Unidos e com a China, em alianças e confrontos conjunturais, o maior domínio político e económico que lhe for possível alcançar.

Duas décadas de conspiração, apoio, financiamento e armamento concedido a terroristas, a fanáticos, a protofascistas, a ditadores, a oligarcas, a fundamentalistas, a traficantes, sempre em nome da defesa dos direitos humanos, numa competição entre os maiores países da NATO e a Rússia (a China tem-se afastado deste campeonato bélico), resultaram em milhões de mortos e de refugiados.

Entretanto, o governo britânico acusou, sem mostrar provas conclusivas, o governo russo de estar por detrás de um atentado em Inglaterra que vitimou um ex-espião russo e a filha. Convenceu mais de 30 países, a começar nos Estados Unidos da América, a expulsar 150 diplomatas russos. Putin retaliou e mandou embora da Rússia uns 60 diplomatas de 23 países.

Putin talvez esteja por detrás do envenenamento de Sergei Skripal, não sei, mas, sendo um político experiente, bastante melhor do que a maior parte dos líderes ocidentais com quem se confrontou em 20 anos, suscita-me a pergunta: se autorizou esse assassínio, o que é que pensava ganhar?... Ninguém, ainda, explicou algo que convencesse.

O governo português não foi na onda, limitando-se a chamar o seu embaixador em Moscovo para consultas. Está a ser acusado de trair os seus aliados e de não acreditar na palavra e nas informações dos britânicos.

A Inglaterra e os EUA inventaram, em 2003, as armas químicas de Saddam e puseram Durão Barroso, então primeiro-ministro português, a ser padrinho de uma cimeira que decidiu a invasão ao Iraque: em 10 anos essa mentira causaria meio milhão de mortos.

Com este antecedente acho que o governo português tem o direito e o dever de exigir dos seus aliados, antes de se meter em novos conflitos, muito mais do que aquilo que foi, até agora, mostrado no caso Skripal... É o mínimo.

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