O que hoje é extremo pode virar
apenas "verão" em algumas décadas no continente. Ondas de calor serão
cada vez mais frequentes. E cientistas não têm dúvida: há uma relação direta
com as mudanças climáticas.
Temperaturas recordes de até 39ºC
na Alemanha; incêndios florestais fora de controle na Suécia e outras regiões
tipicamente frias do norte europeu; e a eclosão, na Polônia, de algas tóxicas
no Mar Báltico, que está mais quente que o costume: a Europa está sufocando na
atual onda de calor do verão.
Com a continuidade das
temperaturas extremamente altas na maior parte da região, muitos andam se
perguntando se a culpa é das mudanças climáticas.
Cientistas dizem que sim.
"O aquecimento global, em
geral, mais que dobrou as chances de acontecer uma onda de calor como a
atual", diz Geert Jan van Oldenborgh, pesquisador do Instituto
Meteorológico Real holandês.
Ele integra a WWA, um grupo de
cientistas de seis instituições criado para fornecer análises em tempo real de
relações possíveis entre as mudanças climáticas e eventos meteorológicos tidos
como extremos e isolados.
Uma equipe da rede analisou a
atual onda de calor no norte da Europa e apresentou resultados
preliminares na última sexta-feira (27/07).
Identificar a culpa por eventos
meteorológicos complexos não é tarefa simples devido às numerosas variáveis
envolvidas, que vão desde a temperatura da água à pressão atmosférica.
Mas, graças a modelos climáticos
de ponta, especialistas agora podem calcular a probabilidade de eventos
isolados extremos terem ocorrido por causa das mudanças climáticas.
Assim como epidemiologistas ligam
o fumo ao câncer, os cientistas do clima trabalham com probabilidade
estatística.
"Fumar nunca é a única
razão, mas aumenta a possibilidade de se desenvolver câncer", diz
Friederike Otto, pesquisadora do Instituto de Mudança Ambiental da Universidade
de Oxford.
Para determinar a probabilidade
de um evento isolado de tempo extremo ter sido causado pelo aquecimento global,
os pesquisadores estimam qual seria a probabilidade de ocorrer um evento
extremo específico no contexto climático atual, versus um evento que ocorreria
num mundo livre de emissões de gases poluentes causadas pelo ser humano.
Segundo as estatísticas, em
média, o ser humano já aqueceu o globo em cerca de um grau Celsius em
comparação com a época pré-industrial. Colocando em paralelo os resultados
desses dois cenários, cientistas podem atribuir as diferenças de probabilidade
do evento extremo às mudanças climáticas causadas pelo homem.
Com esse método, a rede WWA já
mostrou que o aquecimento global fez com que o furacão Harvey de 2017 tivesse
probabilidade três vezes maior de acontecer, que a onda de calor Lucifer, que
assolou o sul da Europa também em 2017, tivesse probabilidade quatro vezes
maior de acontecer, e que não alterou a probabilidade da estiagem de 2014 em
São Paulo se repetir.
Os pesquisadores da WWA
compararam as altas temperaturas atuais com recordes históricos em sete
estações meteorológicas na região norte da Europa: duas na Finlândia e uma na
Dinamarca, na Irlanda, na Holanda, na Noruega e na Suécia.
As estações foram selecionadas
por motivos práticos. Os dados atuais de temperaturas podiam ser acessados em
tempo real, e todos os pontos de medição tinham arquivos com dados
digitalizados desde o início da década de 1990.
Para cada ano no arquivo
histórico, os cientistas observaram os três dias consecutivos mais quentes.
Para 2018, escolheram os três dias mais quentes do ano até agora.
Em seguida, alimentaram modelos
climáticos com esses dados e compararam os resultados do mundo hoje com o mundo
do passado, quando as emissões de gases poluentes eram bem mais baixas.
No caso de Copenhague, o grupo
descobriu que uma onda de calor como a atual acontece a cada sete anos no nosso
mundo. Mas, num mundo sem mudanças climáticas criadas pelo homem, uma onda de
calor como essa aconteceria apenas a cada 35 anos.
"Assim, podemos dizer que as
mudanças climáticas aumentaram em dez vezes a probabilidade de o evento de
acontecer ", diz Otto.
Ao compilar todos os resultados
das sete estações meteorológicas analisadas em toda a Europa, os cientistas
observaram ainda que a probabilidade de ondas de calor como a atual é, em
geral, duas vezes maior hoje do que se as atividades humanas não tivessem
alterado o clima.
Os resultados ainda não foram
revisados por outros especialistas porque os cientistas da WWA querem fornecer
uma análise veloz dos eventos extremos atuais, uma vez que o interesse público
é alto. Eles planejam publicar os resultados formalmente numa revista
científica, assim como fizeram com estudos anteriores.
As mudanças climáticas são um
assunto abstrato, com medidas abstratas, a exemplo do aumento da temperatura
média global.
Mas as pessoas não vivem
temperaturas médias. Elas vivem a experiência de chuvas torrenciais, incluindo
enchentes, ondas de calor, tempestades severas e estiagens.
"É muito importante fornecer
ilustrações dos efeitos das mudanças climáticas", diz Robert Vautard,
pesquisador do Laboratório de Ciências do Clima e do Meio Ambiente da França.
Para ele, será apenas quando entendermos qual é a aparência do aquecimento
global é que poderemos nos preparar para combatê-lo.
Após a onda mortífera de calor de
2003, conhecida como canicule entre os franceses e que só na França resultou na
morte de 15 mil pessoas, o governo francês criou um plano emergencial para
lidar com problemas de saúde ligados ao calor.
Porém, especialistas acreditam
que este plano esteja desatualizado. "Nossa infraestrutura e planos de
saúde se baseiam em ondas de calor e chuvas que presenciamos no passado. Mas
temos que entender que o clima de hoje não é o mesmo que costumava ser, e que
será muito diferente no futuro", afirma Vautard.
Parlamentares no Reino Unido –
onde os termômetros registraram temperaturas extraordinariamente altas, acima
de 30ºC na semana passada (23/07) – enfrentam temores parecidos. Eles alertaram
para o fato de que mortes prematuras causadas por ondas de calor podem
triplicar até 2050, e exortam o governo a desenvolver uma estratégica para
proteger a saúde da população.
Mas esses eventos extremos serão
mais frequentes no futuro? Cientistas do clima concordam quase em unanimidade:
sim.
"Eventos de calor extremo
como este se tornarão mais frequentes e mais intensos enquanto o globo continua
aquecendo", afirma Andrew King, pesquisador do ARC, o Centro de Excelência
para Extremos do Clima da universidade australiana de Melbourne.
"Sabemos que ondas de calor
e verões quentes como 2003 na Europa deverão ocorrer com muita probabilidade na
maior parte dos anos, mesmo que ainda não se tenha aquecido o planeta em
2ºC", adiciona.
O Acordo de Paris de combate às
mudanças climáticas busca limitar o aquecimento global entre 1,5 e 2ºC – mas,
seguindo o ritmo atual, o planeta caminha para um aquecimento de 3ºC.
E o clima não está ficando apenas
mais quente – está se tornando menos previsível.
A variabilidade de eventos
meteorológicos extremos vai aumentar, segundo confirmou a pesquisadora do clima
Friederike Otto. Se, durante um ano, poderemos ver ondas de calor, no ano
seguinte poderemos vivenciar chuvas extremas. E o quadro pode ser muito
diferente de um lugar para outro.
"O perigo das mudanças
climáticas é que não estamos adaptados a elas", constata Otto.
Segundo os especialistas, além da
necessidade urgente de limitar o aquecimento global a abaixo de 2ºC, aprender a
se adaptar rapidamente a eventos extremos será um grande desafio para o futuro.
Ondas de calor como a atual podem virar apenas "verão" no futuro.
Katharina Wecker (rk) | Deutsche
Welle
*Com fotos e gráficos no original DW
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