A RENÚNCIA IMPOSSÍVEL
Negação (continuação)
…
Quero matar-me
e deixar que o não-eu
se aposse de mim
Mais do que um simples suicídio
quero que esta minha morte
Seja uma verdadeira novidade histórica
um desaparecimento total
até mesmo nos cérebros
daqueles que me odeiam
até mesmo no tempo
e se processe a História
e o mundo continue
como se eu nunca tivesse existido
como se nenhuma obra tivesse produzido
como se nada tivesse influenciado na vida
como se em vez de valor negativo
eu fosse Zero…
(continua)
6- Os negócios com diamantes
garantiram uma parte substancial dos processos de assimilação “luso-euro-tropicais”,
para além do fim do colonialismo e colapso da internacional fascista na África
Austral, até aos nossos dias, abrindo espaços não só à continuidade dos
processos de assimilação colonial, mas também aos meandros das “transversalidades” capazes
de propiciar neocolonialismo, até por que negociar diamantes é inerente ao
capitalismo, às elites burguesas conformadas à “civilização judaico-cristã
ocidental” e às suas eternas disputas… “os diamantes são eternos”,
recordam todos os que aplicam à letra a máxima “o segredo é a alma do
negócio”!...
Com os diamantes de Angola
propiciam-se todo o tipo de enredos nesse sentido…
De certo modo, particularmente os
relacionamentos bilaterais entre Angola e Portugal têm que ver com essas formas
quase sempre secretas de cultivar os interesses e as conexões que se adaptam ao
cruzamento entre clãs… digo bem cultivar, pois esses enredos assumem, em função
da sua continuidade, um carácter antropológico e os etno-nacionalismos, com
todo o oportunismo de que se nutrem e fazem fermentar, tiram partido da
natureza dos enlaces e negócios, conforme se pode aperceber mais facilmente com
as ligações entre famílias, incluindo “famílias sócio-políticas” (por
exemplo o clã de Mário Soares com o clã de Savimbi)…
Esses relacionamentos foram sendo
fomentados estimulando a burguesia, a classe média e a pequena burguesia dos
dois países e, no caso angolano, constituem uma das bases da formulação
das “novas elites” (ou os “100 novos ricos”) propiciadas desde o
Acordo de Bicesse (assinados a 31 de Maio de 1991) pelos impactos neoliberais,
tanto por via do choque savimbiesco, quanto, após ele, em plena época sucedânea
de terapia neoliberal!
É evidente que essa apetência
veio detrás e teve configurações evolutivas marcando a cadência das épocas, das
conjunturas e dos cenários.
Muitas das tensões internas na
sociedade angolana, nas instituições angolanas, no ambiente sócio-político
angolano, inclusive as tensões que se radicalizaram, derivam dos interesses em
relação aos diamantes e aqueles que se assumiram pela dignidade e pelo respeito
para com o estado angolano enquanto seus servidores e mesmo depois, sem se
deixaram corromper e servindo com fidelidade, correram sempre o risco, pela sua
atipicidade, de sofrerem as consequências, na “esquina mais próxima” (lembrando
ainda as preocupações do presidente Agostinho Neto)…
7- Os ensinamentos recolhidos por
via do processo 105/83 e o comportamento do próprio poder em relação ao quadro
de oficiais instrutores desse processo, são um testemunho vivo desse tipo de
enredos, que os oficiais, militantes do MPLA, souberam durante décadas
silenciar por que a unidade nacional, a independência e a soberania, associada
à preservação da dignidade que é devida a quem está à frente do estado, está
acima desse patamar histórico, antropológico, sociológico e psicológico em que
me estou a situar (desvendei e continuo a desvendar quanto a partir do exterior
haviam tentações para explorar a fraqueza, as vulnerabilidades e a
inexperiência dos angolanos)…
De qualquer modo, ressalvando
sempre a imperiosa necessidade de unidade e coesão nacional e integridade do
próprio MPLA, já se passaram mais de trinta anos sobre os acontecimentos e,
constatando-se quão importante é voltar ao rigor da gestão do estado angolano
enquanto fiel depositário dos interesses do povo angolano, é oportuno
relembrá-los com o fito de contribuir pedagogicamente para “corrigir o que
está mal e melhorar o que esta bem” e para afirmar que a corrupção em
Angola, tendo que ver com este tipo de ambientes, tem um espaço de manobra
incomensurável, que afecta múltiplas franjas da sociedade e é de há décadas um
poderoso tecido canceroso também dentro do estado, algo impossível de por
completo se poder extirpar, até por que é movido a partir do exterior, a partir
do “lobby” dos minerais e do próprio cartel, sem outras voltas a
dar!…
8- Essa é uma das razões
profundas que me tem levado a evidenciar a justeza do internacionalismo e da
solidariedade do povo cubano para com África e sobretudo para com Angola, para
além dos acontecimentos históricos comuns na saga de libertação do continente,
algo que o próprio comandante Fidel sublinhou em tempo oportuno em plena ONU: a
ajuda internacionalista cubana tinha e tem o sentido dum imenso resgate, “de
Argel ao Cabo da Boa Esperança”, com o fito de contribuir para arrancar os
povos africanos dum passado de trevas e assumir um direito, o direito humano de
ter acesso ao desenvolvimento sustentável, em pé de igualdade com todos os
povos da Terra!...
A lógica com sentido de vida,
nada tem a ver com mercantilismos, nem com os tristes mercantilismos que
projectaram no passado colonialismo e escravatura, mas também assimilados e
indígenas enquanto “condenados da Terra”, nem os do tempo presente
projectados pelas assimilações possíveis com o capitalismo neoliberal e seu
cortejo de mercenários e também “diamantários” de ocasião, do após 25
de Novembro de 1975 em Portugal e do após Bicesse (31 de Maio de 1991)!
Para a África Central, os Grandes
Lagos, o Congo e a África Austral, foi o Comandante Che Guevara e os que o
seguiram à época que, ombro a ombro com os revolucionários africanos do
Movimento de Libertação, inauguraram a internacional progressista informal que
culminaria com o colapso definitivo do “apartheid” em África, com
imensas provas dadas de dignidade, coerência e integridade!
Essa linha de demarcação
contribui para mim também para vincar uma fronteira invisível entre o que é do
Não Alinhamento activo e o resto, algo que passa pela cultura pessoal do
carácter e do comportamento: em relação ao rigor, minha cultura pessoal diz
tudo, em relação aos tráficos e à corrupção minha cultura pessoal diz nada e
por isso, enquanto patriota e oficial, os combati alimentando as minhas mais
perenes e justas convicções!
9- O processo 105/83 não começou
com os diamantes!
Ficou visível publicamente um
alvo secreto do trabalho da Contra Inteligência Geral da Segurança do Estado, o
apartamento do edifício Texaco à Maianga, que havia sido ocupado pelo
funcionário e migrante goês (e de nacionalidade portuguesa) do consulado dos
Estados Unidos em Luanda (acreditado em função do regime colonial), que dava
pelo nome de Raul António Dias, padrinho de casamento de Carlos Fragata.
O goês Raul António Dias tinha
migrado para Angola pois era um elemento implicado com o colonialismo português
e avesso à tomada de Goa, Damão e Diu pela União Indiana, ou seja, um elemento
que para ter uma trajectória que mereceu a integração no Consulado dos Estado
Unidos em Luanda, só poderia estar “filtrado” antes de mais pela
PIDE/DGS fascista e colonial, dado os sintomas de seu processo migratório!
Nesse apartamento em relação ao
qual o Secretário de Estado da Habitação de então, Diandengue, levou uma
interessada que o havia denunciado para o ocupar com o suporte público dos
serviços de reportagem da ainda Televisão Popular de Angola, estava arrecadado
parte do espólio da documentação desse consulado, numa altura (oito anos depois
da independência) em que os Estados Unidos ainda não haviam reconhecido Angola…
Dada a ausência do território
nacional do Raul António Dias, o afilhado Carlos Fragata e outro cidadão
angolano empregado e assalariado para o efeito, o velho Pedro Capita, haviam
ficado encarregues de o proteger, sem alguma vez darem oficial, ou
oficiosamente a conhecer o recheio que por lá se encontrava.
“Queimado” publicamente pela
reportagem da TPA o expediente secreto que a Contra Inteligência levava a cabo
em relação a esse enredo, em função do inopinado “curto-circuito” provocado
pelo Secretário de Estado da Habitação, ficou em parte comprometido, pelo que
não havia outra alternativa senão, entre outras medidas então tomadas, deter os
implicados, até por que Carlos Fragata residia no mesmo andar, paredes meias
com esse recheio…
Por outro lado, outro
frequentador do referido apartamento, Armando Viegas, amigo de Carlos Fragata e
seu colega enquanto atleta e jogador de hóquei em patins, foi também detido
pois já antes havia sido detectada a sua contínua frequência nesse enredo…
É Armando Viegas que sob
interrogatório começa a descobrir a pista sobre os diamantes, denunciando
Hadoindo da Silva Correia Miranda, antigo administrador de Cacuso no tempo
colonial, como um dos partícipes em tais negócios na altura considerados de
ilícitos e, quando se começou a desenrolar o “novelo”, foi através dele
que se detectou Fernando Margarido Pires (o “Fernando do Soqueco”) e
o “nó” que constituía o então “Stand Univendas”, de que era
administrador Fernando Gonçalves Ribeiro de Sousa, irmão de outro traficante,
António Augusto Gonçalves de Sousa, “Feroz”, (actual proprietário do Sol
Dourado), eles sim traficantes de maior grandeza que na altura se encontravam
ausentes de Angola (e por isso foram julgados e condenados à revelia)…
No cofre do “Stand
Univendas” a equipa da Contra Inteligência Geral que havia sido colocada
nas Operações da Segurança do Estado para instruir o processo 105/83, encontra
uma autêntica “bíblia” dos negócios de tráfico ilícito de diamantes
correntes daquele grupo (características, peso e qualidade dos lotes, os
implicados nos negócios, valores correspondentes a cada transacção, as formas
de pagamento, transporte, distintas “moedas de troca”, etc…), com
implicações internacionais e por isso recebeu ordens de continuar as investigações “até
às últimas consequências” (?)…
As características humanas dessas
redes encobertas de negócios, tinham inclusive “experts” ao nível
do “velho” Armindo Leitão da Silva, que aos primeiros sinais procurou
por todos os meios fazer-se sair de forma clandestina de Angola (tentando
corromper homens de mão) em direcção a Portugal, mas não evitou sua detecção
por parte dos oficiais instrutores, através de expedientes de contra
inteligência que desenvolveram a “contrarrelógio” com vista à sua
detecção e captura (algo que se conseguiu em relação a uns, falharia em relação
a outros, mas dá ideia do pânico que a acção do 105/83 provocou entre os
traficantes “luso-euro-tropicais”)!
10- O 105/83 foi na altura um
manancial de referência sobre o tráfico ilícito de diamantes e de moeda, com
múltiplas implicações, correspondendo a uma vasta radiografia humana das redes
de traficantes da altura e o trabalho levado a cabo pelos oficiais instrutores,
possibilitou entre outras pequenas vitórias, diminuir a fluência dum comércio
que fugia ao controlo do estado angolano em prejuízo dos seus interesses, da
empresa estatal de diamantes e do povo angolano e logicamente pressionar as
apetências de corrupção e assimilação que isso recriava nos angolanos!
Foi um trabalho patriótico que
provocava por si, sem qualquer dúvida, ondas de choque na sociedade angolana,
em várias áreas do país, particularmente em algumas das mais vulneráveis, onde
os negócios eram de há muito mais intensos, tudo reflectindo as conexões externas
e os seus fluxos cognitivos, inclusive de inteligência!...
Em função desse expediente levado
em tempo a Tribunal Popular Revolucionário, no que ao tráfico ilícito de
diamantes e de moeda se pôde aperceber, tornou-se possível aferir e avaliar:
Enredos de suporte bancário em
vários países (Angola, Portugal, Bélgica e Suíça sobretudo), envolvendo
entidades ao nível, dum Union des Banques Suisses e do Trade Development Bank
(no caso da Suíça);
Indícios de actividades de
conexão a diversas redes de inteligência operando em Angola, Zaíre, África do
Sul, Portugal e Bélgica, algumas delas existindo em função de conexões do
cartel ao nível dum Maurice Tempelsman e de serviços como os dos Estados
Unidos, Grã-Bretanha, Portugal e África do Sul (regime do “apartheid”);
O conhecimento do “modus
operandi” dessas redes com implicações em três companhias aéreas: TAAG,
TAP e Sabena (esta última a partir de Kinshasa);
Quanto os angolanos eram
prejudicados sob o ponto de vista económico e financeiro pela actuação nefasta
dessas redes, uma vasta sabotagem aos interesses socialistas nacionais e a
algumas das instituições mais sensíveis do país;
Quanto os interesses externos,
entre eles dos governos portugueses resultantes do 25 de Novembro de 1975,
estavam interessados nesse tipo de enredos clandestinos e desgastantes, até por
que através deles além de se auto nutrirem inclusive em termos de recolha de
informação, estabeleciam nexos com outros “parceiros” entre eles dos
Estados Unidos, do “apartheid” e do clã Mobutu do Zaíre (neste caso
inclusive na sua actuação para dentro de Angola, tirando partido dos vales do
Cassai e do Cuango);
Quanto os tráficos ilícitos eram
um mecanismo de pressão sobre a sociedade angolana no sentido de
indelevelmente, através duma sistemática e corrosiva manobra clandestina que
permitia a injecção contínua do dólar dos Estados Unidos a corromperem,
vulnerabilizando as políticas de rigor dum estado que a todo o transe, segundo
o que se assumia publicamente, procurava ganhar orientação socialista.
De facto a operação de
desestabilização em curso e que se punha a nu, dava continuidade através de
sequelas com múltiplos enredos humanos de assimilação que se arrastavam desde o
colonialismo, ao carácter do Exercício ALCORA e por isso não era de admirar entre
outras questões, que o acordo secreto entre o colonialismo português e o “apartheid” só
muito recentemente tenha começado a ser exposto, tal como o curriculum de
inspectores da PIDE/DGS que se passaram para a África do Sul (Óscar Cardoso e
Fragoso Allas) e Brasil (Ernesto Lopes Ramos e Rosa Cavaco)!
11- A manobra da acusação
de “golpe de estado sem efusão de sangue” que recaiu sobre os
oficiais instrutores do processo 105/83 (através do processo 76/86), tem que
ver com tudo isso, pelo que me assistiu e assiste o direito e o dever de
sublinhar em relação a tudo isso, que “a história me absolverá” e, “quando
um dia se fizer luz sobre esse assunto, que seja o MPLA a ganhar com o seu mais
que devido esclarecimento”!
Foi precisamente dessa forma que
assumi toda a defesa possível da causa que nutria os meus passos, inclusive
dentro das prisões por onde passei e depois de condenado, em Bentiaba, quando
decidi interromper um discurso perante os reclusos do então Ministro do
Interior, camarada Kundiphaima, ainda que sob a mira das armas de sua própria
escolta.
É evidente que as ameaças e os
riscos se avolumaram depois de 1986, em reforço da subversão e desestabilização
de Angola, num crescendo que Bicesse não parou, pelo contrário, contribuiu para
incentivar…
Foi nesse húmus que, a título de
exemplo, foram fermentando os enlaces entre os clãs familiares de Soares e de
Savimbi, antes e durante o choque neoliberal por ele protagonizado, numa
autêntica sequela “inteligente” do Exercício ALCORA!…
Esse é um conjunto de razões que,
entre outras mais, me leva a ser muito crítico para com o ambiente do Acordo de
Bicesse e seus resultados, sabendo que o poder em Angola, perdendo seus aliados
naturais que partilhavam os projectos de edificação do socialismo, ficava à
mercê de interesses que fomentavam a contínua fragilidade e vulnerabilidade da
sociedade angolana, incluindo nas suas “transversalidades”, podendo abrir
espaços e fracturas inclusive a correntes que podiam estar (e continuam a
estar) tentadas à eclosão, entre outros fenómenos mais recentes, duma “revolução
colorida”, ou “primavera árabe” em Angola!
Todos os processos “transversais” de
longa duração contra Angola reflectem a “transversalidade” clandestina
referente aos infindáveis negócios com diamantes e outras riquezas naturais de
Angola, não sendo alheios a isso os sucessivos grupos da FLEC, ou o
Protectorado Lunda Tchokwe, que se atirou de forma tão ignóbil, mentirosa,
alienada e ideologicamente diversionista contra os oficiais instrutores do 105/83,
entre eles eu próprio.
Outro fenómeno que se prende a
isso é a migração ilegal proveniente do Sahel via RDC que penetra
principalmente ao longo do curso internacional do Cuango e em direcção sul,
para dentro da bacia do Cuanza, afectando directamente as províncias de
Malange, das Lundas e do Bié e indirectamente outras mais, Luanda incluída!
Os tráficos de toda a ordem,
envolvendo quantos deles o que se prende à clandestinidade dos negócios de
diamantes, são registos muitas vezes “behind the scenes”, que contribuem
para a complexidade dos enredos dos fenómenos sócio-políticos e humanos.
Por isso não poderia ser eu a
contribuir ainda mais para essa desestabilização com enlaces cujos húmus
conhecia tão bem, pelo que decididamente defendi e defendo o presidente José
Eduardo dos Santos e o seu exercício, numa época que ele teve de enfrentar
tantos desafios, tantos riscos, tantas armadilhas, ingerências, manipulações,
fragilidades e vulnerabilidades, sabendo de antemão que o tempo do silêncio
(que durou praticamente mais de 30 anos) iria um dia acabar e as razões de
estado, as razões que assistem a Angola, voltariam a impor-se por si: “corrigir
o que está mal e melhorar o que está bem”!...
Martinho Júnior - Luanda, 13 de Janeiro de 2018
Ilustrações:
As quedas de água de Tazua, no
rio Cuango;
Passaportes angolanos,
instrumentos indispensáveis para os “nós” do sistema de redes humanas
dos negócios clandestinos de diamantes, cujos expedientes podem afectar os
Serviços de Emigração e Fronteiras;
Garimpeiros ilegais que infestam
rios como o Cassai, o Cuango e o Cuanza, assim como seus sistemas de afluentes
e subafluentes;
Minha Declaração de Liberdade
pondo fim a 5 anos de injusta prisão… “A história me absolverá”!;
Os diamantes aluviais possuem normalmente
um máximo de 5 karats e os do Cuango são quase sempre de um amarelo-limão.
Referências: