Em Portugal, soam agora os sinos
da velha Roma. Um desespero lancinante percorre a comunicação social. O
desatino é total. Nada era como imaginaram.
Agostinho Lopes | AbrilAbril |
opinião
Como é fácil pôr uma venda nos
olhos, para não ver. Difícil mesmo é ir à raiz dos problemas. São
estonteantes as circunvoluções, os volteios e rodeios, com que se pretende
explicar a situação política em Itália, o Brexit, a eleição de Trump, e tutti
quanti apareça que bata de frente com as certezas axiomáticas do
neoliberalismo e do fim da história, com o capitalismo, doxa para uns, santo
graal para outros!
São os populismos. É a subida da
extrema-direita, dos (neo)fascismos. São as derrocadas da social-democracia e
dos seus partidos. É a desadequação, não aggiornamento dos partidos
tradicionais.
É a «maluqueira» do Trump. São
(novamente) os russos (parece que sem «comunismo») e às vezes os chineses. É
esta coisa esquisita de que os Estados, as grandes potências, da «Civilização
Ocidental», santos sepulcros da democracia, observadores natos e NATO da
legitimidade das eleições nos países atrasados e suspeitos de infidelidades
democráticas, terem agora as suas próprias eleições perturbadas, violadas,
decididas pelos russos, via o instrumental de poderosas multinacionais nascidas
e mantidas nos EUA!
Escândalo! Foi assim que terá
acontecido o Brexit, a eleição do Trump, as perdas da democracia cristã de
Merkel, o tufão do Macron, varrendo PSF e a direita gaullista, de Chirac e
Sarkozy, e etc.. É a globalização. São as novas tecnologias. É pau, é pedra,
são as águas (sujas) da crise do capitalismo, atrapalhando o caminho…
Navegar na crista da onda,
navegar à vista da costa dá jeito, mas pode não permitir sondar os leixões ou
enxergar o icebergue. Repare-se onde isto chegou. Depois de décadas de Consenso
de Washington, de que a liberalização do comércio mundial era um pilar; da
difícil imposição da OMC, que era a salvação dos aflitos, dos ricos e dos
pobres; da inscrição desse santo princípio do livre mercado e pura concorrência
nos Tratados da União Europeia (UE), que nenhuma soberania devia
afrontar; do massacre imperialista dos acordos de livre comércio, até
convencendo quem não devia ser convencido, eis que da pioneira e primeiro
violino do comércio livre surge esta coisa inominável a pôr em causa o santo
princípio: taxas aduaneiras e quotas e diferenciações de países, este sim e
aquele não! Blasfémia! Este mundo está perdido.
E quando tudo parecia estar a ser
resolvido na UE e na Zona Euro, Brexit quase digerido, com
ingleses fora, muito cá por dentro; depois da digestão difícil da Grécia; de
Portugal com uma estranha governança, suportada por radicais de esquerda;
ultrapassada a histérica da Le Pen por um fiel europeísta; vencidas (mas não
convencidas com mais uma cambalhota social-democrata e subida ao céu da
extrema-direita) as eleições alemãs; os refugiados entregues aos turcos e uma
rasteira animação económica, os italianos resolvem estragar tudo (e os
espanhóis também a causar alguma «instabilidade», que é coisa de que os
mercados não gostam).
É pá, os italianos a estragar
tudo. É certo que há umas complicaçõesitas lá para leste, Hungria, Polónia,
Áustria, etc., mas é tudo gente amiga da UE. Mas agora esta dos italianos darem
a maioria a italianos que estão contra o euro e a Europa, não lembra ao diabo!
Até querem descontos na dívida ao
BCE, calcule-se. Logo depois de termos tido tanta fé naquele jovem Renzi, que
era do Partido Democrático, mas moderno, amigo da Europa, ideias arejadas. Mas
teve a infeliz ideia de fazer um referendo, que é a pior coisa que se pode
fazer na UE, pois como diz o nosso Presidente Juncker, os votos nada podem
contra as regras europeias… ou contra os mercados, como diz outro, o Comissário
europeu do Orçamento, o alemão Gunther Oettinger: «Os mercados vão ensinar a
Itália a votar correctamente»1.
Aliás, é obrigatório, consta da
tradição comunitária, repetir as votações até acertar os votos com o que eles
dizem ser a Europa. Isto está mesmo complicado.
Em Portugal, soam agora os sinos
da velha Roma. Um desespero lancinante percorre a comunicação social. O
desatino é total. Nada era como imaginaram. «Tempestade perfeita em Itália» (J.
Brandão de Brito, Jornal de Negócios, 12MAI18).
«Uma Itália à moda de Putin e
Trump» (J. Almeida Fernandes, 19MAI18). «Finalmente um tiro no porta-aviões»
(Teresa de Sousa, Público 20MAI18). «Não vale a pena ter
ilusões» (Teresa de Sousa 22MAI18). «Mercados e UE em modo pânico», titula o Público (30MAI18).
«Itália é a maior ameaça ao Euro desde a sua criação» (Seixas da Costa, Jornal Económico,
29MAI18).
«Pobre Europa! (…) E agora para
acabar, a Itália entregue a um louco fascista e a um
partido "anti-sistema" e ambos anti-Europa. Mas qual
sistema? E anti-Europa? Mas qual Europa? Restará pedra sobre pedra do que
outrora chamámos sistema democrático e União Europeia? Chora Angela Merkel.»
(Miguel Sousa Tavares, Expresso, 2JUN18).
«A crise da UE é a das
democracias nacionais» (David Dinis, Editorial, Público, 2JUN18). «Itália
– parece um filme de Fellini»; «Tudo isto é kafkiano»; «Outro pesadelo para a
Europa» (Marques Mendes, Jornal de Negócios, 4JUN18). Personalidades
estrangeiras invocam na imprensa portuguesa Weimar («10 lições de Weimar» –
Harold James, Jornal de Negócios, 22MAI18; «A Itália mostra o caminho para
a morte da democracia liberal» (Wolfgang Münchau, Diário de Notícias,
21MAI18). Um sufoco!
«Como salvar a Europa», perora
pesaroso George Soros (Jornal de Negócios, 29MAI18)! «A situação política
italiana revela os custos do adiamento da conclusão da UEM e as fragilidades a
que a zona euro se expõe» (António Costa, aquando da recente visita de Merkel a
Portugal). «A União Europeia foi deixada a meio» (Francesco Franco, Prof UNL, Expresso 26MAI).
«O que vai desagregar a zona euro é a falta de reformas, não a Itália»
(Wolfgang Münchau, Diário de Notícias, 4JUN18).
Há os que se apegam a S. Macron e
à St.ª Merkel. Assim o espera Teresa de Sousa, para quem «A chanceler
não quer que a Alemanha seja olhada como o mau da fita», e por isso «Os dois
líderes têm um encontro marcado no dia 19 para finalizar uma proposta comum»,
para impor ao Conselho Europeu de 28 e 29 de Junho (Público, 5JUN18).
Acha que sim Maria João
Rodrigues (vice-presidente do grupo dos Socialistas e Sociais-Democratas do PE, Público 30MAI18),
a chanceler «Ou aceita concretizar um compromisso com a família socialista e
social-democrata, visando uma reforma que permita relançar a zona euro com
perspectiva de futuro e coesão, ou corre o risco de ver deflagrar forças
anti-zona euro e anti-europeias como as que vemos emergir em Itália – e por
toda a Europa – e que se têm reforçado».
E, naturalmente, o
primeiro-ministro António Costa, passeando no país de braço dado com
Angela Merkel para ajudar «a construir consensos que permitam à UE vencer os
desafios com que se confronta, da política de migrações à conclusão da UEM»
(Público, 30MAI18).
Mas o mais esdrúxulo disto tudo é
que, em Portugal, o PS e seu Secretário-Geral tenham conseguido fazer o
22.º Congresso no recente fim-de-semana 25/26/27 de Maio, e não tenham abordado
nenhuma destas questões. Nem crise italiana, nem euro, nem União Europeia.
Grande mistério!
Ainda não deram por nada. Há uma
crise sistémica profunda do sistema capitalista, roído pelas contradições e
antagonismos do movimento do capital. Pelas guerras e disputas imperialistas.
Pela competição aguda e brutal do capital transnacional e financeiro. Que
estrebucham e não gostam de quem lhes faz frente.
Com expressão no movimento das
placas tectónicas da geopolítica, onde as principais potências capitalistas
fazem torções e movimentos como o funâmbulo na corda. Procuram a salvação no
seu equilíbrio e no desequilíbrio das potências opositoras. Isto é, só não as
atiram abaixo da corda se não puderem… sacudindo-as para o vazio.
Uma crise na UE (e na Zona Euro),
cantada construção do sistema capitalista, que agora é sacudida por erupções e
abalos telúricos político-económicos, sociais e culturais. A crise italiana
(como o Brexit, e etc…) é só mais um epifenómeno da crise da UE e da Zona Euro!
E não vai lá com aspirina…
Esta gente é tal e qual cinema de
animação! O herói ou o vilão, já não tem terreno, solo, soalho, degrau debaixo
dos pés. Só quando olha para o abismo é que se precipita…fiuuuuuuuuuuuuu…Puum!
Som onomatopeico à escolha. O pequeno problema é que costumam arrastar-nos com
eles… para o abismo.
Foto: Giuseppe Conte,
primeiro-ministro de Itália, ladeado pelos ministros com Alfonso Bonafede e Riccardo
Fraccaro CréditosEttore Ferrari / EPA
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