Já dizia o ditado que «enquanto
uns batem o mato, os outros apanham a caça». Assim tenta fazer o PSD,
procurando «caçar» os mais incautos no seu discurso oportunista e colher os
louros de uma luta que nunca foi sua.
Diana Simões | AbrilAbril | opinião
Ao contrário de outros partidos
(como o PCP e os Verdes), o PSD nunca «bateu o mato», só «bateu» nas famílias e
nos seus direitos impondo recuos e condicionalismos que vieram limitar o
direito destas a decidirem de forma consciente, livre e responsável sobre a
forma e o momento de terem filhos.
Há alguns dias, o jornal Expresso publicou
um artigo que visava comparar o que os vários Governos fizeram em prol da
natalidade. Para tal recuou ao Governo de Durão Barroso (2002-2004) e foi
seguindo a sua análise em quatro categorias: igualdade de género e licença
parental; conciliação entre trabalho e família; aposta em creches e outros
equipamentos; apoios financeiros.
Acontece que, quem lê este artigo
sem conhecer o contexto e a realidade, ainda que de forma geral, fica com ideia
que foi sempre a «somar», dado que em momento algum se coloca aquilo que foi
retirado em matéria de direitos e apoios, além de se desculpar os vários
Governos com a conjuntura económica vivida na época.
Afirma-se neste artigo que «o PSD
tomou a dianteira e propôs um generoso pacote de incentivos às famílias com
filhos». Sabemos que este pacote não é assim tão generoso e bem-intencionado
(até porque «quando a esmola é demais, ...). Já lá iremos.
O documento do PSD, além da
proposta de acabar com o abono de família substituindo-o por uma prestação
anual de valor fixo, sem diferenciação do rendimento do agregado familiar,
propõe mais quatro medidas-chave em matéria de licenças e de equipamentos de
apoio à infância: o alargamento da licença de maternidade/paternidade até às 26
semanas; o alargamento da licença obrigatória da mãe de seis para 13
semanas; a gratuitidade da frequência de creches e jardins-de-infância até aos
seis anos; e, por fim, a atribuição de incentivos e apoios às empresas que
criem equipamentos próprios de apoio à infância.
1. A respeito das licenças de
maternidade e paternidade, o PSD vem propor o seu alargamento até às 26 semanas
(182 dias), devendo a mãe gozar obrigatoriamente 13 dessas semanas (91 dias) e
podendo o restante tempo ser partilhado entre os progenitores. Propõe ainda a
possibilidade de alargamento da licença até um ano, sem qualquer pagamento
adicional.
Ora, vamos por partes:
Actualmente, o desenho das
licenças de maternidade e paternidade permite várias soluções. No caso da
licença não ser partilhada, é possível gozar 120 dias pagos a 100% ou 150 dias
pagos a 80%. No caso de ser partilhada, é possível gozar 150 dias pagos a 100%
ou 180 dias pagos a 83%. Em qualquer dos casos, 42 dias são obrigatoriamente
gozados pela mãe imediatamente a seguir ao parto.
No que toca ao subsídio parental
inicial exclusivo do pai, este incorpora 15 dias úteis obrigatórios e
dez dias úteis facultativos, gozados durante o período em que é atribuído
o subsídio parental inicial da mãe.
O quadro que se segue ajuda a
sintetizar as modulações possíveis, sendo que se considera como licença
partilhada a situação em que cada um dos pais goza, em exclusivo, um período de
30 dias seguidos ou dois períodos de 15 dias seguidos, após o período
obrigatório da mãe.
É ainda possível alargar a
licença por um período de três meses com pagamento a 25%. Este subsídio
parental alargado pode ser requerido por qualquer um dos progenitores e pode
ser gozado por ambos, desde que em separado – o que no limite pode levar a um
alargamento da licença por mais seis meses.
O que o PSD propõe é, no
fundamental:
Alargar a licença
maternidade/paternidade até um máximo de 182 dias, pagos a 100%,
independentemente da partilha da licença, e estender a licença obrigatória da
mãe de 42 para 91 dias o que, em relação ao que vigora actualmente, seria de
facto uma melhoria.
Porém, findos estes 182 dias, o
PSD propõe a possibilidade de estender a licença até um ano (mais
seis meses), mas sem direito a pagamento adicional. Dizem eles «para
que os pais/mães que assim o desejem possam acompanhar o primeiro ano de vida
dos seus filhos».
Esta afirmação é uma falácia,
facilmente posta a descoberto por qualquer trabalhador que com ela se
confronte, pois fica evidente para todos aqueles que vivem do seu salário que
não se trata de uma opção – não é para quem quer, é mesmo para quem pode!
É para quem pode dar-se ao luxo
de abdicar de seis meses de salário, luxo com o qual a grande maioria dos
trabalhadores portugueses não pode sequer sonhar.
Esta proposta do PSD não constitui uma opção mas sim, na prática, uma ofensa aos trabalhadores que não têm outro remédio que não optar pelo salário – e não é por terem menos vontade de estar com os seus filhos e acompanhar o seu desenvolvimento, mas pelos resultados de dezenas de anos de políticas de direita assentes na desvalorização da família e da negação da função social da maternidade e da paternidade.
Todos os pais querem acompanhar a
vida dos filhos (no primeiro ano e nos outros) o melhor possível, mas para a
classe trabalhadora essa opção está dependente de mecanismos que não importem
redução dos já curtos ganhos mensais – por exemplo, através do prolongamento da
licença paga ou de mecanismos de redução ou concentração do horário de trabalho
sem corte de remuneração.
No entanto, também aqui o PSD vem
dar com uma mão e tirar com outra, pois ao mesmo tempo que alarga o período de
licença paga, prevê a substituição do subsídio parental alargado (pago a 25%)
por uma licença sem pagamento.
Na verdade, parece que o PSD quer
escrever a sua história em matéria de politicas de incentivo à natalidade e de
apoio à família numa folha em branco, procurando varrer para debaixo do tapete
páginas e páginas de um passado em que, enquanto Governo ou no quadro
parlamentar, executaram o seu desígnio ideológico de retirada de direitos,
destruição de serviços públicos e afundamento económico do país.
Por diversas vezes o PSD veio
chumbar propostas de alargamento das licenças de maternidade e paternidade
(designadamente apresentadas pelo PCP e pelo Partido Ecologista os Verdes)
afirmando que se tratavam de propostas irresponsáveis, irrealistas e pouco
ponderadas, que apoiar não implicava apoiar economicamente e que se deveria era
aprofundar a «responsabilidade social» das empresas.
Acusaram mesmo estes partidos de
estarem a enveredar pela «promessa irrealista de medidas que não podem ser
acauteladas, de reposição de subsídio, porque essa matéria é muito mais
complexa do que isso».
Quem os viu e quem os vê
Quem os viu em 2015 a afirmar
«assim que for possível, facilitar a vida familiar, promovendo a flexibilidade
dos horários, dos equipamentos, das creches, alterar o padrão de rigidez das
empresas no que toca a horários, educar para uma equitativa repartição de
tarefas na estrutura familiar e promover medidas que não penalizem – isto é
importante –, que não penalizem as mulheres na sua carreira profissional» e
quem os vê agora, em 2018, a enveredar pelo caminho da responsabilização das
famílias e, em especial das mulheres, pela baixa da natalidade (e para o
comprovar basta ver que propõem o alargamento da licença para a mãe mas não
para o pai, alargando particularmente a licença obrigatória em detrimento da
facultativa).
Não podemos esquecer que, até bem
recentemente, uma das principais propostas do PSD para a promoção da natalidade
era a introdução da meia jornada (na função pública) – trabalhar metade do
tempo e receber 60% do salário.
Como se a redução dos salários já
curtos dos trabalhadores – e com grande responsabilidade deste mesmo PSD
– contribuísse de alguma forma para a estabilidade das famílias e como se
o trabalho a tempo parcial não fosse amplamente reconhecido como um factor de
empobrecimento dos trabalhadores.
Para o PSD tudo se resolve, no
final, pela «opção» entre o salário e a família – opção que os trabalhadores
não têm, justamente porque precisam do salário para ter família!
2. Mas a proposta avançada pelo
documento apresentado por Rui Rio não se fica por aqui, avançando propostas no
sentido do estabelecimento da gratuitidade da frequência dos estabelecimentos
de apoio à infância (entre os zero e os seis anos) das redes pública e
solidária, mas sem incluir alimentação, transportes, complementos horários ou
outros serviços, bem como a criação de uma linha de financiamento às empresas
que invistam na abertura de creches/jardins-de-infância junto a uma área empresarial.
É caso para dizer, saudamos
a «boa» intenção, mas sabemos que delas está o inferno cheio. Todos
podemos concordar com importância da criação de uma rede pública de creches e
outros equipamentos de apoio à infância, com qualidade e acessível às famílias
como elemento determinante para garantir o superior interesse das crianças e o
seu direito a desenvolvimento livre e integral.
É fundamental uma aposta séria
nesta rede pública, respeitando os aspectos próprios do desenvolvimento de cada
região, sem prejuízo da complementaridade das instituições de solidariedade
social e do sector privado.
Não deixa de ser curioso que o
PSD venha agora badalar com a gratuitidade das creches e jardins-de-infância,
quando o anterior Governo PSD/CDS avançou num processo de privatização dos
equipamentos para a infância por todo o país, empurrando as famílias para as
entidades privadas, com mensalidades incomportáveis, correspondendo ao desígnio
ideológico de desresponsabilização do Estado e de privatização de serviços
públicos essenciais para os entregar à exploração privada (e dos compadrios a
que servem!).
No que toca à linha de
financiamento às empresas para a criação de equipamentos de apoio à infância, é
mais do mesmo – dar dinheiro às empresas para que se substituam ao Estado nos
seus deveres essenciais, ao mesmo tempo que criam condições para amarrar ainda
mais os trabalhadores à exploração do patronato.
Não precisamos de ser nós a
dizê-lo, uma vez que é o próprio documento que o reconhece ao afirmar que «os
benefícios indiretos do que pode ser um grande investimento surgem a nível de
melhorias no desempenho e menor absentismo dos colaboradores».
Num país em que o patronato e
chefias (do sector público e privado) continuam a pressionar os trabalhadores
para não exercerem os seus direitos de maternidade e paternidade livremente,
sujeitando-os a chantagens e pressões e intimidações várias, o PSD acha que
salvação está na consciência social das empresas.
Num país em que continuam a ser
ilegalmente despedidas mulheres grávidas, puérperas e lactantes, em que nas
entrevistas de emprego são questionadas se têm filhos ou se estão a pensar ter
e em que se lhes propõe que esguichem leite para provarem poder continuar a ter
redução do horário para amamentação, o PSD aposta na «criação de um
relacionamento com as empresas que de forma responsável cooperem na criação de
emprego com garantias, igualdade e atitude facilitadora de um saudável e
produtivo equilíbrio entre vida familiar e atividade profissional».
Dir-se-ia que vivemos em países
diferentes, mas é tão só revelador que ao PSD falta contactar com as massas de
trabalhadores, viver no país real de quem trabalha e confrontar-se com as lutas
diárias das famílias portuguesas.
Finalmente, fica o repto para que
o PSD passe das palavras aos actos, deixe o mediatismo político de parte e
aprove o projecto de lei apresentado pelo PCP e que está em discussão na
especialidade na Assembleia da República.
Este projecto propõe o
alargamento da licença de maternidade obrigatória de seis para nove semanas,
da licença obrigatória do pai de 15 para 30 dias, bem como o alargamento da
licença de maternidade até 180 dias, pagos a 100% e da licença de paternidade
até 60 dias.
Esta iniciativa garante ainda a
decisão livre do casal sobre o período e forma de gozo de licença, garantindo
sempre o seu pagamento a 100%, o pagamento do subsídio de gravidez por riscos
específicos a 100% e criação de uma licença específica de prematuridade ou de
internamento hospitalar do recém-nascido, adicional à licença de maternidade/paternidade
(também paga a 100%).
O PSD tem aqui uma oportunidade
impar de pôr o oportunismo de lado e fazer algo de positivo pelas famílias
deste país em vez de chorar lágrimas de crocodilo pela baixa natalidade.
Veremos, mais uma vez, com quem
alinharão –se ao lado dos trabalhadores e das suas famílias, se ao lado do
patronato e do capital – porque conversa não cozinha arroz.
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