Criou-se um clima nebuloso onde a
verdade e a mentira se confundem deliberadamente para que surja, como único
farol clarificador, a versão legítima e absoluta veiculada pelos meios mainstream.
José Goulão | AbrilAbril | opinião
Notícias falsas existem há muito.
Formam um dos pilares, juntamente com a propaganda política enganosa, em que
assenta o sistema global que nos governa, na sua vertente indispensável da
manipulação de opiniões – a da violência cultural, do terrorismo psicológico.
Agora há as «fake news». Se
fizermos a tradução à letra o resultado é «notícias falsas», portanto algo que
nos é familiar embora nem sempre demos por elas, por muito prevenidos que
estejamos.
Indo além da letra da tradução,
para entender as «fake news» no contexto em que entraram no léxico imposto pelo
neoliberalismo económico-político-cultural, encontramos um pouco mais do mesmo
em termos de manipulação, porém com um grau superior e bastante mais abrangente
de agressão, não apenas formatando opiniões mas procurando também esmagar o
princípio democrático do contraditório. Um gigantesco ardil.
As «fake news», tal como entraram
muito recentemente nas nossas vidas, trazem no bojo uma ambição de censura não
institucionalizada mas muito mais eficaz. A operação «fake news» impõe, de
facto, as verdades oficiais do sistema dominante transmitidas precisamente
através dos meios que sempre produziram as falsas notícias, os chamados mainstream.
Ou seja, a comunicação social de grande consumo não apenas continua a limitar o
acesso dos seus frequentadores – seguramente mais de 90 por cento da população
mundial – à realidade em que vivem como aponta o dedo inquisitorial aos que
lutam por desvendar e divulgar essa mesma realidade, transformados assim em
criminosos fazedores de «fake news».
Por isso, a operação «fake news»
não apenas reforça o juízo moral, político e económico, que pretende ser
absoluto, como tenta asfixiar a contestação fundamentada desse juízo. A
operação «fake news», no limite, quer inviabilizar os efeitos dos mecanismos
através dos quais se divulgam realidades diferentes, factos contraditórios,
opiniões contrárias – desacreditando-os, perseguindo-os, caluniando-os.
Exemplos abundam
Os propagadores do conceito de
«fake news» tal como ele entrou no pacote de consumo quotidiano, transitando
dos meios de comunicação para as conversas comuns, profundas ou superficiais,
poucas vezes se ocupam em dar suporte às suas acusações, pois tal não é exigido
pelo absolutismo das suas verdades. No lado contrário, os acusados da prática
de «fake news» dispõem de uma rica panóplia de exemplos capazes de desmistificar
algumas das grandes verdades oficiais, circunstância que permite perceber muito
bem as razões que determinaram o lançamento da operação de descredibilização.
A situação exemplar clássica é a
dos acontecimentos de 11 de Setembro de 2001 em Nova York , que está na
génese, aliás, de muitas das grandes mentiras oficiais que nos envolvem e
fizeram doutrina.
O problema não é tanto o de saber
se a mirabolante versão oficial dos atentados é mentira ou não; muito mais
grave é o facto de todas as outras versões que põem factualmente em causa a
tese única imposta serem silenciadas, ocultadas, até ridicularizadas como
“teorias da conspiração”. As informações que revelam não apenas a
impossibilidade de os acontecimentos terem decorrido segundo a explicação
oficial, como demonstram factos que as contradizem, são resumidas a «fake news»
pela comunicação mainstream.
Por isso, os trabalhos de
prestigiados engenheiros norte-americanos e de outras nacionalidades
demonstrando que as torres do World Trade Center ruíram por implosão provocada
provavelmente por explosivos colocados nos seus pilares, e não devido ao embate
dos aviões terroristas – um caso que, finalmente, chegou às mãos de um Grande
Júri de Nova York para ser apreciado –, são reduzidos a lixo provocatório. O
que as investigações científicas apuraram é que os danos produzidos nos
edifícios pelo embate dos aviões não foram suficientes para provocar o seu
desabamento, pelo menos da maneira que aconteceu. Haveria matéria para reabrir
os processos e diversificar investigações, mas isso poderia tocar em
intocáveis, logo reduz-se a «fake news».
Do Iraque à Ucrânia
Não menos clássica é a mentira
que serviu de rampa de lançamento à invasão e destruição do Iraque em 2003 – a
da existência das celebérrimas «armas de destruição massiva» em poder do regime
de Saddam Hussein. Década e meia e centenas de milhares de vítimas mortais
depois os arsenais «mostrados» na ONU pelo secretário de Estado norte-americano
não apareceram; e abundam os exemplos de que as fontes de tais elementos
estavam inquinadas. Porém, não houve o cuidado de esclarecer a vasta opinião
pública que, afinal, tudo não passou de um embuste sangrento. E a mentira
continua a fazer o seu caminho.
Posto isto, dizer que não
existiram as «insurreições populares» na Líbia e na Síria que serviram de
justificações para as invasões dos dois países é «fake news»; informar que
Muammar Khaddafi foi assassinado na sequência de um processo conduzido pelos serviços
secretos franceses é «fake news»; demonstrar que países como os Estados Unidos,
a França e o Reino Unido recorrem ao terrorismo fundamentalista islâmico para
concretizarem estratégias próprias no Médio Oriente é «fake news»; recordar que
o golpe de Estado para estabelecer a «democracia» na Ucrânia deu asas às
organizações nazis para dominarem o país é «fake news»; revelar provas de que o
avião civil malaio que fazia o voo MH-17 pode não ter sido abatido por um
míssil da Rússia é «fake news»; todos os exemplos comprovativos de que a NATO
se comporta como uma aliança agressiva são «fake news».
Qualquer um dos leitores sabe que
a lista é muito mais extensa e poderá dar o seu contributo para preenchê-la.
Mas não será necessário. Percebe-se perfeitamente até onde nos conduz a fábula
das «fake news» brandidas pelos difusores habituais das notícias falsas que
enchem as nossas vidas.
Efeito ainda mais perverso
O alcance dos efeitos de toda
esta operação é, porém, bastante mais longo e culmina na viciação do ambiente
informativo, propícia à confusão absoluta entre verdade e mentira.
Nesse ambiente proliferam e
surtem efeitos alguns processos que jamais serão devidamente esclarecidos como
o do envenenamento da família Skripal, o suposto uso de armas químicas em
vários lugares, a alegada democratização do Afeganistão, as intrigantes
intervenções da Rússia nas eleições norte-americanas, no referendo britânico ou
até mexendo os cordelinhos que guiam os coletes amarelos em França e na
Bélgica, como recentemente «descobriu» o presidente Macron.
Criou-se assim um clima nebuloso
onde a verdade e a mentira se confundem deliberadamente para que surja, como
único farol clarificador, a versão legítima e absoluta veiculada pelos
meios mainstream, fora dos quais reinam a falsidade, a manipulação, a
falta de escrúpulos.
É desigual o combate. Mas uma
maneira eficaz de o travar é ter bem presente a noção de que os tradicionais e
controlados fazedores de notícias falsas tentam minar tudo o que está para além
deles, de modo a que a sua estratégia se afirme plenamente e sem obstáculos.
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