quinta-feira, 16 de agosto de 2018

SOB O OLHAR SILENCIOSO DE ANTÓNIO AGOSTINHO NETO – II


Martinho Júnior | Luanda  

COMPASSO SEGUNDO DE QUATRO PEQUENOS COMPASSOS DE DECIFRAGEM HISTÓRICA

A independência de Angola, resultado duma forja de lutas da Argélia ao Cabo da Boa Esperança, sendo fresca, tem e é partícipe duma génese fulcral: a do movimento de libertação em África!

A 30 de Novembro de 2016, recordo a propósito, iniciei assim uma das mensagens no livro de condolências, aberto na residência de Sua Excelência Gisela Garcia Rivera, Digníssima Embaixadora de Cuba em Angola, por ocasião do falecimento do Comandante Fidel:

“… De Argel ao Cabo…

Cavalgando com Fidel!

… Levando o ardor progressista desde contra o baluarte do colonialismo francês no Norte de África…

… Até contra o bastião mais retrógrado e fascista que existia à face da Terra após a IIª Guerra Mundial, em seu perverso domínio em toda a África Austral…

… Precisamente no sentido inverso ao projetado pelo império anglo-saxónico sob inspiração de Cecil John Rhodes… do Cabo ao Cairo…”

… O movimento de libertação em África integrou cenários e actores fluentes, que são inspiradores nos termos dos exercícios contemporâneos que continuam a obrigar à consciência crítica que há a cultivar quando o subdesenvolvimento está longe de ser vencido e quando há tanto que resgatar a fim de tornar mais feliz, soberano e livre do obscurantismo o povo angolano e os povos africanos.

Na América a libertação do colonialismo foi há pouco mais de 200 anos e os povos, para hoje levar avante os ideais e as bandeiras dessa libertação, para alcançar um patamar justo de felicidade e de bem-estar, para assumirem seus processos tão legítimos de luta, têm em Simon Bolivar e em José Marti, entre outros clarividentes lutadores dessa época revolucionária, dois dos mais esclarecidos combatentes inspiradores, que deixaram um enorme e visionário legado que há que seguir para enfrentar os desafios e os riscos que hoje afectam a humanidade e o próprio planeta.

A primeira grande forja dessa libertação foi decidida e vivida pelos escravos africanos e afrodescendentes do Haiti, algo na generalidade desconhecido em África, propositadamente desconhecido pelas correntes elitistas que advêm do domínio do império britânico!

Os Comandantes Fidel de Castro e Hugo Chavez, foram profundamente conhecedores desse imenso legado que é património universal, fiéis e clarividentes intérpretes desse legado e abrem caminho a outros fiéis companheiros que se lhes seguem geração após geração, nessa luta secular que já ninguém em consciência pode deixar de conhecer e reconhecer!

Recorde-se “As veias abertas da América Latina”, de Eduardo Galeano, que é também uma memória da luta e dos feitos da liberdade, da autodeterminação e da independência dos povos latino-americanos, por mais vilipendiada, subvertida, ou apagada pelo poder dominante do império da Doutrina Monroe que ela tenha e tem sido!


Em África a libertação do colonialismo enquanto sinónimo de luta perseverante e consequente, a libertação obrigada pelo processo histórico a seguir a via armada, tem em lutadores e combatentes como Amílcar Cabral, Agostinho Neto e Samora Machel, marcantes revolucionários dirigentes e comandantes que perscrutavam o futuro e deixaram inequívocos rumos que são legados palpáveis nos dados de seu própria biografia, na sua vibrante palavra, nos seus escritos e no rigor de suas próprias obras vocacionadas para a libertação com socialismo e desde logo pela via do socialismo.

Os fenómenos de luta contra o colonialismo em África, são contudo mais recentes que os da América, ocorreram na segunda metade do século XX, enquanto no outro lado do Atlântico foram ocorrendo ao longo do século XIX, pelo que sinais africanos estão ainda frescos, sendo impossível apagá-los com o “fim da história”, segundo o servil e contingente Fukuyama: as gerações que viveram a saga de libertação, que dessa saga beberam a universidade de sua própria identidade, cultura e motivação, que por via de irreversível juramento lhe são fiéis, ainda não desapareceram totalmente! 

Muitos dos que restam dessas gerações, ainda que no anonimato imposto, ou no deserto imposto, ou na marginalidade imposta, continuam com sua consciência motivada em transmitir às gerações vindouras a responsabilidade dos termos das vitórias tão duramente alcançadas, face a face a alguns cuja mentalidade formatada e ávida de lucro ao invés de ávida de humanidade e de vida, de forma tão oportunista, tão corruptível, tão desprezível, tão “maleável”, de forma por vezes tão leviana, tanta riqueza libertária e socialista, tanta clarividência, querem fazer apagar, subverter, desvirtuar, ou deliberadamente desperdiçar!...

Fazem-no esses poucos mas estoicos patriotas por que, para levar avante a libertação dos povos, do obscurantismo, do subdesenvolvimento e da opressão, bebem da mesma inspiração que guiou, em sua época e em sua vida, heróis como Amílcar Cabral, Agostinho Neto, Samora Machel, Fidel de Castro, o Che e tantos de seus companheiros…

Esses raros “dromedários” peritos em atravessar desertos, respiraram e respiram, com a mesma sofreguidão, do mesmo ar que eles, mesmo que por efeito do escaldante deserto do capitalismo neoliberal e suas avassaladas social-democracias os quiserem apagar da história, aplicando à letra e incondicionalmente o “diktat” das ementas de seu “mestre”Fukuyama!

Fazem-no por que é nesse rumo que é possível desenvolvimento sustentável, identidade nacional, a resistência que pode conduzir a democracia aos vínculos populares, os únicos que podem dar substantivo conteúdo à sua essência, que a podem resgatar da abstracção alienatória da representatividade que agora se vai estender às autarquias, que a podem motivar para o patriotismo e ao mesmo tempo para a educação em prol da justiça social, que a podem dinamizar em função da melhor utilização das novas tecnologias abertas à e susceptíveis de massificação!...

Ao não se honrar o passado e a nossa história, ao não se evocarem a memória e os ensinamentos de António Agostinho Neto, ao se perder da clarividência socialista para se implantar a hipocrisia e o cinismo social-democrata, ou uma metamorfose elitista de última geração, quanto Angola, quanto África tem perdido de sua identidade, dignidade e coerência histórica e antropológica, quanto tem perdido de força anímica capaz de ampla mobilização, para levar por diante a longa luta contra o subdesenvolvimento?

Martinho Júnior - Luanda, 10 de Agosto de 2018

Fotos:
- Conferência histórica alusiva aos 55 anos do MPLA, no dia 6 de Dezembro de 2011, foto tirada por mim nesse evento;
- Conferência histórica alusiva aos 55 anos do MPLA, no dia 7 de Dezembro de 2011; intervenção do camarada Jorge Risquet (já falecido), companheiro da IIª coluna do Che no Congo e um dos artífices da linha da frente progressista informal contra o baluarte da internacional fascista e colonialista na África Austral (Exercício Alcora); foto tirada por mim nesse evento.

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