Na véspera do início da visita de
dois dias do primeiro-ministro português, António Costa, a Angola, o
coordenador do Observatório da Emigração em Portugal recorda a necessidade de
se facilitar a circulação de pessoas entre os países lusófonos.
“Acho que, no âmbito de
reformulação da política imigratória portuguesa, é importante ter sistemas que
facilitem a circulação entre os países lusófonos, ou, pelo menos, entre a
maioria”, afirmou Rui Pena Pires em declarações à Lusa, recordando que esta foi
uma promessa de campanha do PS.
“Também não vale a pena tentar
começar logo com todos, mas era útil. E a iniciativa de Angola (em vigor desde
31 de Março, de facilitação de entradas, com vistos on-line) pode contribuir
para o desenvolvimento de iniciativas bilaterais entre angolanos e
portugueses”, afirmou Rui Pena Pires.
“Estou certo que isso [essa
facilitação de circulação de pessoas dos países lusófonos] vai acontecer, mais
tarde ou mais cedo, porque esse era aliás um dos objectivos do programa do
Partido Socialista e do actual primeiro-ministro”, relembrou.
Contudo, desta visita de António
Costa, a Luanda, que “se segue a um período de esfriamento nas relações entre
Portugal e Angola”, Pena Pires espera só “um desgelo” nas relações políticas.
“Se esta visita trouxesse um
degelo já seria bom, o resto depois faz-se, já seria uma enorme vitória no
campo das relações externas portuguesas, porque não é possível, quando as
relações não estão no seu melhor, tratar com sucesso as pequenas grandes
coisas, quase instrumentais”, afirmou.
Para Rui Pena Pires não há
problemas particulares dos emigrantes portugueses em Angola, os das
transferências de salários, algumas vezes em atraso, afectam qualquer emigrante
de qualquer origem naquele país e resultam de questões económicas e não de
problemas políticos ou de qualquer tensão.
Contudo, considera, “se as
relações [entre os dois países] ficarem desbloqueadas, depois já se pode tratar
do resto por outros canais.”
De resto, aquilo que se espera
sempre destas visitas políticas relativamente à emigração “é a garantia de
segurança e de igualdade de direitos dos emigrantes portugueses face ao resto
da população, e condições.
Com base nos dados dos registos
consulares (registos que as pessoas fazem quando recorrem aos consulados), em
2013, existiam 39 000 portugueses em Angola.
De acordo com o último relatório
do observatório da emigração de 2017, relativo aos dados de 2016, teriam
entrado neste ano em Angola 3.908 portugueses, sem incluir dados do consulado
de Faro, só os de Porto e Lisboa.
Estes números revelaram uma
quebra face a 2015, ano em tinham entrado cerca de 7.000, (6.700) portugueses
em Angola.
“Uma das coisas que sabemos é que
houve uma quebra na emigração para Angola, que entre 2013 e 2015 tinha crescido
significativamente. Relativamente a 2017 ainda não há dados. Só estarão
disponíveis provavelmente em Dezembro”, explicou Pena Pires.
No entanto, diz, “não espero um
crescimento” da emigração portuguesa para aquele destino de África em 2017.
“A quebra [da emigração
portuguesa] que se verificou em 2016 resultou da crise do preço do petróleo. A
situação económica agora ainda não retomou os níveis anteriores à crise, mas
também não se aprofundou, por isso é provável que haja uma manutenção ou um ligeiro
decréscimo na emigração para Angola em 2017. O que não prevejo de todo é que
haja um acréscimo”, estimou o professor e responsável pelo Observatório da
Emigração.
A emigração para Angola começou a
crescer na viragem do século XX para o século XXI, antes disso não teve grande
expressão. E é precisamente na mesma altura que começa o regresso dos
emigrantes angolanos em Portugal ao seu país de origem, adianta Pena Pires, ou
seja, no período em que a situação política e económica começa a estabilizar.
“Temos um indicador bom que nos
demonstra isso que é o das remessas dos emigrantes. E este é o período em que
as remessas vindas de Angola começam a ultrapassar o valor das remessas dos
angolanos em Portugal para o seu país de origem. (…) Em 2000 os valores estão
mais ou menos equiparados e a partir de 2004 o fosso aumenta substancialmente”,
referiu.
Para se ter uma ideia,
acrescenta, “no ano 2000 as remessas de Angola para Portugal eram de 11 milhões
de euros e de angolanos no nosso país para Angola eram de 14 milhões. Em 2017,
para Angola foram sensivelmente os mesmo valores de 2000 mas de emigrantes
portugueses para Portugal vieram 245 milhões. O envio de remessas de angolanos
para Angola estagnou e as de portugueses no mercado angolano para Portugal foram
multiplicadas por mais de 20” .
Assim, defende o responsável do
Observatório, “se usarmos o indicador das remessas como um indicador indirecto
da evolução da emigração, o que concluímos é que a de portugueses para Angola
cresce de uma forma sustentada a partir de 2004, 2005 e 2006, início do
processo de paz, e tem alguns picos, sobretudo em 2007 e 2008, com a abertura
da primeira crise, e depois em 2012” .
E só em 2016 regista a primeira quebra.
Quanto aos portugueses que estão
a deixar Angola e a regressar ao seu país, também com base nos escassos dados
disponíveis – dos censos de 2010, o coordenador do Observatório da Emigração
considera que este não será um número muito elevado.
Entre 2001 e 2011 terão
regressado de Angola, de acordo com os censos, pouco menos de 5.000, o que dá
cerca de 500 regressos por ano. “É provável que tenha sido superior depois de
2011, mas não terá ido além de 500
a 1.000 pessoas por ano”, diz.
No ano da crise terá sido maior,
mas os regressos agora não devem ser muito superiores, andarão na ordem das
centenas, 5, ou 6 ou sete centenas. Era preciso existir uma crise que não fosse
só económica para haver muitos mais regressos”, concluiu.
Portugueses europeus e
portugueses africanos
Mas, diga-se, a culpa não é só
dos portugueses de hoje que, ao contrário dos de ontem, procuram sacar tudo o
que podem, começando o exemplo pelos governantes, passando pelos gestores e
administradores públicos e restante casta.
A culpa também é nossa que colocamos
os de ontem, muitos dos quais deixaram mesmo o cordão umbilical em Angola, ao
mesmo nível dos de hoje, ou muitas vezes a um nível bem mais baixo.
Em Angola causa alguma estranheza
o facto de, apesar da presença massiva de portugueses, eles nunca serem
mencionados nos balanços do Serviço de Migração e Estrangeiros sobre a expulsão
de expatriados.
E estranha-se porquê? Porque,
mesmo considerando que esses cidadãos são súbditos de sua majestade D. António
Costa, as vítimas dos serviços de migração são por regra africanos e, de quando
em vez, uns chineses.
E Maio de 2009, o Semanário
Angolense dizia que “aos outros imigrantes é exigido o cumprimento da lei, mas
aos portugueses não”. E acrescentava: “Muitos até falsificam documentos e
dizem-se naturais de Malange – maioritariamente “nasceram” em terras da Palanca
Negra –, Huíla, Benguela, mesmo sem nunca lá terem estado”.
E o jornal concluía: “É urgente
investigar e descobrir quem promove e protege essa invasão silenciosa de
portugueses”.
É verdade que são aos milhares os
portugueses africanos que agora nasceram de gestação espontânea, uma espécie de
mercenários que nada têm em comum com muitos outros portugueses de outrora,
esses sim africanos de alma e coração.
Os novos descobridores vão para a
África rica (caso de uma parte de Angola) sacar tudo o que for possível e
depois regressam à sua normal e tipificada forma de vida, voltando a ter a
porta sempre fechada aos africanos.
Com a conivência consciente das
autoridades angolanas, que não dos angolanos, Portugal aposta tudo o que tem
(lata) e o que não tem (dignidade) nos muitos mercenários que têm as portas
blindadas e sempre fechadas, remetendo para as catacumbas todos aqueles
portugueses que sempre tiveram a porta aberta.
Como é que se vê a diferença? É simples
Agrande diferença é que os
portugueses europeus, os que agora aceleram na tentativa de chegar à cenoura na
ponta da vara de Angola, sempre consideraram (quiçá com razão) que até prova em
contrário todos os estranhos são culpados.
Já os portugueses africanos, os
que deram luz ao mundo, os que choram ao ouvir Teta Lando, Elias Dia Kimuezo,
Carlos Lamartine ou os N’Gola Ritmos, entenderam que até prova em contrário
todos os estranhos são inocentes.
Em África, os portugueses
africanos aprenderam a amar a diferença e com ela se multiplicaram. Aprenderam
a ser solidários com o seu semelhante, fosse ele preto, castanho, amarelo ou
vermelho. Aprenderam a fazer sua uma vivência que não estava nas suas raízes.
Na Europa, os portugueses
aprenderam a desconfiar da diferença e a neutralizá-la sempre que possível.
Aprenderam a ser individualistas mesquinhos e a só aceitar a diferença como
exemplo raro das coisas do demónio.
Com o re(in)gresso de milhares de
portugueses africanos ao Portugal europeu, a situação alterou-se apenas por
breves momentos. Tão breves que hoje, 43 anos depois da debandada africana,
quase se contam pelos dedos de uma mão os que ainda se assumem como portugueses
africanos.
Isto é, muitos dos portugueses
europeus que foram para África tornaram-se facilmente africanos. No entanto, ao
re(in)gressarem às origens ressuscitaram a velha mesquinhez de um país virado
para o umbigo, de um país de portas fechadas. Voltaram a ser apenas europeus.
Nessa mesma leva regressaram
muitos portugueses africanos nascidos em África. Esses não re(in)gressaram em
coisa alguma. Mantiveram-se fiéis às suas raízes mas, é claro, tiveram (e ainda
têm) de sobreviver.
Apesar disso, só olham para o
umbigo de vez em quando e as suas portas só estão meio fechadas.
Acresce que muitos destes
acabaram por constituir vida em Portugal, muitos casando com portugueses
europeus. Por força das circunstâncias, passaram a olhar mais vezes para o
umbigo e a porta fechou-se quase completamente.
Chega-se assim aos filhos, nados
e criados como “bons” tugas europeus. Estes só olham para o umbigo e trancaram
a porta. Por muito que o pai, ou a mãe, lhes digam que até prova em contrário
todos (brancos, pretos, amarelos, castanhos ou vermelhos) são inocentes, eles
já pouco, ou nada, querem saber disso.
Por força das circunstâncias, os
portugueses africanos diluíram-se no deserto europeu, foram colonizados e só
resistem alguns malucos que, por força dos seus ideais, admitiram que o
presente de Portugal poderia estar na Europa, mas sempre e desde sempre tiveram
a certeza que o futuro estava em África.
Folha 8 com Lusa
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