O futebol português vive de
celebrar uma cultura de sectarismo, fanatismo e violência. Os comportamentos
mais fomentados entre os adeptos são encontrar apenas qualidades no seu próprio
clube e defeitos nos outros, apoiar os seus mesmo quando não merecem e desculpar
a violência quando parte do lado respectivo, ao mesmo tempo não tolerando
qualquer comportamento deste género vindo do outro lado. Um adepto que veja um
penalti bem marcado contra o seu clube é um traidor, outro que elabore teorias
de conspiração envolvendo clubes adversários em qualquer cartão amarelo contra
a sua seita merece ser ouvido com respeito.
O futebol português, hoje em dia,
nada tem que ver com desporto, no sentido de celebrar virtudes como a
capacidade de reconhecer as qualidades dos adversários, de premiar o esforço
mesmo quando inglório ou de reconhecer que os árbitros devem ser respeitados
mesmo quando não concordamos. É hoje claramente um problema social grave, o que
infelizmente era de esperar há muito,
em particular desde o Euro 2004.
O que se pode fazer sem limitar
liberdades fundamentais é muito pouco. Proibir programas televisivos que não
fazem mais do que promover valores anti-desportivos de facciosismo,
parcialidade e intolerância seria, há que reconhecê-lo, um atentado à liberdade
de expressão. «Proibir claques» seria outro atentado, à liberdade de associação
(para além de não ser exequível). Todavia, toda a cultura futebolística é um
perigo para a democracia, a médio e longo prazo, como se viu esta semana. Não
por acaso, o político mais xenófobo da democracia (André Ventura) veio do
submundo do «comentário futebolístico», assim como o mais tacanhamente
provinciano e bairrista (Rui Moreira).
O que fazer, então? Cortar
subsídios públicos a grandes empresas que representam a maior indústria do
entretenimento em Portugal seria ineficaz. Seria melhor proibir a entrada de
crianças em estádios de futebol, e para isso há bons argumentos: nenhuma
sociedade saudavelmente democrática progride com os valores que o futebolismo
actual promove.
Noutra frente, e à semelhança do
que se fez noutras paragens, a proibição de frequentar estádios de futebol deve
ser vulgarizada como modo de afastar em massa os piores «adeptos» dos estádios
de futebol.
Finalmente, seria uma medida de
prevenção do agravamento da situação (e de higiene) que os políticos deixassem
de procurar do modo infantil que o fazem os estádios de futebol, as respectivas
bandeirinhas e cachecóis, os futebolistas populares e os dirigentes das seitas.
Ao continuarem a «ir à bola» ostensivamente e ao usarem-na para se promoverem,
os políticos estão a contribuir para alimentar um monstro.
Ricardo Alves | Esquerda Republicana,
em Maio de 2018
Sem comentários:
Enviar um comentário