Paulo Baldaia | Jornal de Notícias
| opinião
As relações entre os partidos que
assinaram acordos no Parlamento para viabilizar o Governo do PS estão no
período mais tenso da sua curta história. Não é por causa do Bloco de Esquerda,
que tem decidido aprovar o Orçamento para 2019 por mais discordâncias que tenha
ou venha a ter com o Partido Socialista. Nem pelo PEV que só existe nesta
equação para, por exemplo, votar a favor da eutanásia, quando o PCP vota
contra. O que faz perigar a "geringonça" é o facto de o Partido
Comunista estar genuinamente incomodado com o andamento das coisas. António
Costa e Marcelo Rebelo de Sousa podem já ter decidido que haverá eleições
antecipadas se não houver Orçamento do Estado aprovado, mas não podem
responsabilizar antecipadamente o PCP pela eventualidade de os comunistas não
concordarem com o documento que o Governo vai levar ao Parlamento. Nem Marcelo,
quando era líder do PSD, passava cheques em branco ao PS de Guterres, porque
haveria Jerónimo de Sousa de o fazer com António Costa?
Vão, ainda assim, os comunistas
votar contra o próximo Orçamento? É pouco provável, mas esse cenário estará
sempre mais perto de acontecer quanto mais forte for a ideia de que aos
comunistas não resta outra alternativa senão aprovar o sacrossanto documento.
Pela história do Partido Comunista Português, pela resistência na ditadura e
pela resistência na democracia que varreu partidos congéneres em toda a Europa,
se percebe que é um erro querer levar o PCP pela trela até às próximas eleições
legislativas. O que pretende o presidente da República ao convocar todos os
partidos para "as decisões difíceis" a que estamos obrigados pelo
"momento difícil" que se vive na Europa? Poderia ser um apelo ao PSD
e ao CDS (partidos europeístas) para darem a mão ao Governo se lhe faltar um
parceiro à Esquerda, mas não é. É mesmo um aviso ao PCP.
Esta ameaça, de responsabilizar o
Partido Comunista por não fazer o que a Europa precisa e quer que se faça, é
vista por Jerónimo de Sousa como um desabafo presidencial. Mas é igualmente
combustível para o caminho de demarcação que os comunistas sentem ser
necessário fazer, antecipando um ano eleitoral. Não é, apenas, o Orçamento que
só agora começa a ser discutido e para o qual o primeiro-ministro já disse não
haver dinheiro para fazer a contagem de todo o tempo em que a carreira dos
professores esteve congelada, por exemplo. Isso, é claro, divide a Esquerda,
mas há muito mais do que matéria orçamental a incomodar o PCP.
A CGTP queria a reversão de
muitas medidas aprovadas durante a troika e agora o que temos, assinado na
Concertação Social sem o apoio da CGTP, é um acordo em matéria laboral que os
comunistas dizem ser "com os mesmos do costume" e que o PSD admite
votar favoravelmente no Parlamento. O PCP ainda é o partido do povo e dos
trabalhadores, dos que segura os votos que noutras paragens engrossam as
fileiras de partidos antissistema e da Direita radical e xenófoba. Não tem
preocupações com o eleitorado burguês das grandes cidades, que se vê moderno e
de Esquerda mas vota Bloco ou, quando muito, vota PS. Há um eleitorado à
Esquerda que não trabalha na Função Pública, nem vive das artes diversas com
que se faz vida nas grandes cidades. Há um eleitorado de Esquerda que habita na
periferia dessas grandes cidades, que gasta tanto tempo na viagem de ida e
volta entre a casa e o emprego como gasta a trabalhar e que vive com o ordenado
mínimo ou pouco mais. A estes, o crescimento económico tarda sempre em chegar.
A este povo não incomoda a instabilidade política, nem os perigos que espreitam
da Europa. Muito deste eleitorado votava no PCP e fugiu-lhe nas autárquicas.
Querer assustar Jerónimo e os seus camaradas com o que lhes pode acontecer se o
Governo cair é pedir-lhes para levar o escorpião de boleia na travessia do rio.
O melhor mesmo é atender às razões do PCP e negociar o Orçamento e o código
laboral. A não ser que haja mesmo quem queira eleições antecipadas. E não é o
PCP!
*Jornalista
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