Pedro Tadeu | Diário de Notícias
| opinião
Vladimir Putin é nacionalista,
defensor da autoridade centralizadora do Estado e zeloso da preservação da sua
autoridade pessoal. Vladimir Putin não é comunista: para os padrões
prevalecentes nas sociedades do Ocidente rico ele seria classificável, se por
acaso governasse um desses países, na categoria "líder de direita
conservadora", nunca um revolucionário ao serviço dos interesses do
proletariado e dos trabalhadores.
Esta leitura é uma evidência
clara, largamente demonstrada desde que, em 1999, Putin começou a mandar em
Moscovo.
Face à realidade política que
circunscrevia a luta pelo poder na Rússia à guerra do capitalismo contra o
comunismo, Putin serviu a ideia de unir o país em torno do orgulho patriótico,
místico e historicista, dos czares à URSS, com a religião a solidificar o
conceito.
A esta ideia de unidade, Putin
juntou a prática de formar uma elite de magnatas capitalistas, politicamente
controlados, numa economia liberal, de impostos relativamente baixos, ajudada
pela exploração de vastos recursos naturais, muitos deles nas mãos do Estado.
Eternizou-se, assim, no Kremlin.
Aos saudosos na União Europeia e
nos Estados Unidos da América dos tempos da Guerra Fria parece ser conveniente
insinuar que a Rússia de Vladimir Putin disfarça ou adormece o ideário
comunista.
Para uns, esta sugestão é a forma
mais fácil de ganhar boa parte da opinião pública mais distraída para as
insanidades sucessivas que colocam o mundo em perigo de guerra total e ajudam a
esconder a crueldade, a estupidez com que os governos ocidentais conduziram as
suas tentativas de dominio do Médio Oriente, com a Síria, agora, a centrar as
atenções.
O suposto perigo "russo
comunista" serviu também para transformar países do Leste Europeu, saídos
da ex-União Soviética, numa espécie de cordão antirrusso governado por
antidemocratas.
Para outros, a sugestão de um
hipotético comunismo subterrâneo no governo da Rússia serve para acalentar a
esperança de ali, talvez em aliança com a China, vir a renascer uma oposição
séria e consequente aos desmandos do capitalismo monopolista.
Para estes, a Rússia de Putin
teria no seu ADN um gene capaz de fazer nascer um corpo político de combate ao
imperialismo económico dos senhores da globalização; frontalmente denunciador
da manipulação e do controlo, por potências estrangeiras, de muitos governos de
países menos desenvolvidos; um motor da defesa da autodeterminação dos povos,
livres dos constrangimentos do capitalismo mundial high tech...
Esta visão é todos os dias
desmentida pela realidade: a luta da Rússia de Putin, simplesmente, é a de
disputar com a União Europeia (sobretudo com Alemanha, França e Inglaterra),
com os Estados Unidos e com a China, em alianças e confrontos conjunturais, o
maior domínio político e económico que lhe for possível alcançar.
Duas décadas de conspiração,
apoio, financiamento e armamento concedido a terroristas, a fanáticos, a
protofascistas, a ditadores, a oligarcas, a fundamentalistas, a traficantes,
sempre em nome da defesa dos direitos humanos, numa competição entre os maiores
países da NATO e a Rússia (a China tem-se afastado deste campeonato bélico),
resultaram em milhões de mortos e de refugiados.
Entretanto, o governo britânico
acusou, sem mostrar provas conclusivas, o governo russo de estar por detrás de
um atentado em Inglaterra que vitimou um ex-espião russo e a filha. Convenceu
mais de 30 países, a começar nos Estados Unidos da América, a expulsar 150
diplomatas russos. Putin retaliou e mandou embora da Rússia uns 60 diplomatas
de 23 países.
Putin talvez esteja por detrás do
envenenamento de Sergei Skripal, não sei, mas, sendo um político experiente,
bastante melhor do que a maior parte dos líderes ocidentais com quem se
confrontou em 20 anos, suscita-me a pergunta: se autorizou esse assassínio, o
que é que pensava ganhar?... Ninguém, ainda, explicou algo que convencesse.
O governo português não foi na
onda, limitando-se a chamar o seu embaixador em Moscovo para consultas. Está a
ser acusado de trair os seus aliados e de não acreditar na palavra e nas
informações dos britânicos.
A Inglaterra e os EUA inventaram,
em 2003, as armas químicas de Saddam e puseram Durão Barroso, então
primeiro-ministro português, a ser padrinho de uma cimeira que decidiu a
invasão ao Iraque: em 10 anos essa mentira causaria meio milhão de mortos.
Com este antecedente acho que o
governo português tem o direito e o dever de exigir dos seus aliados, antes de
se meter em novos conflitos, muito mais do que aquilo que foi, até agora,
mostrado no caso Skripal... É o mínimo.
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