Tanto o presidente do MISA-Angola
como a Associação Mãos Livres elogiaram a “argumentação extremamente bem
fundamentada” da juíza que ilibou, esta sexta-feira (06.07.), os jornalistas
Rafael Marques e Mariano Brás.
Foi uma leitura de sentença
demorada – entre duas e três horas - mas, frisam os analistas ouvidos
pela DW África, não deixou espaço para qualquer dúvida ou especulação.
Em entrevista à DW África, David
Mendes, secretário para a litigação e formação da Associação angolana Mãos
Livres, não se mostrou surpreso com o desfecho
deste processo. O também advogado sénior disse ter acompanhado de perto as
alegações e que "após a a aparição do ex-procurador geral João Maria de
Sousa em tribunal e das respostas que deu", estava convicto de que ambos
os jornalistas seriam ilibados.
Ainda assim, David Mendes
enalteceu a "argumentação" da juíza Josina Ferreira Falcão. Segundo
este advogado, "a juíza levou duas horas de argumentação da sua sentença,
o que quer dizer que preferiu sair do marco daquilo que se podia dizer ter sido
decicido por conveniência ou pressão.
Pela primeira vez, vi uma
argumentação de quase duas horas extremamente fundamentada, de tudo o que ela
levou para os autos".
Justiça e política de "mãos
dadas”
David Mendes e também Alexandre
Solembe, presidente do Instituto de Comunicação Social da África Austral em
Angola - o MISA -, não têm dúvidas de que a sentença poderia ter sido outra se
José Eduardo dos Santos, ex Presidente de Angola, estivesse ainda no poder.
David Mendes afirma mesmo que a associação que representa está convicta de que,
se assim fosse, os dois jornalistas teriam mesmo sido condenados.
Alexandre Solembe vai mais longe
e diz que o "direito e a política não são tão facilmente
dissociáveis", facto que "deve ter contribuido muito [para a ilibação
dos jornalistas], pois [se a parte política quisesse] também teria a capacidade
de forjar uma sentença e convencer a sociedade de que a decisão foi bem
tomada", embora, acrescenta o jornalista, existam provas de "que
Rafael Marques tem feito um trabalho de jornalismo investigativo puro sem
qualquer intenção de difamar".
Alexandre Solembe afirma ainda
que Rafael Marques cumpriu sempre "o A,B,C do jornalismo
investigativo", e prova disso foi ter endereçado cartas ao
"ofendido", o ex-preocurador geral, "colocando-lhe questões para
lhe conferir o direito de resposta". Argumentos que, diz o presidente do
MISA-Angola, fizeram com que "o Tribunal não tivesse hipótese de produzir
uma sentença diferente da absolvição".
O jornalista nota ainda que
"um servidor público tem que estar preparado para a crítica, porque se não
quer ser criticado deve ir tratar dos negócios privados". Uma apreciação,
diz, que ficou ficou "também refletida na sentença".
Ao contrário de David Mendes,
Alexandre Solembe confessa que a sentença o "surpreendeu pela positiva,
embora estivesse preparado para o pior", pois nota que esta foi "a
primeira vez que o Tribunal Provincial de Luanda abolveu Rafael Marques. Das
vezes passadas ele foi condenado, embora tivesse pena suspensa".
De "ofendido" a réu?
Para este jornalista,
"querendo", a Procuradoria Geral da República angolana pode utilizar
o trabalho de investigação feito e publicado no Maka Angola por Rafael Marques,
e levar o ex-procurador geral da República, João Maria de Sousa, "ao banco
dos réus". "Quando isso acontecer, podemos dizer que sim a justiça
está a mudar, está a fazer o seu trabalho, e é isso que os angolanos mais
esperam", afirma.
Já o advogado David Mendes chama
a atenção para esta questão da responsabilização do ex-procurador geral.
"Embora o Rafael [Marques] tenha abordado a questão da corrupção, há uma
coisa que não é clara. A corrupção exige sempre dar algo em troca, uma favor
para que se tenha uma decisão, e segundo o que consta nos autos não houve troca
de favores", explica.
Alexandre Solembe conclui,
afirmando que, mais uma vez, o que se segue, irá colocar "à prova a boa
vontade de João Lourenço na direção política do país. Portanto, só o tempo dirá
e aí poderemos julgar quem efetivamente é João Lourenço neste sistema
todo".
Processo
O julgamento dos jornalistas
angolanos teve início em março deste ano, no Tribunal de Luanda. Rafael Marques
e Mariano Brás estavam acusados do crime de "injúrias e ultraje ao órgão
de soberania". Em causa estava uma notícia de novembro de 2016, divulgada
no portal de investigação jornalística "Maka Angola”, do jornalista Rafael
Marques, com o título "Procurador-geral da República envolvido em
corrupção".
O artigo denunciava o negócio
alegadamente ilícito realizado por João Maria de Sousa,
ex-Procurador-Geral da República de Angola, e que envolvia a aquisição de um
terreno de três hectares em Porto Amboim, província angolana do Cuanza Sul,
para construção de condomínio residencial.
A notícia foi posteriormente
retomada por Mariano Brás para a sua publicação semanal "O Crime", o
que motivou João Maria de Sousa a acusar os jornalistas de crimes de injúria e
ultraje ao órgão de soberania.
A acusação foi rebatida pelos
advogados de defesa de Mariano Brás, Salvador Freire, e de Rafael Marques,
Horácio Junjuvile, nas respetivas alegações, alegando que foram citadas as
fontes da informação, entendendo por isso que a sua intenção de informar não
poderia ser interpretada como um crime.
Raquel Loureiro | Deutsche Welle
Na foto: Rafael Marques,
jornalista e ativista angolano
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