Arrogante e injustificada,
ruptura do acordo com o Irã tensiona ainda mais cenário internacional já
conturbado. Mas, ao querer tudo, Washington pode isolar-se
Philippe Leymarie | Outras Palavras | Tradução: Inês Castilho
É preciso compreender esse
infeliz presidente Trump. Uma lei adotada durante o governo de Barack Obama
(mas sob pressão republicana) obriga o executivo norte-americano a confirmar, a
cada três meses, a assinatura do acordo sobre a desnuclearização militar do Irã
– o Plano de Ação Integral Conjunto (JCPoA – Joint Comprehensive Plan of
Action, em inglês) –, “certificando” que está suficientemente bem implementado,
para que Washington retome a rodada: uma abordagem que enfurece o presidente
norte-americano. Sente-se ridicularizado, ele que não parou, desde sua nomeação
em novembro de 2016, de qualificar esse acordo como “catastrófico”, “injusto”,
“podre”, “perigoso” e outras cortesias. Trump deu até o próximo 12 de maio aos
europeus, e portanto a Emmanuel Macron, para encontrar um novo texto que
preencha o que ele chama de “as terríveis lacunas” do acordo atual.
A despeito de toda simpatia que
possa sentir por seu incrível amigo francês, o presidente Trump procura
sobretudo – com a cumplicidade interesseira do primeiro-ministro israelense
Benyamin Netanyahu – dinamitar o acordo alcançado em 14 de julho de 2015 em
Viena por Barack Obama, após dois anos de difíceis negociações desenvolvidas
pelo Irã com os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança, reforçados
pela Alemanha. Em troca da suspensão, até 2025, do programa militar de pesquisa
nuclear e do controle internacional, ele eliminou gradualmente as sanções
econômicas norte-americanas e internacionais que foram impostas ao regime dos
mulás a partir de 1995 [1]. Um acordo que o general Gadi Eizenkot, chefe do
estado-maior do Exército israelense, considerou no final de março, em
entrevista ao diário Haaretz, que, “apesar de todas as suas falhas
funciona e adia de dez a quinze anos a concretização da perspectiva nuclear
iraniana [2]”.
Quadradura do círculo
É pouco provável que Donald Trump
se importe muito com o sonho de Emmanuel Macron, expresso novamente durante sua
estridente “visita de Estado” a Washington, no final de abril. Trata-se, para
contornar por cima o obstáculo Trump, de substituir esse texto, provavelmente
“rasgado” por Washington, por um acordo mais amplo, que englobe quatro
objetivos: bloquear qualquer atividade nuclear iraniana até 2025, como se
planeja atualmente, mas também prevenir a longo prazo novas atividades
militares nucleares, deter os testes balísticos do Irã e criar condições para a
estabilidade política na região (em especial forçando o Irã a desistir de
engajar-se mais ou menos diretamente nos conflitos do Oriente Médio). Dito de
outra forma, a quadradura do círculo!
Ao mesmo tempo, Donald Trump
prepara-se – graças ao convite do número um norte-coreano para encontrá-lo –
para requisitar, deste outro candidato à nuclearização que é o regime de
Pyongyang, que abandone suas armas. “Ele que se livre delas: é muito simples!”,
respondeu Donald Trump na entrevista coletiva com Emmanuel Macron, em 24 de
abril, em Washington. Um tema que poderia ser tratado com mais sutileza: há
quase 25 anos, o projeto nuclear da Coreia do Norte já era anunciado para os
norte-americanos como uma espécie de “mãe de todas as batalhas”, como bem escreveu
Ignacio Ramonet. Ainda que hoje o balão pareça esvaziar-se de uma vez.
Então, simples assim? Resta ver a
prática, tanto para a Coreia quanto para o Irã. Mas o maior Estado nuclearizado
do planeta, guiado por uma espécie de neo-Dr. Fantástico [3], ocupará
eternamente a posição de decidir quem pode e quem não pode fazer parte do clube
nuclear autorizado. Ou de escolher quem será admitido ao menos para juntar-se
às fileiras do “países limítrofes” — candidatos à bomba, mas convidados a
esperar –, para não falar daqueles a quem se atribui capacidade nuclear sem
prestar contas a ninguém (como Paquistão ou Israel, por sinal bons aliados de
Washington).
Pior cenário
Acima de tudo, porém, em que
estado Trump deixará, com esses ímpetos recorrentes, a paisagem nuclear,
enquanto a China, a Índia e mesmo o Japão preparam suas armas e a Rússia começa
a sonhar com um retorno à supremacia nuclear? Se olharmos para o pior cenário
possível, as prováveis consequências de uma saída norte-americana – e portanto
provável morte do acordo de 2015 – são pesadas:
• radicalização interna no Irã,
com o fortalecimento do campo dos “duros”, hostis à abertura para o mundo, como
o ex-presidente Mahmoud Ahmadinejad;
• retomada das sanções econômicas
dos EUA, agora impostas a todas as empresas estrangeiras que desejam investir
no Irã, em nome de um “princípio de extraterritorialidade” praticado por
Washington [4];
• portas fechadas para inspeções
da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA);
• retomada do programa de
pesquisa nuclear militar iraniano, que acabaria dispondo da bomba;
• um sinal negativo enviado
poucos dias antes da cúpula destinada a convencer a Coreia do Norte a renunciar
a suas armas atômicas;
• um abalo adicional do regime de
não-proliferação nuclear, que já se encontra em estado preocupante.
Índia, Paquistão e Israel,
não-membros do tratado de não-proliferação (TNP), assim como a Coreia do Norte
(que o abandonou em 2003) desenvolveram armas nucleares. O Irã sonhava com
isso, e se Teerã chegar lá um dia, a Arábia Saudita ou a Turquia, por sua vez,
também poderão sentir-se tentadas a chegar.
Por seu lado, os membros
permanentes do clube nuclear “autorizado” – Estados Unidos, Rússia, China,
França, Grã Bretanha – estão menos inclinados que nunca a renunciar ao
monopólio que lhes confere o TNP [5]. Além disso, esses países estão envolvidos
no processo de modernização de seus arsenais nucleares, começando pelo primeiro
deles – os Estados Unidos – que planejou investir 1,3 trilhões de euros (cerca
de 5,65 trilhões de reais) ao longo de trinta anos [6].
Os armários do mágico
O espetáculo da dpla
Trump-Netanyahou, no final de abril, derrotou todo otimismo. Qual um mágico, o
primeiro ministro israelense “abriu” armários de documentos, supostamente
provando que o Irã permaneceu envolvido na pesquisa de armas nucleares, durante
uma coletiva de imprensa em forma de show, convenientemente “encaixada” dias
antes do ultimato do presidente norte-americano.
São legações julgadas “autênticas”
pelo novo chefe da diplomacia americana, Mike Pompeo, ex-diretor da CIA, mas
contestadas pelo Irã e sobretudo pela Agência Internacional de Energia Atômica
(AIEA), que considera que o acordo de 2015 está sendo aplicado corretamente, e
reafirma não ter “nenhuma indicação merecedora de crédito sobre atividades no
Irã ligadas ao desenvolvimento de um dispositivo nuclear depois de 2009”.
Referências
[1] Essa decisão será finalmente
anunciada em algumas horas, nesta terça-feira 8 de maio às 20 horas, hora
francesa.
Sa décision sera finalement annoncée dans quelques heures, ce mardi 8 mai à 20 heures, heure française.
Sa décision sera finalement annoncée dans quelques heures, ce mardi 8 mai à 20 heures, heure française.
[2] Um embargo interditando todo
o comércio com o Irã foi colocado em prática em maio de 1995 pelos Estados
Unidos, completado em 1996, depois em 2004 e 2006 por leis limitando os
investimentos no setor petroleiro, a cooperação científica, o comércio de
equipamentos aeronáuticos, as operações de bancos norte-americanos. Em
2006-2007, as Nações Unidas e a União Europeia editaram um embargo sobre os
armamentos. Leia Trita Parsi, « Entre
les États-Unis et l’Iran, une relation tempétueuse», março 2015.
[3] Le Monde, 3 maio 2018.
[4] Dr. Fantástico ou: como
aprendi a parar de me preocupar e amar a bomba, filme satírico de Stanley
Kubrick sobre a “guerra fria”, lançado em 1964.
[5] Leia Jean-Michel
Quatrepoint Au
nom de la loi… américaine, Le Monde Diplomatique, janeiro de
2017.
[6] Com entrada em vigor em 1968,
o TNP previa compromisso de desarmamento nuclear (total ou parcial), na
não-proliferação (não-transmissão controlada pela AIEA) e na cooperação sobre
usos pacíficos da energia nuclear.
[7] Um plano de modernização
lançado sob Barack Obama e confirmado por Donald Trump.
[8] A quase totalidade dos
documentos apresentados pelo primeiro ministro israelense faz referência a um
programa militar clandestino batisado de “Amad”, desmantelado em 2003.
[9] Le Monde, 3 maio 2018.
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