domingo, 22 de julho de 2018

Portugal | Política e ética


Manuel Carvalho da Silva* | Jornal de Notícias | opinião

Nesta última semana tivemos, em Portugal e no plano internacional, comportamentos de alguns políticos que causam indignação e deixam, ao cidadão comum, acrescidas desconfianças para o futuro. Trump foi, uma vez mais, a expressão limite da amoralidade, da utilização descarada da mentira, da negação de valores e princípios éticos que se exigem no exercício da política. E não faltam por aí atores políticos com total desprezo pela verdade e dispostos a mobilizar os cidadãos contra a democracia e pela negação da política. Na Assembleia da República (AR) assistimos a um comportamento desses: Manuel Pinho achincalhou os deputados e gozou com os portugueses, talvez por acreditar que os buracos nas leis, o espaço para manobras processuais e o arrastamento dos processos judiciais, e a sobreposição do poder económico ao poder político lhe permitirão passar impune. A sua arrogância e sobranceria foram chocantes.

Entretanto, também esta semana, vimos partir um político exemplar - João Semedo - um Homem de enorme humanismo e compromisso com as gerações futuras, que dedicou a vida à causa pública buscando como contrapartida a construção de vida mais feliz para o conjunto dos seres humanos - sempre a partir da defesa dos que mais precisam - e por consequência para ele. Era esse o alimento da alegria que nos mostrava nas horas boas e más dos combates políticos, sociais ou culturais em que se envolveu, a partir de uma militância empenhada primeiro no PCP e depois no BE.

Este contraste desafia-nos a uma reflexão séria sobre o que se passa com o exercício de responsabilidades públicas, com a política e a ética, identificando e denunciando as suas subversões. Imaginemos, por exemplo, uma associação cuja missão é a ajuda a terceiros em situação de necessidade e que nela, oportunisticamente, alguém se oferece para ocupar um cargo de responsabilidade, não para cumprir a missão da associação, mas para retirar do cargo vantagens pessoais de algum tipo. Quando a tramoia é descoberta, o prestígio da associação sofre um duro golpe, da mesma forma que a honorabilidade de todos os que trabalham para essa associação, mesmo a dos mais honestos e dedicados. E basta a existência de um ou outro caso destes para a reputação de todas as associações serem postas em causa. A partir daí, o desconforto de ser confundido com práticas detestáveis não afastará malandros dispostos a obterem vantagens por qualquer forma, mas levará muitas pessoas generosas e honestas a pensar duas vezes antes de se disponibilizarem para assumir responsabilidades.

Nesta sociedade tão dominada pela economia e pela finança, lembremos o palavrão que os economistas usam - "seleção adversa" - para designar situações em que o mau produto expulsa do mercado o bom produto. É claro que falar de política é mais amplo e exigente do que tratar estas questões, mas na verdade a política é para aqui chamada.

O que designa a expressão "classe política" nestes dias? Um grupo sob suspeita a que se associam normalmente epítetos do tipo "o que tu queres sei eu" e "eles são todos iguais" - uma associação de malfeitores. Quem quer ser da "classe política"?

As coisas estão tão mal que há um certo espanto quando se descobre, geralmente demasiado tarde, que há mulheres e homens honrados que dedicam ou dedicaram uma vida inteira à política por convicção e por generosidade. Aí surge uma espécie de ritual coletivo de penitência pública feito de elogios adiados, alguns genuínos, outros hipócritas.
Se queremos evitar que os partidos e outras instituições sejam desacreditados, que as cadeiras do Governo ou da AR não passem a estar em pleno ocupadas por malandros - mesmo que malandros finos, de gravata e muito "bons modos" - são precisos mais do que elogios requentados. É preciso sermos severos contra a conversa do "é tudo farinha do mesmo saco" que polui as caixas de comentários da Internet. É necessário não transigir com o "ele rouba mas faz" que já produziu, mesmo entre nós, candidatos vencedores. É preciso combater os julgamentos na praça pública feitos pelo jornalismo de cordel. É indispensável construir projetos políticos alternativos de rigor e de compromisso efetivo com as pessoas.

*Investigador e professor universitário

Sem comentários:

Mais lidas da semana