Apesar do drama de milhares de
famílias, não existe ainda um banco de dados nacional unificado. "Na
prática quem investiga são as próprias mães", diz membro do Condepe
São Paulo – O Brasil encerrou o
ano passado tendo 82.684 boletins de ocorrência registrando o desaparecimento
de pessoas, segundo revelou o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2018,
divulgado nesta quinta-feira (9). O estado de São Paulo lidera com folga a
dramática estatística, com 25.200 pessoas desaparecidas, seguido por Minas
Gerais, com 8.878, e Santa Catarina, com 7.752 desaparecimentos.
O estudo anual do Fórum
Brasileiro de Segurança Pública jogou luz no Cadastro Nacional de Crianças e Adolescentes
Desaparecidos, criado em 17 de dezembro de 2009, conforme a Lei 12.127, e
lançado em 26 de fevereiro de 2010 junto com o site www.desaparecidos.gov.br.
Desde o início deste ano, o site foi tirado do ar pelo governo federal. Apesar
de nunca ter funcionado como deveria, o canal tinha cerca de 370 crianças e
adolescentes desaparecidos cadastrados e, de alguma forma, era um espaço
oficial que alimentava a esperança de reencontro dos familiares.
“Ele (o site) vem inativo desde
quando surgiu, em 2010. Nunca funcionou adequadamente, sempre dependeu das
famílias fazerem o cadastramento. As mães que tinham que mandar fotos, cópia do
boletim de ocorrência e as informações sobre o desaparecimento”, explica Ariel
de Castro Alves, advogado e coordenador da Comissão da Criança e do Adolescente
do Conselho Estadual de Direitos Humanos (Condepe). “O governo federal sempre
justificou, tanto nas gestões anteriores como na atual, que os estados não
encaminhavam os boletins de ocorrência.”
A falta de integração entre os
estados e o governo federal sempre foi a principal razão pelo mau funcionamento
de um cadastro nacional que poderia cumprir uma importante função. Na prática,
os estados nunca colaboraram com o envio das informações para alimentar e
atualizar o sistema. Segundo Castro Alves, a maioria dos estados, como São
Paulo, por exemplo, sequer tem cadastros estaduais de crianças e adolescentes
desaparecidos. Para ele, os cadastros estaduais e o nacional deveriam ter
atualização diária a partir dos boletins de ocorrência (BOs) de crianças e
adolescentes desaparecidos registrados nas delegacias de polícia de todo país.
Apesar da pouca eficiência, o
coordenador da Comissão da Criança e do Adolescente do Condepe avalia que o fim
do site é um descaso com os familiares. “O cadastro funcionava precariamente,
mas gerava uma expectativa porque era oficial e podia ser acessado de qualquer
parte do país. É um desrespeito. As famílias não foram comunicadas de que o
cadastro sairia do ar e elas tinham expectativa. Então é mais uma frustração,
mais um abandono dessas famílias, um total desrespeito.”
Falta de prioridade
Com a aprovação do Sistema Único de Segurança Público (Susp), Ariel
Alves tem esperança que a situação melhore porque, a partir de agora, os
estados terão a obrigação de encaminhar os boletins de ocorrência e as
informações criminais. “Isto pode, a médio e longo prazo, colaborar para
resolver essa falta do banco de dados unificado. O estado de São Paulo nunca
teve essa prioridade e também nunca atuou em nada, de modo integrado, com o
governo federal, principalmente em temas de direitos humanos. Nem nos governos
anteriores, nem no atual.”
Atualmente, São Paulo tem uma
única delegacia de pessoas desaparecidas, vinculada à Delegacia de Homicídios e
Proteção à Pessoa (DHPP). Localizada na capital, tem a missão de atender o
estado todo.
Desde 1990, o Estatuto da Criança
e do Adolescente (ECA) prevê a necessidade de haver órgãos especializados na
polícia e no Judiciário para atender crianças e adolescentes. Em alguns estados
existem delegacias especializadas, mas não em São Paulo. E mesmo nos estados
onde tais delegacias foram criadas, elas costumam estar localizadas apenas na
capital. “Mas em São Paulo nem na capital tem”, critica Alves.
Para piorar a situação, os casos
de desaparecimento não costumam ser investigados, seja de crianças ou de
adulto, afirma o advogado. “A polícia diz que, em si, o desaparecimento não é
um crime, é um fenômeno social a criança não estar sob os cuidados da família.
Agora, por trás do desaparecimento pode haver rapto, sequestro, cárcere
privado, assassinato, então por isto é necessário que em todos os casos sejam
instaurados inquéritos. Na prática, quem hoje investiga são as próprias mães.”
O coordenador da Comissão da
Criança e do Adolescente do Condepe enfatiza ser comum a polícia sugerir aos
pais esperar por 24 ou 48 horas antes de registrar o desaparecimento, uma
prática que, afirma, é ilegal. “Os primeiros momentos são os mais importantes
para buscar, esclarecer, investigar e localizar. E a lei também prevê que após
fazer o boletim de ocorrência, além de iniciar as buscas, a polícia tem que
informar as rodoviárias, os aeroportos, a polícia rodoviária, e isso também não
acontece.”
A situação de ter um filho
desaparecido, diz Ariel Alves, é um luto permanente, com enorme desgaste
emocional e psicológico. “Muitas mães desenvolvem doenças, um câncer, um
problema cardíaco. Elas não contam com nenhum tipo de apoio, é um descaso.”
Luciano Velleda, da RBA | em Rede
Brasil Atual
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