quarta-feira, 10 de outubro de 2018

Brasil, pão sem açúcar


Pedro Ivo Carvalho | Jornal de Notícias | opinião

Aos olhos de um europeu, mesmo que esse europeu seja um brasileiro com pouco açúcar, como os portugueses, todas as teorias sobre o tsunami político que varreu o Brasil são simultaneamente atendíveis e falhas. Porque a complexidade das causas que levaram a que uma das mais representativas democracias do Mundo se veja na iminência de ser "usada" para instituir uma ditadura, torna a distância geográfica num muro que, não sendo intransponível, se apresenta como um vigoroso obstáculo para um exaustivo entendimento do fenómeno. Ao ler o extraordinário texto da jornalista e escritora Eliane Brum no jornal "El País" fica a perceber-se melhor o quão difícil é aceitar, primeiro, e compreender, depois, a real dimensão desta tentação coletiva para o suicídio de quase 50 milhões de pessoas. Em 30 anos a cobrir eleições, escreve Eliane, nunca viu nada assim.

Prevaleceu, em larga medida, o voto do ódio, ódio ao estabelecido, ódio à captura que o PT fez do Estado, à corrupção a que sucumbiu como todos os outros partidos de que se gabava estar nos antípodas. Sem um pingo de autocrítica, acrescente-se. Ódio visceral e transversal a uma crise institucional e económica que assola o Brasil há décadas.

Bolsonaro é odiado e amado pelas mesmas razões. O que o torna a ele, como a tantos outros fascistas, mais difíceis de anular. A narrativa serve-se da ausência de um discurso conexo. Bolsonaro é o homem com o dedo no gatilho que demasiados brasileiros informados acreditam será redentor. Se dúvidas houvesse, ficou agora provado à saciedade que a categorização moral destas personagens só serve para lhes insuflar o ego e a base eleitoral. Até ao dia 28, a luta não será entre Haddad e Bolsonaro, não será entre Esquerda e Direita. Não será entre o Bem e o Mal. Será entre continuar a viver em democracia ou abdicar dela em favor de uma ditadura que não escondeu a ninguém ao que vinha. E isso é que torna tudo tão assustador. A clareza da mensagem e da escolha.

* Diretor-adjunto do JN

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