Manuel Carvalho da Silva* |
Jornal de Notícias | opinião
Nesta última semana tivemos, em
Portugal e no plano internacional, comportamentos de alguns políticos que
causam indignação e deixam, ao cidadão comum, acrescidas desconfianças para o
futuro. Trump foi, uma vez mais, a expressão limite da amoralidade, da
utilização descarada da mentira, da negação de valores e princípios éticos que
se exigem no exercício da política. E não faltam por aí atores políticos com
total desprezo pela verdade e dispostos a mobilizar os cidadãos contra a
democracia e pela negação da política. Na Assembleia da República (AR)
assistimos a um comportamento desses: Manuel Pinho achincalhou os deputados e
gozou com os portugueses, talvez por acreditar que os buracos nas leis, o
espaço para manobras processuais e o arrastamento dos processos judiciais, e a
sobreposição do poder económico ao poder político lhe permitirão passar impune.
A sua arrogância e sobranceria foram chocantes.
Entretanto, também esta semana,
vimos partir um político exemplar - João Semedo - um Homem de enorme humanismo
e compromisso com as gerações futuras, que dedicou a vida à causa pública
buscando como contrapartida a construção de vida mais feliz para o conjunto dos
seres humanos - sempre a partir da defesa dos que mais precisam - e por
consequência para ele. Era esse o alimento da alegria que nos mostrava nas
horas boas e más dos combates políticos, sociais ou culturais em que se
envolveu, a partir de uma militância empenhada primeiro no PCP e depois no BE.
Este contraste desafia-nos a uma
reflexão séria sobre o que se passa com o exercício de responsabilidades
públicas, com a política e a ética, identificando e denunciando as suas
subversões. Imaginemos, por exemplo, uma associação cuja missão é a ajuda a
terceiros em situação de necessidade e que nela, oportunisticamente, alguém se
oferece para ocupar um cargo de responsabilidade, não para cumprir a missão da
associação, mas para retirar do cargo vantagens pessoais de algum tipo. Quando
a tramoia é descoberta, o prestígio da associação sofre um duro golpe, da mesma
forma que a honorabilidade de todos os que trabalham para essa associação,
mesmo a dos mais honestos e dedicados. E basta a existência de um ou outro caso
destes para a reputação de todas as associações serem postas em causa. A partir
daí, o desconforto de ser confundido com práticas detestáveis não afastará
malandros dispostos a obterem vantagens por qualquer forma, mas levará muitas
pessoas generosas e honestas a pensar duas vezes antes de se disponibilizarem
para assumir responsabilidades.
Nesta sociedade tão dominada pela
economia e pela finança, lembremos o palavrão que os economistas usam -
"seleção adversa" - para designar situações em que o mau produto
expulsa do mercado o bom produto. É claro que falar de política é mais amplo e
exigente do que tratar estas questões, mas na verdade a política é para aqui
chamada.
O que designa a expressão
"classe política" nestes dias? Um grupo sob suspeita a que se
associam normalmente epítetos do tipo "o que tu queres sei eu" e
"eles são todos iguais" - uma associação de malfeitores. Quem quer
ser da "classe política"?
As coisas estão tão mal que há um
certo espanto quando se descobre, geralmente demasiado tarde, que há mulheres e
homens honrados que dedicam ou dedicaram uma vida inteira à política por
convicção e por generosidade. Aí surge uma espécie de ritual coletivo de
penitência pública feito de elogios adiados, alguns genuínos, outros
hipócritas.
Se queremos evitar que os
partidos e outras instituições sejam desacreditados, que as cadeiras do Governo
ou da AR não passem a estar em pleno ocupadas por malandros - mesmo que
malandros finos, de gravata e muito "bons modos" - são precisos mais
do que elogios requentados. É preciso sermos severos contra a conversa do
"é tudo farinha do mesmo saco" que polui as caixas de comentários da
Internet. É necessário não transigir com o "ele rouba mas faz" que já
produziu, mesmo entre nós, candidatos vencedores. É preciso combater os
julgamentos na praça pública feitos pelo jornalismo de cordel. É indispensável
construir projetos políticos alternativos de rigor e de compromisso efetivo com
as pessoas.
*Investigador e professor
universitário
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