“Poética noite de sarau lua cheia comparece
com sua poesia.“ (Daniel Brito)
Carlos Roberto Saraiva da Costa Leite* | Porto Alegre
O sarau, que chegou ao Brasil em
1808, com a corte portuguesa, constituiu-se numa das formas de lazer da elite
porto-alegrense. Em seu conhecido romance A Moreninha (1844), Joaquim Manuel de
Macedo (1820-1882) narra este evento de cunho artístico e social, celebrado
entre amigos. O sarau assumiria um caráter popular, somente no século 20, após
os anos 40.
Nos saraus da antiga Porto
Alegre, sonetos eram recitados, ouvia-se música e, aos convidados ofereciam-se
chá, licor, biscoitos e doces. Criado pelo italiano Bartolomeo Cristofori
(1655-1731), o piano era a joia da casa. Nele se tocavam valsas, havaneiras,
shotings, czardas, polcas e o velho minueto. Enquanto os pares dançavam, em
nome da moral familiar, mães e avós ficavam com olhos fixos nas moças e nos
rapazes. Havia também os jogos de prendas e adivinhações.
A diversão à noite, nas
primeiras décadas do século 19, limitava-se a poucos espaços, pois a parca
iluminação da Capital era motivo de medo e insegurança. Com exceção do sarau
doméstico, havia locais considerados de “má fama”, exigindo discrição dos
frequentadores, conforme nos narra a historiadora Núncia Santoro de Constantino
(1944-2014) em seu artigo, "A Conquista do Tempo Noturno: Porto Alegre
moderna“, publicado, em 1994, na revista Estudos Ibero-Americanos (PUCRS).
Em 1834, duzentos lampiões a óleo de
baleia passaram a iluminar as ruas da Capital. A utilização do querosene, em
1864, não mudou a rotina do porto-alegrense, habituado com o serviço de
iluminação precário.
À noite, havia o toque de
recolher, quando soavam os sinos da Igreja Matriz, pontualmente às 21 h no
inverno e às 22 h no verão. Caso não houvesse o brilho da lua, a cidade ficava,
ainda, mais escura. Sem uma autorização oficial, o cidadão não podia permanecer
na rua.
Implantada a iluminação a
gás (1874), a vida noturna do morador da Capital ficou mais atraente. O censo
de 1872 registrou 43.988 habitantes, entre livres e escravos.
Após a proclamação da República (1889),
os saraus se mantiveram em destaque na sociedade gaúcha. No seu livro
“Reminiscências De Um Artista” (1961), José De Francesco nos informa de que, em
Porto Alegre, essas reuniões, em 1901, ocorriam às quintas e aos sábados. Às
20h, a moça mais velha da família sentava-se ao piano e executava uma música,
iniciando o sarau.
De acordo com Athos Damasceno
Ferreira (1902-1975), em “Imagens Sentimentais da Cidade” (1940), o retorno à
Capital gaúcha de jovens recém-formados fazia com que as mocinhas acordassem
com expectativas quanto a um casamento promissor. O sarau era, com certeza, uma
ocasião propícia para iniciar-se um namoro. Cadeiras de palhinha, o lustre de
cristal, cortinas com laçarotes, além dos espelhos e os retratos de família,
compunham o cenário de um antigo sarau. Preparado com esmero pelos anfitriões,
na varanda havia uma mesa com diferentes tipos de doces, como o pão de ló,
feito com ovos de pata, considerado uma deliciosa iguaria.
No início do século 20, se o piano
ocupava o lugar de honra na casa, nas ruas se destacava o violão. Na Praça da
Harmonia, à beira do Guaíba, atual Praça Brigadeiro Sampaio, os seresteiros
dedilhavam seus violões. O flautista brasileiro Carlos Poyares
(1928-2004), na apresentação de seu disco Brasil, Seresta (1974), registrou que
esse costume originou-se da Península Ibérica.
Devido a reclamações quanto
ao barulho, Achyles Porto Alegre (1848-1926), em seu livro “Flores entre
Ruínas” (1920), conta que, em Porto Alegre, as serenatas, nos primeiros anos da
República Velha (1889-1930), foram proibidas por Barros Cassal (1858-1903).
Ao iniciar o Ano Novo, o Porto Alegrense
se encantou ao ver, na chaminé da Fiat Lux, o letreiro “Salve o século XX”
iluminar-se com a eletricidade. Quando se acenderam as lâmpadas, o cidadão
começou a vivenciar a modernidade da “Belle Époque gaúcha”.
Publicado
no Almanaque Gaúcho / Zero Hora em 08-08-2018
*Pesquisador e Coordenador do
setor de imprensa do Museu da Comunicação HJC
Imagens
1- Iluminação a gás
- Imagens sentimentais da cidade (1940) / Athos Damasceno Ferreira
2- Journal des
Dames et des Modes, Costumes Parisiens, 25 mars 1836
3 -Ilustração/ O
Século 06/01/1884 - Acervo Museu da Comunicação HJC
4- Fiat Lux /
vista do Guaíba - 1900 Museu Joaquim Felizardo / Fototeca Sioma
Breitman
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