Pedro Ivo Carvalho | Jornal de
Notícias | opinião
Aos olhos de um europeu, mesmo
que esse europeu seja um brasileiro com pouco açúcar, como os portugueses,
todas as teorias sobre o tsunami político que varreu o Brasil são simultaneamente
atendíveis e falhas. Porque a complexidade das causas que levaram a que uma das
mais representativas democracias do Mundo se veja na iminência de ser
"usada" para instituir uma ditadura, torna a distância geográfica num
muro que, não sendo intransponível, se apresenta como um vigoroso obstáculo
para um exaustivo entendimento do fenómeno. Ao ler o extraordinário texto da
jornalista e escritora Eliane Brum no jornal "El País" fica a
perceber-se melhor o quão difícil é aceitar, primeiro, e compreender, depois, a
real dimensão desta tentação coletiva para o suicídio de quase 50 milhões de
pessoas. Em 30 anos a cobrir eleições, escreve Eliane, nunca viu nada assim.
Prevaleceu, em larga medida, o
voto do ódio, ódio ao estabelecido, ódio à captura que o PT fez do Estado, à
corrupção a que sucumbiu como todos os outros partidos de que se gabava estar
nos antípodas. Sem um pingo de autocrítica, acrescente-se. Ódio visceral e
transversal a uma crise institucional e económica que assola o Brasil há
décadas.
Bolsonaro é odiado e amado pelas
mesmas razões. O que o torna a ele, como a tantos outros fascistas, mais
difíceis de anular. A narrativa serve-se da ausência de um discurso conexo.
Bolsonaro é o homem com o dedo no gatilho que demasiados brasileiros informados
acreditam será redentor. Se dúvidas houvesse, ficou agora provado à saciedade
que a categorização moral destas personagens só serve para lhes insuflar o ego
e a base eleitoral. Até ao dia 28,
a luta não será entre Haddad e Bolsonaro, não será entre
Esquerda e Direita. Não será entre o Bem e o Mal. Será entre continuar a viver
em democracia ou abdicar dela em favor de uma ditadura que não escondeu a
ninguém ao que vinha. E isso é que torna tudo tão assustador. A clareza da
mensagem e da escolha.
* Diretor-adjunto do JN
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