Manuel Carvalho da Silva | Jornal
de Notícias | opinião
A Web Summit - ou cimeira da
rede, como se diria em português - foi predominantemente uma manifestação
espetacular de deslumbramento acrítico com as novas tecnologias e com o
empreendedorismo individual.
No entanto, na edição deste ano,
além das abordagens do costume surgiram intervenções que, a avaliar pelo que a
Imprensa noticiou, se demarcaram do fogo de artifício celebratório, para
colocarem interessantes interrogações e alertas. A discussão sobre as
tecnologias e os problemas suscitados pela sua adoção, feita em ritmo acelerado
e extensão ilimitada, tem-se desenrolado num grande vazio de avaliação dos seus
impactos potenciais e da possível regulação.
Sem dúvida, os acelerados avanços
na inovação, no conhecimento e na adoção de novas tecnologias trazem às
sociedades do nosso tempo questões muito sensíveis, mas estes são apenas uma
pequena parte dos grandes problemas que temos pela frente, o que reforça a
necessidade de não nos sujeitarmos a determinismos tecnológicos. Tenhamos
presente os perigos vindos do belicismo reinante que martiriza milhões e
milhões de seres humanos, da degradação ambiental e ecológica, da
"economia que mata", da mercantilização do trabalho e da vida das
pessoas, da pobreza e das desigualdades, das tensões entre democracia e autoritarismo
e dos movimentos migratórios associados a justos anseios de imensos seres
humanos. É neste quadro, e buscando soluções para cada um desses problemas, que
temos de racionalmente construir interrogações e desenvolver estudos, definir
limites e criar regulações sobre a utilização das tecnologias.
Na Web Summit ouviram-se algumas
vozes prudentes. Retivemos três delas.
A primeira, do secretário-geral
da ONU, António Guterres, valeu sobretudo pelo alerta quanto à utilização da
inteligência artificial e da robótica para fins militares condensado numa
frase: "Máquinas [inteligentes e autónomas] que têm o poder de tirar vidas
humanas são politicamente inaceitáveis, moralmente condenáveis e devem ser
banidas pela lei internacional".
A segunda, de Tim Berners-Lee -
apresentado como pai da Internet - destacou-se pelo apelo à consciência e
deontologia profissional dos informáticos: "Se estão a criar uma enorme
plataforma de software, ou uma pequena plataforma que se pode tornar enorme,
precisam de pensar nas implicações. Aquela linha de código que escrevem tem
implicações na liberdade de expressão".
A terceira, de Chistopher Wylie -
o programador que denunciou os crimes da empresa que "tomou de
empréstimo" dados pessoais na posse da Facebook, para usar na campanha presidencial
de Donald Trump, não se deteve na questão da liberdade de expressão e disse:
"Estamos a deixar-nos colonizar pelas empresas tecnológicas". Afirmou
também: "O futuro em que algoritmos estão no comando" não está assim
tão longe; "no futuro vamos ter a casa conectada ao carro, ao telemóvel,
ao escritório" e "os sistemas informáticos poderão ter o poder de
decidir". Chistopher Wylie deixou-nos um apelo para que nos interroguemos
e procuremos soluções para duas questões fulcrais: o da ética profissional e o
da regulação, desafiando-nos a agir enquanto é tempo.
As tecnologias devem ser
manuseadas com prudência, com rede. Da conceção à adoção têm de ser
escrutinadas pela consciência dos profissionais, pela comunidade científica e
pelo público. Têm de ser debatidas politicamente e reguladas pelos poderes
públicos, por certo em várias escalas.
As tecnologias têm enormes
consequências sociais que é preciso tentar antecipar e avaliar desde a fase de
conceção, às de adoção e disseminação. Da mesma forma que se instituíram
estudos de impacto ambiental e outros como condição prévia ao licenciamento de
grandes projetos, ou a avaliação de risco de novas drogas, é preciso instituir
estudos sobre o impacto social das tecnologias como condição prévia para a sua
adoção.
As pessoas não podem ser peças de
mecanismos que não controlam. Mas têm direito ao acesso aos mecanismos que
podem facilitar a realização de objetivos individuais e coletivos de vida, têm
direito a usufruir das capacidades das máquinas para serem mais felizes.
*Investigador e professor
universitário
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