No filme "Pele de Luz",
o realizador André Guiomar quis abordar a questão do albinismo. Já o
documentário "Entre Eu e Deus", de Yara Costa, mostra como ainda é
complexo ser muçulmano, também na sociedade moçambicana.
"Pele de Luz", filmado
o ano passado, retrata pessoas com albinismo em Moçambique. O filme
conta a história de duas irmãs albinas que, em Maputo, enfrentam ainda as
crenças enraizadas na magia negra.
O realizador português André
Guiomar passou os últimos quatro anos no país e aprendeu a entender a
importância da fé, nomeadamente, o espaço da magia negra nos hábitos dos
moçambicanos. "Para obter riqueza, muitas vezes tem que se matar um albino
e usar os seus órgãos nesses rituais", começa por afirmar André Guiomar,
acrescentando que a história do filme surge quando conheceu Anifa, que é a
personagem principal. "A Anifa está envolvida no Parlamento Juvenil de
Maputo e quando sai à noite é raptada e acaba por sobreviver a esse rapto e
escapar. A polícia apanha a carrinha e a partir daí a minha ideia foi
[perceber] como é que mentalmente se aguenta ou onde é que nós nos apoiamos
para continuarmos sãos depois disso", conta.
Foi assim que se apercebeu da
existência em Moçambique - tal acontece noutros países de África - de um
preocupante problema de violação dos direitos humanos. No entanto, o filme que
é exibido esta segunda-feira (22.10), em Lisboa, e que também estará
em exibição em Moçambique, procura mostrar duas formas diferentes de lidar com
o albinismo, como explica o realizador: "O filme acaba por ser ela [Anifa]
e a irmã mais nova [Isa], que está numa crise mais complicada porque está numa
idade mais frágil, e está a construir a sua identidade. Não encara da mesma
maneira as diferenças que ela vê em si própria. Portanto, a Anifa, mais velha,
vê positivamente ser diferente dos outros. Acha isso uma caraterística
positiva, mas a Isa está ainda numa fase muito complicada de aceitação nesse
sentido".
O realizador sublinha ainda que,
na vida destas pessoas, a fé, a educação escolar e o apoio familiar são três
pilares estruturais importantes. E acrescenta que não bastam as
campanhas para combater os abusos contra os albinos.
Por sua vez, Yara Costa estreia
no DocLisboa o seu documentário "Entre Eu e Deus", a primeira
longa-metragem sobre Karen, uma adolescente muçulmana da Ilha de Moçambique.
Em entrevista à DW África, Yara
Costa explica que ao aperceber-se de um "fenómeno relativamente recente
associado à mudança na forma de vestir dos jovens, quis entender se este facto
também "representava uma forma de pensar diferente e o que é que estava a
acontecer com aquelas pessoas que estavam, de repente, a mudar as suas vestes e
o seu comportamento". É assim que surge então a ideia de contar a história
de Karen. "Porque achei que ela, além de ter uma história e de ser
um personagem fortíssimo, dá a cara a esse fenómeno que é uma coisa mais geral
que está a acontecer, não só em Moçambique, mas também em vários países
africanos onde existe a religião muçulmana", explica.
Islão vs Preconceito
Baseando-se na sua realidade
islâmica, a realizadora moçambicana traz a público a temática do
fundamentalismo religioso no mundo inteiro, alimentado, sobretudo, por jovens
que procuram outras referências ou outra forma de estar na sociedade. Yara quis
também "explorar um pouco o conflito que existe entre a geração mais jovem
e a geração mais antiga que, apesar de religiosa, não está confortável e não se
vê representada nesta nova forma de praticar a religião".
No filme, Yara Costa trata de
apresentar a história sem fazer nenhum julgamento ou juízo de valor, mostrando
quão complexo é hoje em dia ser muçulmano em Moçambique. Como
explica à DW, "Entre Eu e Deus" pretende abordar o preconceito que
existe em relação a estas pessoas. "[Existem] muitos estereótipos, o de
achar que uma mulher faz isso porque tem um homem que a está a obrigar, porque
são mulheres que não têm acesso à educação, porque são mulheres oprimidas; e o
meu personagem ajuda a desmistificar um pouco essa ideia, que a faz identificar
com algo que vai além das fronteiras da Ilha de Moçambique e do islão que ela
conheceu. Queria mostrar esse lado também, o preconceito que ela sofre por ter
feito essa escolha. Ela paga um preço muito alto por isso".
Confrontada com a necessidade de
muito debate sobre o preconceito e a diferença retratados no filme, a
realizadora considera que ainda "há muito desconhecimento e muita
distância entre eu e o outro". Mais ainda em Moçambique, tal como no mundo
inteiro, onde a religião islâmica é associada à violência, a atos terroristas.
Face a esta visão, Yara Costa deixa a pergunta: "Todo o muçulmano é um
potencial terrorista?".
"Entre Eu e Deus" é
exibido no dia 28 de outubro, no Cinema de São Jorge, na reta final da décima
sexta edição do Doclisboa, Festival Internacional de Cinema documental,
que teve início a 18 de outubro e termina no dia 28.
João Carlos (Lisboa) | Deutsche |
Welle
Sem comentários:
Enviar um comentário