domingo, 14 de outubro de 2018

Há 20 anos na República Democrática do Congo – A Batalha de Kindu I


Martinho Júnior | Luanda

1- Faz 20 anos que em Angola e na República Democrática do Congo, sob impulso do choque neoliberal, as batalhas se sucediam em frentes relativamente voláteis com a definição dos campos de manobra:

Angola havia-se tornado aliada da RDC sob a Presidência de Laurent Kabila, no seguimento da tomada do poder pela força do mais antigo rebelde congolês, apoiado na altura (1ª fase de operações militares) pelo Uganda e o Ruanda.

Com Laurent Kabila à frente do novo governo que havia apeado Mobutu, quer o Uganda, quer o Ruanda, aliando-se ao“Rassemblement Congolais pour la Démocratie », provocam a 2ª guerra do Congo (que ocorreu entre 1998 e 2003), na tentativa de colocar em Kinshasa alguém identificado com seus propósitos, sob a influência do “lobby” dos minerais com tentáculos internacionais desde os Estados Unidos.

Os dois países dos Grandes Lagos estabeleceram assim uma plataforma de aproximação a Savimbi, pelo que Angola, tirando partido da aliança com o novo governo congolês, com a noção geoestratégica da expansão das linhas, passou a ser militarmente parte activa na guerra dentro da RDC, para além da guerra que ocorria dentro do seu próprio território.

Há 20 anos o objectivo no leste, contra as Forças Armadas do Congo, era Kindu, a capital do Maniema (a noroeste dos lugares por onde em 1965 se estabeleceu a guerrilha do Che no Congo, a sul de Kisangani e situada na margem esquerda do caudaloso rio Congo), por causa do seu estratégico aeroporto…


2- A partir dum discreto gabinete de apoio, fora das estruturas oficiais, eu e dois outros patriotas angolanos, José Herculano Pires e Alberto José Barros Antunes Baptista, ambos já falecidos, passámos a dar apoio ao Estado Maior Geral das FAA, com informação e análise, de forma a contribuir para defender o estado angolano e o da RDC, contra a plataforma que então integrava, entre outros, Savimbi, Paul Kagame e Yoweri Museveni…

A síntese que se segue, então produzida, refere-se a acontecimentos de há precisamente 20 anos, acontecimentos que refiro hoje como choque neoliberal, na tentativa do capitalismo financeiro transnacional tomar, sem quaisquer obstáculos de natureza humana, o miolo mais suculento de África, instrumentalizando aqueles três protagonistas.


3- Enquanto na Venezuela se assistia ao início da afirmação socialista e bolivariana contra o neoliberalismo, tendo à frente o Comandante Hugo Chávez e o Pólo Patriótico, em África (Angola e República Democrática do Congo) uma poderosa onda de choque se abatia, tocando em toda a extensão o tecido humano de ambos os países, devassados desde o passado de trevas e da Conferência de Berlim.

É na esteira desses acontecimentos que haveria em consequência e mais tarde, com geometrias variáveis, de ser instalada a terapia neoliberal, vocacionada para os campos político, económico e financeiro, debilitando-os ainda mais e, apesar dos seus esforços, alimentando o caudal das vulnerabilidades e incertezas que se arrastam desde o passado… até nossos dias, com todas as consequências humanas que isso tem acarretado.

Martinho Júnior - Luanda, 12 de Outubro de 2018

Ilustrações:
Localização de Kindu, no leste da RDC;
O Presidente Laurent Kabila;
Aeroporto de Kindu;
Porto de pirogas em Kindu (travessia do rio Congo);
O Presidente Paul Kagame, do Ruanda (ainda nas vestes dum guerrilheiro).

A BATALHA DE KINDU

1 ) TÍTULOS:

Rebeldes Congoleses capturam localidades do LESTE; (GOMA).
Os rebeldes do CONGO visam a queda do Governo – HRVOJE HRANJSKI – “API”, (KALIMA).
Combatentes rebeldes no LESTE do CONGO – HRVOJE HRANJSKI – “API”, (KALIMA).
Rebeldes Congoleses têm como objectivo a base aérea – HRVOJE HRANJSKI – “API” – (KALIMA).
Avião a jacto abatido no CONGO.

2 ) SÍNTESE:

No início do mês, a 03 OUT 98, o “WASHINGTON POST” dava a conhecer uma ofensiva em várias frentes dos rebeldes, a NORTE e SUL de KISANGANI:
A NORTE, com o objectivo em BUTA, a meio caminho entre a fronteira Ugandesa e a Capital da REPÚBLICA CENTRO AFRICANA, BANGUI (na estrada do NORTE).
A SUL, com a tomada de UBUNDU e KALIMA, de forma a preparar o ataque sobre KINDU, a estratégica base aérea com que as FAC contam para atingir todo o LESTE do País.
O Correspondente da “API” refere a presença do Batalhão do Comandante ARTHUR MULUNDA, com 1.500 homens, que teria chegado de BUKAVU para a área de combate, tomado KALIMA e aparentemente recebido reforços nessa localidade, onde podem aterrar transportes ANTONOV AN – 72.
Notícias contraditórias foram dadas sobre KINDU, mas os rebeldes parece terem tomado posições em áreas periféricas, cercando a localidade e a base aérea, utilizando capacidade anti aérea e acabando por abater um avião civil duma Companhia Congolesa (não referenciada), a 10 OUT 98.
O tipo de actividade táctico – operativa assemelha-se à normalmente empregue pela Organização Armada de SAVIMBI, mas é de supor que a ofensiva em várias frentes esteja simultaneamente a ser apoiada pelas UPDF, a NORTE e pelas FPR a SUL, (com o reforço de efectivos seus).
As notícias da “API” corroboram as divulgadas pela “ZA NOW”, da ÁFRICA DO SUL e pelos jornais Ugandeses.

3 ) MAIS ALGUMAS CONCLUSÕES:

A ameaça sobre KINDU por parte da coligação rebelde, é uma ameaça que é tida como “podendo determinar o futuro da guerra Congolesa que dura há dois meses”, retirando ou diminuindo, no caso da sua perda, a capacidade das FAC e aliados de atingir alvos importantes na FRENTE LESTE, com a utilização da sua arma aérea.
A sua perda colocará em risco o sistema de defesas que rodeia o KATANGA e a ligação LUBUMBASHI – LIKASI – KAMINA – KIKWIT – KINSHASA, que em relação a ANGOLA constitui o “cinturão de segurança”possível à volta da nossa fronteira LESTE.
Por conseguinte, garantir que KINDU se mantenha em poder das FAC e dos aliados é também importante para o escalonamento do conjunto das Forças que mantêm a acção da coligação rebelde na RDC longe das nossas fronteiras, evitando a ligação física com as linhas da Organização Armada de SAVIMBI no LESTE do nosso País.

Se estabelecermos um paralelo entre o cerco a KINDU e o esforço de cerco que está a ser feito sobre SAURIMO, parece-nos evidente que a estratégia da coligação rebelde passou a ser reconhecidamente comum: cercar as maiores bases aéreas de forma a procurar que a aviação Angolana não possa ter alternativas para atingir o LESTE e de forma a, pelo menos, diminuir a pressão da arma aérea sobre a possibilidade da coligação rebelde vir a estabelecer ligação dos GRANDES LAGOS à REGIÃO DAS GRANDES NASCENTES, no centro do nosso País.

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