Manuel Carvalho da Silva* | Jornal
de Notícias | opinião
Sucatear é termo muito utilizado
no Brasil para designar a atividade dos políticos de Direita, e as suas
recorrentes práticas de imposição de subfinanciamento intencional a empresas e
serviços públicos, com o propósito de os colocar em crise e, desse modo,
demonstrarem a necessidade da sua privatização. A estratégia de sucateamento é
ainda, em particular, uma forma de ação política permanentemente utilizada pelo
neoliberalismo à escala global contra o Estado social e contra a propriedade
coletiva.
Os exercícios de sucateamento
atingem muitas vezes os objetivos pretendidos. A empresa ou o serviço
sucateados são "justificadamente" vendidos baratinhos. Depois, os
capitalistas privados, fazendo pequenos investimentos conseguem retirar desses
serviços e empresas chorudas rendas, exatamente porque as crises anunciadas
eram fictícias, no todo ou em áreas estratégicas. E não são poucos os casos em
que os promotores das "crises" têm o cuidado de colocar em evidência
uma ou outra dificuldade que essas empresas ou serviços tinham, pois, como
sabemos e António Aleixo bem explicitou, "Para a mentira ser segura e
atingir profundidade, tem de trazer à mistura qualquer coisa de verdade".
Em regra, nesses processos, os resultados positivos para os privados surgem
garantidos, também, por contratos extravagantes com o Estado.
Entretanto, existem outros casos
em que o sucateamento não resulta e tudo desagua em desastre. As empresas
ou serviços em causa vão sendo degradados de forma prolongada, degenerando-se e
morrendo antes que as privatizações ocorram. De certa forma, o mesmo se passa
com o enfraquecimento de instituições e propriedades coletivas, como agora
aconteceu com o Museu Nacional no Rio de Janeiro, que chegou a um estado tal de
fragilização que "simplesmente" ardeu. Os cortes orçamentais nas
empresas e serviços que são propriedade pública, a sobreposição de interesses
imediatos e egoístas sobre valores perenes das sociedades, são hoje políticas
demolidoras à escala nacional e global. A construção de um estádio de futebol
vale mais que o mais importante museu de um continente; os custos da lavagem
dos carros dos deputados brasileiros são o triplo do orçamento daquele
importante museu. Isto sim, é crise: nos processos de- desenvolvimento das
sociedades. No Brasil como em Portugal e na maioria dos países.
São muitos os casos de
sucateamento em
Portugal. Vêm de longe e acentuaram-se no período da troica e
do Governo PSD-CDS. Sucateou-se o território, sucateou-se o SNS, sucateou-se a
Escola Pública, sucateou-se a TAP, sucateou-se a CP e outras empresas públicas
de transportes, sucateou-se os CTT e o que faltava sucatear na PT e noutras
empresas do setor energético ou da Banca, sucateou-se a Proteção Social e
tentou-se sucatear a Segurança Social. Sucatearam-se os Direitos no Trabalho e
a Cidadania. Sucateou-se em nome da necessidade de emagrecer o Estado ("o
monstro anafado"), em nome da imperatividade de reduzir impostos às
grandes empresas e a detentores de rendimentos pessoais elevados, em nome de
educar o povo a não "viver acima das suas possibilidades" e de o
obrigar a aprender a ser poupado e obediente ao sacrossanto mercado e às
políticas, mesmo que desastrosas, das instâncias europeias.
Quando a casa abre fendas, vai
abaixo ou simplesmente pega fogo, os mesmos que quiseram sucatear, são os
primeiros a dizer, aqui d"el-rei que o Estado falhou. É caso para lhes
perguntarmos, então em que ficamos? Continuamos e aprofundamos as políticas e
as práticas que conduzem a desastres pesadíssimos? Abandonam-se os interesses
do coletivo da sociedade na estruturação e prestação de direitos fundamentais
como a saúde, a educação e a justiça, na dignidade e valorização do trabalho,
na cultura e na preservação da memória, na defesa do ambiente, na colocação de
valores sociais e humanos na organização económica?
É duvidoso que alguma vez a
Direita nos responda. Prefere, como se diz em português corrente, "fazer o
mal e a caramunha", na expetativa de vir a erguer sobre uma montanha de
sucata os lucrativos empreendimentos do futuro. A palavra sucatear tem, pois,
de estar no nosso léxico.
*Investigador e professor
universitário
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