Martinho Júnior | Luanda
COMPASSO SEGUNDO DE QUATRO
PEQUENOS COMPASSOS DE DECIFRAGEM HISTÓRICA
A independência de Angola,
resultado duma forja de lutas da Argélia ao Cabo da Boa Esperança, sendo
fresca, tem e é partícipe duma génese fulcral: a do movimento de libertação em
África!
A 30 de Novembro de 2016, recordo
a propósito, iniciei assim uma das mensagens no livro de condolências,
aberto na residência de Sua Excelência Gisela Garcia Rivera, Digníssima
Embaixadora de Cuba em Angola, por ocasião do falecimento do Comandante Fidel:
“… De Argel ao Cabo…
Cavalgando com Fidel!
… Levando o ardor progressista
desde contra o baluarte do colonialismo francês no Norte de África…
… Até contra o bastião mais
retrógrado e fascista que existia à face da Terra após a IIª Guerra Mundial, em
seu perverso domínio em toda a África Austral…
… Precisamente no sentido inverso
ao projetado pelo império anglo-saxónico sob inspiração de Cecil John Rhodes…
do Cabo ao Cairo…”
… O movimento de libertação
em África integrou cenários e actores fluentes, que são inspiradores nos
termos dos exercícios contemporâneos que continuam a obrigar à consciência
crítica que há a cultivar quando o subdesenvolvimento está longe de ser vencido
e quando há tanto que resgatar a fim de tornar mais feliz, soberano e livre do
obscurantismo o povo angolano e os povos africanos.
Na América a libertação do
colonialismo foi há pouco mais de 200 anos e os povos, para hoje levar avante
os ideais e as bandeiras dessa libertação, para alcançar um patamar justo de
felicidade e de bem-estar, para assumirem seus processos tão legítimos de luta,
têm em Simon Bolivar
e em José Marti ,
entre outros clarividentes lutadores dessa época revolucionária, dois dos mais
esclarecidos combatentes inspiradores, que deixaram um enorme e visionário
legado que há que seguir para enfrentar os desafios e os riscos que hoje
afectam a humanidade e o próprio planeta.
A primeira grande forja dessa
libertação foi decidida e vivida pelos escravos africanos e afrodescendentes do
Haiti, algo na generalidade desconhecido em África, propositadamente
desconhecido pelas correntes elitistas que advêm do domínio do império
britânico!
Os Comandantes Fidel de Castro e
Hugo Chavez, foram profundamente conhecedores desse imenso legado que é
património universal, fiéis e clarividentes intérpretes desse legado e abrem
caminho a outros fiéis companheiros que se lhes seguem geração após geração,
nessa luta secular que já ninguém em consciência pode deixar de conhecer e
reconhecer!
Recorde-se “As veias abertas
da América Latina”, de Eduardo Galeano, que é também uma memória da luta e dos
feitos da liberdade, da autodeterminação e da independência dos povos
latino-americanos, por mais vilipendiada, subvertida, ou apagada pelo poder
dominante do império da Doutrina Monroe que ela tenha e tem sido!
Em África a libertação do
colonialismo enquanto sinónimo de luta perseverante e consequente, a libertação
obrigada pelo processo histórico a seguir a via armada, tem em lutadores e
combatentes como Amílcar Cabral, Agostinho Neto e Samora Machel, marcantes
revolucionários dirigentes e comandantes que perscrutavam o futuro e deixaram
inequívocos rumos que são legados palpáveis nos dados de seu própria biografia,
na sua vibrante palavra, nos seus escritos e no rigor de suas próprias obras
vocacionadas para a libertação com socialismo e desde logo pela via do
socialismo.
Os fenómenos de luta contra o
colonialismo em África, são contudo mais recentes que os da América, ocorreram
na segunda metade do século XX, enquanto no outro lado do Atlântico foram
ocorrendo ao longo do século XIX, pelo que sinais africanos estão ainda
frescos, sendo impossível apagá-los com o “fim da história”, segundo o
servil e contingente Fukuyama: as gerações que viveram a saga de libertação,
que dessa saga beberam a universidade de sua própria identidade, cultura e
motivação, que por via de irreversível juramento lhe são fiéis, ainda não
desapareceram totalmente!
Muitos dos que restam dessas
gerações, ainda que no anonimato imposto, ou no deserto imposto, ou na
marginalidade imposta, continuam com sua consciência motivada em transmitir às
gerações vindouras a responsabilidade dos termos das vitórias tão duramente
alcançadas, face a face a alguns cuja mentalidade formatada e ávida de lucro ao
invés de ávida de humanidade e de vida, de forma tão oportunista, tão
corruptível, tão desprezível, tão “maleável”, de forma por vezes tão
leviana, tanta riqueza libertária e socialista, tanta clarividência, querem
fazer apagar, subverter, desvirtuar, ou deliberadamente desperdiçar!...
Fazem-no esses poucos mas
estoicos patriotas por que, para levar avante a libertação dos povos, do
obscurantismo, do subdesenvolvimento e da opressão, bebem da mesma inspiração
que guiou, em sua época e em sua vida, heróis como Amílcar Cabral, Agostinho
Neto, Samora Machel, Fidel de Castro, o Che e tantos de seus companheiros…
Esses raros “dromedários” peritos
em atravessar desertos, respiraram e respiram, com a mesma sofreguidão, do
mesmo ar que eles, mesmo que por efeito do escaldante deserto do capitalismo
neoliberal e suas avassaladas social-democracias os quiserem apagar da
história, aplicando à letra e incondicionalmente o “diktat” das
ementas de seu “mestre”Fukuyama!
Fazem-no por que é nesse rumo que
é possível desenvolvimento sustentável, identidade nacional, a resistência que
pode conduzir a democracia aos vínculos populares, os únicos que podem dar
substantivo conteúdo à sua essência, que a podem resgatar da abstracção
alienatória da representatividade que agora se vai estender às autarquias, que
a podem motivar para o patriotismo e ao mesmo tempo para a educação em prol da
justiça social, que a podem dinamizar em função da melhor utilização das novas
tecnologias abertas à e susceptíveis de massificação!...
Ao não se honrar o passado e a
nossa história, ao não se evocarem a memória e os ensinamentos de António
Agostinho Neto, ao se perder da clarividência socialista para se implantar a
hipocrisia e o cinismo social-democrata, ou uma metamorfose elitista de última
geração, quanto Angola, quanto África tem perdido de sua identidade, dignidade
e coerência histórica e antropológica, quanto tem perdido de força anímica
capaz de ampla mobilização, para levar por diante a longa luta contra o
subdesenvolvimento?
Martinho Júnior - Luanda, 10 de
Agosto de 2018
Fotos:
- Conferência histórica alusiva aos
55 anos do MPLA, no dia 6 de Dezembro de 2011, foto tirada por mim nesse
evento;
- Conferência histórica alusiva aos
55 anos do MPLA, no dia 7 de Dezembro de 2011; intervenção do camarada Jorge
Risquet (já falecido), companheiro da IIª coluna do Che no Congo e um dos
artífices da linha da frente progressista informal contra o baluarte da internacional
fascista e colonialista na África Austral (Exercício Alcora); foto tirada por
mim nesse evento.
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