“Voando sobre um Ninho de Cucos”
ou no original “One Flew Over the Cuckoo’s Nest” é um filme pesado e incómodo.
Daqueles que não queremos ver porque a papa não vem feita e onde a sociedade é
desnudada expondo toda a sua hipocrisia e autoritarismo, não admitindo espaço
para irreverência própria da condição humana ou até o livre-arbítrio dos seus
cidadãos.
Brandão de Pinho | Folha 8 | opinião
Pela primeira vez desde que
escrevo para o Folha 8, nesta crónica, comecei pelo título e só depois o
desenvolvi. A ideia não me ocorreu no banho – cenário de tantas epifanias – mas
numa viagem, na solidão do meu carro tendo como única companhia o rádio que aliás
me inspirou o título depois de ouvir um programa sobre loucura e a
impossibilidade de um louco saber que está louco. Tenho vindo a amadurecê-la
desde há alguns dias e cada vez mais vejo paralelos assustadores entre o filme
e a realidade, sobretudo a angolana.
Nunca tinha percebido – até hoje
– a razão e o significado do título do filme, homónimo do título do livro que
sempre me pareceu um pouco enigmático, mas a verdade é que o “ninho de cucos”
do livro é o nome da instituição de doentes mentais e “cuckoo” é o calão inglês
para “louco”.
Em português também se diz de um
louco que não está bem da “cuca” e os guardas e polícias, na gíria, são
chamados de cucos. Lembro-me dos mais velhos dizerem do cuco, que este
anunciava a Primavera, atacava ninhos alheios e produzia um som particular:
“cu-cu”; razão pela qual foi denominado, justamente, de cuco.
Já em Angola a cerveja “Cuca” tem
de facto o poder – se consumida em excesso, de não deixar bem da “cuca” os seus
consumidores, inebriando-os e endiabrando-os num estado de loucura de facto. É
pena é que os cucos angolanos ainda permitam que os condutores embriagados
conduzam impunemente.
Curiosamente em Valpaços
(Portugal), ouvi hoje de um homem velho, o epíteto “cuco” – reportando-se a um
cavalheiro cuja infiel mulher vai cometendo amiúde pequenos adultérios – embora
o cuco, esse atraiçoador pássaro, mais do que atraiçoado é uma traiçoeira ave,
o que me levou a confrontar esse homem vetusto com tamanha comparação
desprovida de lógica que ele, reticente e hesitante, não soube justificar,
concordando que o povo nem sempre é assim tão sábio como se poderia pensar à
primeira vista.
Um cuco em Angola passará o
período de invernação – mas não hiberna – e virá a Portugal reproduzir-se por
alturas de Março. Ou seja, é evidente a metáfora com aquela casta privilegiada
que rouba em Angola no Inverno da impunidade e deposita os proveitosos ovos de
ouro nos bancos portugueses que lhes servem de ninhos.
É uma ave curiosa. Para além de
traiçoeira é parasita dos ninhos alheios de outras aves com ovos parecidos e as
suas crias nascem já com o “gene” da perfídia, fruto de rigorosos e ancestrais
mecanismos darwinistas de selecção natural.
João Lourenço tem 2 objectivos
evidentes para o seu tirocínio: Diversificar a economia e livrá-la da maldição
do petróleo; e, destruir os ninhos de marimbondos e mesmo marimbondos isolados.
Um exemplo de um ninho é o clã
“Dos Santos” e o de um isolado será Isabel dos Santos – que decerto não se
deixará acossar e caçar facilmente ao contrário do seu dependente irmão Zenu.
Todavia há questões que se
colocam. Estarão o país, as suas forças vivas, os seus cidadãos, em suma, a
sociedade civil angolana preparados para um modelo económico baseado – já não
em planos quinquenais e numa economia planeada – no investimento privado, no
trabalho árduo e no empreendedorismo que permita que todos os sectores de
actividade (ainda para mais no mais rico de África) sejam preenchidos
gradualmente, gerando riqueza e auto-suficiência?
Relembro que Angola e os
Angolanos de etnia não europeia de um modo geral viveram sob 400 anos de
exploração e escravatura dos seus próprios pares, mais 100 anos de colonialismo
lusitano e 43 de uma cleptocrática ditadura, mais fascista do que comunista, o
que os torna à partida menos preparados para basearem a sua vida em princípios
de integridade e lealdade intelectuais e laborais como se estivessem presos a
um destino determinista e talvez já sem quaisquer vínculos e referências dos
seus pais, avós e bisavós no que concerne a uma certa filosofia e modo de vida
assente na livre iniciativa, cultura do trabalho e da iniciativa privada, e, da
necessidade absoluta de ambição, espírito de sacrifício, preparação, formação e
educação como ferramentas para se vencer na vida e singrar nos negócios.
Será que os marimbondos são assim
tão poucos como JLo afirmou em Portugal?
E será que os cerca de 30 milhões
de angolanos estarão comprometidos e unidos nesse intuito e têm força para os
aniquilar – mesmo sabendo-se que o emepelialismo e imperialismo pseudo-comunista
eduardista criaram uma sofisticada classe de sanguessugas, que habituada a
muito e muito fácil dinheiro e a uma total impunidade não se vai deixar
perseguir nem render brandamente?
Em “Voando sobre um Ninho de
Cucos”, Milos Forman, realizador da ex-Checoslováquia, fez uma metáfora
perfeita entre a sua própria vida e a do seu país, percebendo que o que iria
filmar não era apenas literatura, mas a vida real, a vida que viveu desde o seu
nascimento até à sua morte na década de sessenta.
O Partido Comunista no seu país
(e país dos dentistas do MPLA) era a enfermeira do filme e do livro e era esse
mesmo partido que decidia o que se podia e não podia fazer, o que ele era ou
não era e o que se podia ou não podia dizer. Era quem determinava onde cada um
deveria estar e onde não poderia ir, e no limite, até quem cada cidadão era e o
que não era.
Este filme é uma alegoria
perfeita sobre o que ocorre com uma sociedade que entrega um poder ilimitado
nas mãos de um punhado de pessoas sem exigir, simultaneamente, que prestem
contas. O Comandante Supremo neste momento goza desse pesado regime e por
melhores que sejam as suas intenções, trata-se de uma conjuntura arriscada e
perigosa.
É a alegoria de Angola que se
entregou passivamente, primeiro aos portugueses, depois aos traidores do MPLA e
mais recentemente aos chineses com as quais toda a pachorra para negociar é
pouca.
Angola, por um certo prisma, é
uma sociedade fascista, governada por tabus e normas de conduta, e, em que a
normalidade é determinada pela elite e toda a irreverência trazida para esta
normalidade e quotidiano dos angolanos é severamente castigada, revelando-se
este tema como um dos principais quer do país quer do filme.
Angola é um gigantesco Hospital
Psiquiátrico como aquele onde se desenrola o filme, em que os seus doentes
vivem obedientemente dopados, amansados e sem quaisquer desejos que não viver
dia após dia.
O protagonista do filme (que
metaforicamente representa o cidadão comum angolano) vai contra esta
normalidade e bate de frente com o sistema acabando por ser vítima de uma
lobotomia.
Na mesma medida o cidadão
angolano vive lobotomizado ao ponto de achar que a gasosa, a grande corrupção,
o nepotismos, a bajulação e os roubos descarados dos poderosos ao erário
público mais não são que a norma e padrão.
O que parece às vezes é que o
povo angolano já desistiu e se acomodou a essa normalidade imposta pelo MPLA,
normalidade que João Lourenço não consegue mudar, procrastinando para as novas
gerações o objectivo da plena democracia, com todos os direitos e deveres
associados.
Não se sabe se João Lourenço voa
sobre um ninho de marimbondos ferozes e perigosos ou de cucos parasitas e
traiçoeiros ou até de cucos no sentido de loucos como referi num sentido não
literal no início da crónica.
Mas é quase certo que se perder a
batalha que tem contra os marimbondos e também a batalha da diversificação
económica (bem mais difícil do que o que parece pois nessa, os angolanos terão
de participar activamente) vai perder a guerra e Angola tornar-se-á numa
Guiné-Bissau ou numa Líbia.
Será aconselhável ao Comandante
que seja um homem avisado e use muita prudência pois talvez estes traidores da
pátria sejam simultaneamente parasitas, traiçoeiros, ferozes, perigosos e…
loucos.
E talvez os angolanos, sozinhos,
ainda não estejam preparados para pôr o país a laborar ao ritmo louco dos dias
de hoje.
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