A sueca Elin Ersson, que chamou
atenção ao tentar impedir a deportação de um afegão, não foi a primeira a
embarcar num avião para protestar. Em contato com centros de deportação,
ativistas se organizam via internet.
Os ativistas antideportação
costumam se comunicar via Facebook. Na última segunda-feira (23/07) um evento
foi marcado na plataforma, intitulado "Impedir deportação de Gotemburgo
para Afeganistão" e no qual 79 usuários clicaram em "interessado"
e 13 em "participar". Entre estes, estava a sueca Elin Ersson, que
impediu a suposta repatriação do afegão Ismael Khawari.
O vídeo em que a estudante e
ativista de 21 anos mostra como evitou a decolagem de um voo da Turkish
Airlines da cidade sueca para Istambul atraiu atenção por todo o mundo. Também
a Deutsche Welle divulgou trechos, atraindo mais de 10 milhões de cliques
em dois dias.
O que Ersson documentou se baseia
em suas próprias afirmações, não há relatos de testemunhas oculares, e a
companhia aérea não atendeu ao pedido de declarações sobre os acontecimentos a
bordo.
Ersson participa de uma rede
informal de ativistas, reunindo organizações de maior e menor porte da Suécia e
de toda a Europa, como a Ecada (acrônimo em inglês para "Cidadãos Europeus
contra a Deportação para o Afeganistão"). Não existe um órgão supervisor.
Por vezes formam-se grupos no
Facebook em que os ativistas se conectam, como, por exemplo o Don't send
Afghans back – a platform for positive action. Outras vezes amigos e conhecidos
se reúnem com a intenção de atuar politicamente. O que os une é a repulsa ao
repatriamento para o Afeganistão de requerentes de asilo rejeitados – como fez
a Suécia 415 vezes em 2017.
Não é um caso isolado
O vídeo de Ersson foi assistido
milhões de vezes e compartilhado centenas de milhares, por ser emocionante e
perturbador, mostrando uma jovem estressada fazendo algo que muitos à sua volta
condenam. No entanto, ela não foi a primeira a evitar uma deportação
recusando-se a tomar seu assento.
Pouco menos de uma semana antes,
em 17 de julho, Eva Märta Granqvist embarcara num avião que transportaria um
homem para o Afeganistão, após escala em Istambul. Segundo relatou à DW, ela
comprou uma passagem, juntamente com outra ativista, e embarcou em Copenhague,
na Dinamarca.
O rapaz de 19 anos que deveria
ser extraditado encontrava-se nos últimos assentos da aeronave, acompanhado de
pessoal de segurança. "Fomos para a parte de trás e o ouvimos chorar. Nós
o conhecíamos de fotos e conseguimos reconhecê-lo."
A ação despertou curiosidade,
outros passageiros se levantaram para saber o que estava acontecendo. Após
cerca de dez minutos, o piloto decidiu não transportar o afegão, pois o avião
não poderia levantar voo com diversos passageiros de pé.
O repatriamento foi
temporariamente impedido, o jovem afegão pôde deixar a aeronave. Segundo
Granqvist, ele se encontra novamente num centro para deportação. Jornais
suecos noticiaram o caso, e as ativistas publicaram um vídeo do ato de protesto
no Youtube.
"Deus abençoe seu grande
coração"
Granqvist conta como os ativistas
se organizam para impedir voos de repatriamento: "Estamos em contato
diário com as pessoas dos centros de deportação" e, assim que há
informações sobre o procedimento, o dinheiro para as passagens é coletado
dentro dos diversos grupos.
"Aí nós procuramos descobrir
de onde o voo parte. E então a questão é: quem pode estar no aeroporto dentro
de uma hora? Quem mora nas proximidades, quem tem o dinheiro coletado e um
passaporte?"
Nem sempre o plano vinga. Como no
caso de Ersson, que na verdade partira do princípio de que haveria dois
migrantes rejeitados a bordo. O outro, no entanto, fora colocado em outro voo,
fora do radar dos ativistas.
Por todo o mundo, muitos celebram
Ersson e Granqvist como heroínas. "Deus abençoe o seu grande coração, moça
incrível, corajosa", comentou uma usuária sob o vídeo de Ersson. Ou:
"Que garota valente!"
Porém, também há críticos que
condenam iniciativas como essas, acusando as ativistas de não quererem saber o
suficiente sobre aqueles pelos quais elas se engajam assim. "Era para ele
ser mandado para casa, e elas pensaram que as opiniões delas são mais
importantes do que as leis do país", lê-se num dos comentários.
"Se a gente for 'salvar'
todo mundo que está para ser deportado, em que caos o mundo iria se
transformar", critica outro usuário do Facebook, e pergunta: "O
motivo e a decisão pela deportação são super importantes. Então, qual é o
motivo?"
"Muita emoção e poucos
argumentos"
Até o momento não se sabe por que
Khawari estava sendo repatriado. Indagada pela DW, a polícia sueca, responsável
pelo procedimento, replicou que não se pronuncia sobre casos concretos.
Tampouco a própria Ersson
conhecia o afegão de 21 anos do qual tomou o partido. Mas para ela e seus
colegas ativistas os motivos são antes insignificantes: "Minha profunda
convicção é que ninguém deveria ser deportado para um país em guerra",
afirma.
O especialista em conflitos
Andreas Heinemann-Grüder vê esse posicionamento com olhos críticos. "A
senhora Ersson apresentou muitas emoções e não suficientes argumentos",
avalia. "Ela não sabia nada sobre o caso concreto. O afegão era um
elemento perigoso? Para onde ele iria ser deportado? Nem todas as regiões do
Afeganistão são de risco."
Heinemann-Grüder explica que
formas de protesto baseadas em poucos fatos podem produzir agitação emocional
imediata, mas também voltar a se dissipar rapidamente, pois lhes falta uma
espinha dorsal organizatória.
"Aqui é provável que Ersson
não vá alcançar as suas metas, pois pode ser muito rapidamente desacreditada
por sua falta de profissionalismo. A ação toda pode ser descartada como
'bom-mocismo'", afirma.
Transformar a sociedade
ativamente
A polícia sueca está investigando
se, com seu protesto, Ersson cometeu um delito penal. De resto, "esse é um
debate político, não temos nada a dizer a respeito", declarou um porta-voz
à DW.
De acordo com a agência de
notícias alemã dpa, a Procuradoria da Suécia confirmou nesta sexta-feira que
abriu uma investigação contra Ersson por suspeita de violação da regulamentação
aérea. "Se houver condenação, ela pode resultar em multa ou numa pena de
seis meses de prisão”, afirmou o porta-voz do órgão Robin Simonsson.
As críticas e uma eventual pena
provavelmente não vão fazer com que Ersson, Granqvist e os demais ativistas
parem de lutar por suas causas.
"Quero transformar a
sociedade através de cada uma de minhas ações", declarou Ersson numa
coletiva de imprensa nesta quinta-feira. "Democracias são os seres
humanos. E eu sou um ser humano", pontifica. Seus colegas ativistas já
planejaram as próximas ações através do Facebook.
Rahel Klein (av) | Deutsche Welle
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