sábado, 17 de março de 2018

MOÇAMBIQUE | Eis a prova de que o povo está farto


@Verdade | Editorial

Os resultados da segunda volta da eleição intercalar para a escolha do presidente do Conselho Municipal da Cidade de Nampula demonstram de forma clara e inequívoca que os munícipes de Nampula, em particular, e os moçambicanos no geral estão fartos do desgoverno imposto pela Frelimo desde a Independência Nacional. Na referida eleição, o candidato da Renamo, Paulo Vahanle, venceu, tendo derrotado o candidato da Frelimo, Amisse Cololo. Quando já estavam contabilizados 95 porcento dos votos, Paulo Vahanle tinha aproximadamente 60 porcento.

Porém, o que chama atenção nos resultados da segunda volta não é necessariamente a vitória do candidato da Renamo, mas o número de eleitores que se fizeram às assembleias de votos comparativamente ao que aconteceu no dia 24 de Janeiro. Ou seja, mais de 20 mil eleitores decidiram exercer o seu dever de cidadania nesta segunda volta, o que significa que houve um aumento do nível de participação de 25 porcento para 32. Esta mudança, digamos repetina, de comportamento por parte do eleitor é uma prova de que os nampulenses decidiram em não deixar que o Município de Nampula fosse parar nas mãos de quem já lá esteve por vários anos e pouco ou quase nada fez.

De forma consciente, os munícipes de Nampula mostraram que já não se deixam enganar pelo número de capulanas, camisetas e outros bens que lhes são oferecidos durante as campanhas eleitorais. Os resultados da segunda volta da eleição intercalar em Nampula é uma mensagem clara de que os nampulenses, por um lado, estão sedentos de mudanças palpáveis e, por outro, estão cansados das promessas infundadas da Frelimo.

Embora seja uma eleição local, a mesma revela o sentimento dos moçambicanos e também deixa antever que os eleitores vão apostar na mudança nos próximos pleitos eleitorais, se o Secretariado Técnico de Administração Eleitoral (STAE) e a Comissão Nacional das Eleições (CNE) não interferirem no processo, como tem sido hábito.

Refira-se também que está claro que, em eleições onde o processo de fiscalização feita pelos partidos políticos e observadores, as derrotas da Frelimo são certas, uma vez que este com a ajuda dos órgãos eleitorais criam condições para manchar o processo.

MOÇAMBIQUE | Exército preparado para cumprir acordo com RENAMO sobre reestruturação


Vice-ministro da Defesa Nacional de Moçambique, Patrício José, disse em Maputo que as Forças Armadas de Defesa de Moçambique estão preparadas para cumprir um eventual acordo político sobre a reestruturação do exército.

O Governo moçambicano e a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) estão a negociar a integração de oficiais da guerrilha do principal partido da oposição em posições de comando nas Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM), polícia e serviços de informação, no âmbito dos esforços de busca da paz. "As FADM não acomodam ninguém, mas cumprem e estão preparadas para cumprir ordens do seu Comandante em Chefe [o chefe de Estado]", afirmou esta sexta-feira (16.03) na capital moçambicana Patrício José, Vice-ministro da Defesa Nacional de Moçambique.

Caso o chefe de Estado, Filipe Nyusi, chegue a acordo com o líder da RENAMO, Afonso Dhlakama, sobre um novo formato nas FADM, a instituição está apta a seguir tal entendimento, prosseguiu Patrício José.

O vice-ministro da Defesa Nacional avançou que o país deve ter a capacidade de antecipar focos de instabilidade militar como forma de evitar futuros conflitos. "Estamos a eliminar [os fatores de violência militar], mas precisamos de aprimorar a formação e capacidade de antever os focos de conflito", assinalou Patrício José.

Apesar de o Governo da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) e a RENAMO terem assinado em 1992 o Acordo Geral de Paz, o país viveu ciclos de violência militar, provocado por litígios eleitorais.

Descentralização do país

Recorde-se que o Presidente moçambicano submeteu no passado mês de fevereiro uma proposta de revisão pontual da Constituição da República que aprofunda a descentralização do país, na sequência de um entendimento com o líder da Renamo, no quadro das negociações para uma paz duradoura.

A paz "não virá unicamente do pacote de descentralização. Depende do empenho de todos e de outros fatores relacionados", acrescentou na altura o chefe de Estado moçambicano.

Os consensos têm sido também alcançados na comissão de assuntos militares, nomeadamente "quanto ao desarmamento, desmobilização e reintegração dos efetivos da RENAMO", cujo anúncio foi remetido para breve.

Governo aponta pobreza como ameaça à segurança nacional

Patrício José, apontou a pobreza e as assimetrias regionais como grandes ameaças à segurança nacional. "No nosso [de Moçambique] caso concreto, a primeira e maior ameaça é de cariz económico e social e as assimetrias regionais, sobretudo ao nível de infraestruturas, e tudo isso se traduz em pobreza", disse o vice-ministro da Defesa Nacional.

Segundo o governante moçambicano a pobreza manifesta-se na privação da maioria da população de bens essenciais como a alimentação, gerando focos de instabilidade política e social.

Patrício José assinalou que a falta de acesso à educação e saúde e o alastramento de doenças endémicas, como a SIDA e tuberculose, também expõem o país a vulnerabilidades. As mudanças ambientais, prosseguiu, colocam desafios à segurança nacional, pois as cheias e seca agravam a pobreza, levando muitas comunidades ao desespero.

"As cheias e seca prolongada vão agravar a situação de pobreza e essas ameaças conjugadas põem em perigo a estabilidade do nosso Estado", afirmou. O país também deve estar preparado para enfrentar a pirataria, devido à sua imensa costa, e as ameaças cibernéticas, acrescentou.

Em declarações aos jornalistas, à margem da abertura do ano letivo no Instituto Superior de Estudos de Defesa (ISEDEF), o vice-ministro da Defesa Nacional assinalou que o país deve aprimorar a sua prontidão contra as ameaças à segurança nacional, considerando complexos os desafios da Defesa. "Claro que estamos preparados [para garantir a segurança nacional], a prova disso é que em mais de 40 anos de independência, Moçambique não perdeu um centímetro do seu território", concluiu.

Agência Lusa, ar | Deutsche Welle

ANGOLA | João Lourenço nega divisões no MPLA


Presidente de Angola e vice-presidente do partido no poder rejeita alegações de divisão no seio do MPLA. "Sempre houve interessados em corroer o partido", diz sobre crise de liderança no país.

O Presidente de Angola e vice-presidente do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), João Lourenço, negou este sábado (17.03) que exista divisão no seio do partido no poder em Angola. O chefe do Executivo angolano negou que uma divisão entre "supostos eduardistas e lourencistas", garantindo que existem apenas militantes do MPLA.

"Isso não existe no nosso seio, só há mempelistas, porque todos defendemos o MPLA e as suas causas. Só há patriotas angolanos, porque todos defendemos a causa de Angola e dos angolanos", afirmou João Lourenço na abertura II Reunião Metodológica Nacional sobre a Organização do Trabalho do Partido.

O dirigente do MPLA referia-se à "ideia criada e difundida" recentemente em alguns círculos da sociedade angolana com o objetivo de "dividir" os militantes do partido. "Ao longo da sua história, o MPLA enfrentou e ultrapassou momentos difíceis. Em alguns casos teve cisões que o enfraqueceram, mas soube sempre evitar consequências piores".

João Lourenço defendeu que "sempre que possível" se trabalhe com antecipação para que a união do partido seja preservada. "Isto é uma preocupação que deve ser permanente, porque acredito que, dentro e fora, sempre houve quem estivesse interessado em corroer o partido, para que não cumpra com a sua missão histórica", declarou.

O chefe de Estado angolano também defendeu o reforço do combate às "más condutas, ao desrespeito aos princípio e valores" do partido, assim como o fortalecimento das estruturas da organização política. O Presidente de Angola sublinhou que os princípios e valores do MPLA são caracterizados por "insuficiências na organização e gestão, nas distintas áreas de especialização e na excessiva burocratização do aparelho central e auxiliar".

No discurso, apelou a uma maior proximidade dos dirigentes às comunidades e a uma maior inserção do partido na sociedade. Segundo João Lourenço, é o momento de o partido dar início ao trabalho para preparar os seus quadros para o "grande desafio" que tem pela frente, com a realização das primeiras eleições autárquicas no país.

Fim próximo?

No poder desde 1975 em Angola, o MPLA tem reforçado nos últimos tempos os apelos de união na formação política, numa altura em que vários círculos da sociedade angolana, incluindo militantes do próprio partido, têm criticado abertamente uma alegada bicefalia entre João Lourenço e José Eduardo dos Santos, líder da organização política desde 1979.

Na reunião ordinária do Comité Central realizada esta sexta-feira, José Eduardo dos Santos propôs a realização de um congresso extraordinário para dezembro de 2018 ou abril de 2019. O ex-presidente de Angola tinha anunciado, entretanto, que deixaria a vida política ativa este ano.

Sobre a proposta apresentada, os participantes ao encontro decidiram que vão ser realizadas duas reuniões, a primeira em abril deste ano pelo Bureau Político, e a segunda em maio pelo Comité Central para refletirem sobre a realização do congresso extraordinário e a transição política da presidência do MPLA.

Dos Santos, que não dá sinais de querer abandonar a liderança do partido no poder, disse que pretende empenhar-se "pessoalmente” no grupo de trabalho que este ano vai "preparar a estratégia” do MPLA para as primeiras eleições autárquicas: "Assim, recomendo, por ser mais prudente, que a realização do congresso extraordinário do partido, que vai resolver a liderança do MPLA, seja em dezembro de 2018 ou abril de 2019”.

Agência Lusa, kg | Deutsche Welle

ANGOLA | JES dá sinais de não querer sair da liderança do MPLA


José Eduardo dos Santos garantiu que o próximo congresso extraordinário do partido no poder deverá realizar-se só entre dezembro de 2018 e abril de 2019. O evento deve ditar o fim da sua carreira política.

José Eduardo dos Santos (JES) fez o anúncio dias depois de MPLA, o partido no poder em Angola, ter rejeitado informações sobre clivagens na organização.

É que recentemente circularam informações dando conta de que o líder do partido teria sido obrigado a abandonar a direção do MPLA para pôr fim a bicefalia que para alguns está a interferir na governação de João Lourenço.

Dos Santos, que não dá sinais de querer abandonar a liderança do partido no poder, disse que pretende empenhar-se "pessoalmente” no grupo de trabalho que este ano vai "preparar a estratégia” do MPLA para as primeiras eleições autárquicas: "Assim, recomendo, por ser mais prudente, que a realização do congresso extraordinário do partido, que vai resolver a liderança do MPLA, seja em dezembro de 2018 ou abril de 2019”.

Entretanto, apesar de apresentar duas datas, o líder do partido não disse se vai ou não por fim a vida política.

JES  vai cumprir a promessa?

O comentarista político Augusto Báfua Báfua está cético quanto à vontade do ex-Presidente angolano em deixar as suas funções no partido.

"Fica um pouco confuso entender como é que José Eduardo dos Santos quer fazer a transição. Uma vez que ele declarou que iria sair da política ativa em 2018, [e agora] ele remete para o último mês [do ano] a realização do congresso. E outra hipótese para depois do fim ano, isso dá a entender que não quer fazer a transição tão cedo", sublinha Báfua.

Para o diretor do Centro de Debates e Estudos Académicos de Angola, Agostinho Sicato, há um paradoxo no discurso de JES ao tentar marcar o congresso extraordinário para abril do próximo ano.

"O anúncio não traz novidades. A novidade que se espera é o cumprimento da promessa que José Eduardo dos Santos fez de abandonar a vida política ativa em 2018. Em relação a realização do congresso o MPLA há essa prerrogativa, mas que não seja em 2018, porque isso contradiz com a promessa de José Eduardo dos Santos ", observa Sicato.

Riscos de tumultos se JES não abandonar a liderança do MPLA

Para Augusto Bafua Bafua, dos Santos poderá ainda adiar o congresso para um outro período, pelo facto de querer trabalhar pessoalmente nas estratégias que o MPLA está a traçar para as autarquias.

De acordo com o Báfua Báfua, "deve haver muitas vozes que entendem que chegou a hora de José Eduardo dos Santos abandonar o partido".

"Um partido não é uma empresa ou um bem familiar. Se o Presidente José Eduardo dos Santos for aquele presidente que faz as devidas leituras, vai entender que melhor mesmo é convocar o congresso ainda neste ano, entre junho ou agosto, porque por menos provável que seja ainda é possível que aconteça um tumulto, a medida em que o tempo vai passando [e pode] haver contestação, não só interna mas como também externa".

Muitas vozes dentro do MPLA defendem que João Lourenço, Presidente da República e vice-presidente do MPLA, é a pessoa ideal para dirigir o partido depois da saída de JES.

Há coragem para a democratização no seio do MPLA?

Mas Agostinho Sicato defende a realização de congressos democráticos, que contem com a presença de mais candidaturas.

Para o diretor do Centro de Debates e Estudos Académicos de Angola deve apenas focar-se na governação do país.

"Se o José Eduardo dos Santos na verdade não quer mais continuar a liderar o partido, então o MPLA tem que ter a coragem de se democratizar. Ou seja, devem surgir novos candidatos a concorrer para o mandato desde que não seja com o atual vice-presidente do partido que também é Presidente da República", disse Agostinho Sikato.

E o analista alerta para o risco de excesso de poderes: "Não acredito que se o MPLA eleger um outro presidente que não seja João Lourenço haverá bicefalia. O Presidente da República tem muitas funções. E o país deve entender que João Lourenço é humano como qualquer outro cidadão. Se lhe atribuirmos muitos poderes, vamos transformar João Lourenço num ditador em três meses."

José Eduardo dos Santos lidera o MPLA desde 1979, ano em que foi igualmente investido como Chefe de Estado, depois da morte do primeiro Presidente do país, Agostinho Neto.

Borralho Ndomba (Luanda) | Deutsche Welle

“As fake news são dominadas pelos governos ocidentais e pelas multinacionais”


Entrevista com David Miller


David Miller especializou-se no estudo do papel central que a comunicação detém nas relações de poder nas sociedades contemporâneas. É autor de A Century of Spin: How Public Relations Became the Cutting Edge of Corporate Power (2008) e, mais recentemente, tem investigado a constituição dos saberes e o papel dos “especialistas” associados à questão do terrorismo.

Historicamente, a fronteira entre relações públicas (RP) e propaganda foi pouco nítida. Como se criou essa distinção?

O termo propaganda foi usado por referência a actividades em tempo de guerra, mas foi claro para muitos dos pioneiros da indústria de RP que estiveram activos na guerra de 1914-1918 que poderia desempenhar um papel em tempos de paz. O problema foi que a propaganda passou a ter uma reputação negativa precisamente devido ao seu papel na guerra. Foi isto que fez com que Bernays, um dos principais fundadores do ofício, criasse o termo de relações públicas como um termo de RP para propaganda! É bem conhecido que o termo propaganda tem origem na criação, em 1622, pelo Papa Gregório XV, da Sacro Congregatio de Propaganda Fide. A sua missão era converter os não-crentes, “propagar” a fé. A ideia de propagar certo estado de coisas faz do termo propaganda mais adequado que qualquer dos termos alternativos que foram professados após a palavra ter adquirido uma má conotação no século XX.

O spin tem uma história que não se confina à arena política. Ele pode também ser a quintessência da economia transnacional. O spin da globalização e a globalização do spin não são fáceis de dissociar. Porquê?

Algum do meu trabalho mais remoto tentava perceber quais as razões por trás da ascensão da indústria de RP nas décadas de 80 e 90. A criação desta indústria foi uma resposta da classe dos negócios ao crescimento de uma classe trabalhadora organizada e às reivindicações associadas em relação ao sufrágio universal. A indústria expandiu-se por relação com os pontos-chave de conflito entre o poder económico e a esquerda, tanto nos EUA como no Reino Unido. As RP e as práticas que lhe estão associadas, como o lobbying, tornaram-se transnacionais pelas mesmas razões e em parte para olear a engrenagem da globalização dos negócios. A chave para compreender isto passa por olhar para a ascensão do neoliberalismo a partir dos anos 70. Com o objectivo de transferir recursos, então sob alguma forma de controlo democrático, para o sector privado, argumentou-se que a propriedade pública era ineficiente. Este argumento foi criado por uma série de think tanks apologistas do mercado livre financiados pelo poder económico e inspirados na Mont Pelerin Society. As RP foram fundamentais na privatização e, a partir do momento em que a indústria estava no sector privado, houve um aumento exponencial das possibilidades e necessidades dos profissionais das RP desenvolverem novos interesses sectoriais das empresas que representavam. Este processo foi inicialmente nacional, mas tornou-se crescentemente transnacional à medida que as companhias se globalizaram e, mais tarde, também quando os sistemas de governance passaram pelo mesmo. O aumento enorme de lobistas em Bruxelas seguiu-se à criação de um mercado único.

As relações públicas desempenharam um papel fundamental na constituição de memórias colectivas. Como é que a sua história pode propiciar novos debates sobre o nosso passado?

A noção de uma memória colectiva é fundamentalmente uma noção contestada. Durante a maior parte do tempo, existe uma versão “oficial” que é dominante e que fornece as crenças operacionais das elites políticas e do Estado. Mas é igualmente contestada por memórias colectivas de sentido contrário que emergem de lutas populares e democráticas. Para pegar num exemplo do Reino Unido particularmente pernicioso, os “valores britânicos” têm sido hoje mobilizados pelo aparato de contra-terrorismo do Estado e pelos seus apoiantes nos movimentos sociais conservadores. Os “valores britânicos” devem ser “promovidos activamente” em todas as escolas ao abrigo do Education Act (2002) e sob os auspícios do Counter Terrorism and Security Act (2015) todos os organismos públicos devem “impedir” as pessoas de serem atraídas para o terrorismo, que é associado ao “extremismo”. Este termo nebuloso é definido pelo Governo como “explícita ou activa oposição aos valores britânicos, incluindo a democracia, a rule of law, liberdade individual e mútuo respeito e tolerância por diferentes fés e crenças”. Qualquer pessoa minimamente atenta às notícias no período da “War on Terror” devia estar ciente de que o Estado britânico nunca foi um amigo da democracia no Iraque, no Afeganistão, na Síria e em muitos outros sítios.

Escreveu uma das mais reveladoras e pertinentes histórias das operações de spin e propaganda que levaram à segunda guerra no Iraque. Quais as suas principais características?

A guerra do Iraque foi “vendida” numa base falsa: a de que Saddam Hussein era uma ameaça para o Ocidente, que tinha armas químicas ou estava apostado em tentar desenvolvê-las. O logro foi multidimensional, da alegação de que o sequestrador do 11 de Setembro, Mohammed Atta, se tinha encontrado com membros dos serviços secretos iraquianos, passando pela alegada compra de urânio ao Níger e as fotografias de laboratórios químicos móveis até ao “apimentar” do dossier do governo britânico. Envolveu múltiplos serviços de informação e espionagem, todos eles dedicados a tentar legitimar o que de outra forma seria visto como aquilo que o procurador-geral norte-americano no tribunal de Nuremberga, Robert H. Jackson (1892-1954), descreveu como “o supremo crime internacional, que se distingue de outros crimes internacionais na medida em que contém em si o mal acumulado como um todo”.

Qual a ligação deste episódio com o presente?

Isto é particularmente importante porque a lição retirada por aqueles então no poder foi de que o engodo era um instrumento político útil. Por isso, quando se tratou da legitimação da intervenção desastrosa na Líbia, em 2011, o público britânico foi ludibriado sobre a dimensão da ameaça às populações civis. Um relatório comprometedor de um comité parlamentar sobre o tema acabou de facto com a carreira parlamentar do primeiro-ministro David Cameron em 2016. Como é descrito por uma fonte, o comité “concluiu que a acção “não se baseou em informação fidedigna”; que a ameaça para os civis foi exagerada; e que a oposição a Kadhafi continha “um elemento islamita significativo”.

E no caso premente da Síria?

Uma das lições retiradas após os desastres do Iraque e da Líbia, e a que foi dado bom uso na Síria, foi o de que se existe oposição à guerra, e cepticismo face às denúncias de atrocidades, então a melhor forma de os contornar passa por organizar acções encobertas – por outras palavras, disfarçar a acção que é tomada e criar confusão acerca das forças que o Ocidente apoia. Na Síria, os EUA e o Reino Unido apoiaram a oposição ao regime de Assad e os britânicos foram ao ponto de financiar e gerir os gabinetes de comunicação dos grupos rebeldes sírios por via da Home Office Research Information and Communications Unit. Estes são apresentados como a oposição “moderada” ao regime de Assad, mas como o antigo embaixador britânico na Síria, Peter Ford, sublinhou, a oposição moderada em 2013 era “em grande medida produto da imaginação”.

Até que ponto a investigação feita no seio da academia em temas como o terrorismo ou a “defesa nacional”, entre outros, pode resistir à contaminação por interesses relacionados com agências governamentais ou sectores específicos (como o militar)?
O mundo académico não tem sido imune às pressões relacionadas com dinâmicas de marketing inauguradas com o neoliberalismo. Isto traduziu-se numa proporção decrescente de financiamento da investigação proveniente dos impostos e avaliação pelos pares e por uma crescente pressão para obter financiamento externo, incluindo dos sectores militar e privado. Este cenário foi acompanhado por uma forte pressão ideológica para que os académicos se adaptem às prioridades do estado securitário. Um exemplo óbvio: hoje existe uma verdadeira indústria de investigação na “radicalização”, um conceito primeiramente aplicado à questão do terrorismo pelo establishment securitário em meados da primeira década do século e que não se funda em nenhuma tradição intelectual substantiva. De forma crescente, as próprias agências de segurança financiam a investigação directamente. No Reino Unido existe um centro de investigação (The Centre for Research on Emerging Security Threats) que foi criado através da injecção de 4,35 milhões de libras proveniente dos serviços de informação e secretos britânicos. O problema potencial deste tipo de financiamento é que enviesa os temas sobre os quais os académicos se debruçam, mas ainda mais importante é o secretismo que lhe está associado.

As fake news estão longe de ser uma novidade. Existe alguma diferença significativa na forma como o problema se manifesta hoje, para além daquelas introduzidas pelas revoluções nas tecnologias de comunicação e nas redes sociais?

As fake news – ou seja, a prática de inventar notícias ou disfarçar as suas fontes – não são novas. Escrevi sobre isso durante algum tempo. Por exemplo, em 2006 escrevi uma peça no Guardian: “The propaganda we pass off as news around the world” sobre um serviço noticioso televisivo financiado pelo governo britânico. Vale a pena notar que aqueles que providenciaram fake news foram governos ocidentais e que tanto o governo britânico como norte-americano continuam hoje a disseminar material que é “fake”, tanto no sentido de que é enganador ou no sentido de que o papel dos estados na criação de organizações de informação ou no movimento “de base” que aparentemente está a fornecer a história é disfarçado.

Pode dar um exemplo?

Um exemplo é a organização pelos direitos das mulheres Inspire, cuja campanha #MakingAStand foi revelada em documentos que acabaram por se tornar públicos. É um “produto” da unidade de propaganda do Home Office do Governo.

E o debate sobre o assunto nos dias que correm?

Num certo sentido as fake news são realmente novas. Se considerarmos o termo como um dispositivo retórico despojado de qualquer conteúdo real, que é usado para atacar a esquerda, os media alternativos e encorajar a russofobia, então vemos algo de novo. Fake news – a real prática do engano – são dominadas pelas actividades dos governos ocidentais (especialmente dos EUA e do Reino Unido) e pelas multinacionais. O uso retórico do termo “fake news” é em grande medida mobilizado por facções da elite na tentativa de aumentar o seu poder e influência, para desferir ataques contra a esquerda e favorecer fins geopolíticos particulares, incluindo a preocupante russofobia que vemos hoje em todo o lado. É assim que temos a confecção bizarra do “Russiagate”, um escândalo que provavelmente ficará registado como a mais significativa história de corrupção e maquinação política na história norte-americana.

* David Miller é professor de Sociologia na Universidade de Bath do Reino Unido.

- Os entrevistadores são investigadores do Centro de Estudos Sociais — Universidade de Coimbra.

- Fonte: https://www.publico.pt/2018/03/04/mundo/entrevista/as-fake-news-sao-dominadas-pelos-governos-ocidentais-e-pelas-multinacionais-1805047

Dos pormenores aos «Pormaiores»


Alfredo Maia | AbrilAbril | opinião

O diabo está nos detalhes. Em Lisboa ou na Síria. Quando os media e «especialistas» insistem em designar como «rebeldes» e «opositores» grupos terroristas contra os quais, se ocupassem a ínfima parte do seu território, qualquer estado civilizado moveria céu e terra, os pormenores tornam-se «pormaiores». É do diabo.

Nos últimos dias, forças do Exército Árabe Sírio alcançaram significativos avanços em Ghouta Oriental, nos arreadores da capital, Damasco, reconquistando Douma e outras localidades importantes e dividindo o enclave, que estava controlado sobretudo por grupos terroristas, que muitos media e «especialistas» insistem em designar, de forma simplista, como «rebeldes» e «opositores» ao que sistematicamente classificam como «regime de Bashar al-Assad».

A utilização de conceitos genéricos e imprecisos – sistemática nalguns meios de informação estrangeiros e portugueses – para referir as forças «rebeldes» é um dos aspectos que mais contribui para confundir o público, redundando num ardil, como se fosse possível colocá-los todos no mesmo saco da «legitimidade» da oposição ao Governo da República Árabe da Síria[FN]Vale a pena ler, sobre a responsabilidade dos media, o artigo de Sharmine Narwani «Comment le discours médiatique a mis à mort le peuple syrien», em Arrêt sur Info(03/03/2016).

Pode ser por desconhecimento; pode ser por falta de tempo para completar, de forma informada, despachos de agências noticiosas, tantas vezes redutores quanto à identificação das forças em presença; como pode tratar-se de falta de espaço.

Mas é necessário que os media, que servem aos leitores, aos ouvintes e aos espectadores o «produto final» da informação sobre os acontecimentos, não deixem de fornecer-lhes elementos essenciais que lhes permitam formular o seu próprio juízo sobre tais factos e o respectivo contexto1. É para isso que serve o Jornalismo.

Pouco ajudam à formação de uma opinião pública realmente informada e apta alguns colunistas – frequentes ou ocasionais – que, acobertados sob as vestes de uma suposta independência científica, como «especialistas» ou «investigadores», se limitam a nutrir com preconceitos a recorrente narrativa da diabolização do Governo sírio, furtando-se ao especial rigor que lhes é exigível, por as intervenções no espaço público que lhes são concedidas levarem a chancela da credibilidade académica2.

Tão lestos a citar as cifras do chamado Observatório Sírio dos Direitos Humanos (OSDH), única e geralmente pouco ou nada contrastada fonte de informação dos media ocidentais quanto aos números de vítimas, muitos meios de informação omitem, com extrema frequência, as referências específicas aos concretos grupos alvejados pelas forças sírias feitas pelo próprio OSDH, sobejamente insuspeito de «ligações» ao «regime de Assad».

No meio de uma das suas mais recentes «notícias» sobre o desenrolar das operações militares em Ghouta Oriental, o OSDH precisa, com efeito, que os combates se travavam entre as forças sírias e os grupos terroristas Jaïch al-Islam3 (o Exército do Islão, em árabe) e Faylaq al-Rahmane (ou Legião do Todo-Misericordioso).

Como as respectivas designações indiciam, trata-se de grupos de inspiração confessional, conforme se pode ler numa recente «descodificação» do jornal francês Le Figaro, mais que insuspeito de qualquer simpatia por Bashar al-Assad ou o pelo Governo sírio. 

O primeiro é um grupo salafita, uma corrente «rigorosa» do islão sunita com uma interpretação estritamente literal do Corão com ligação à Frente al-Nusra, a filial síria da al-Qaeda, sendo apoiada pela Arábia Saudita. O segundo, apoiado pela Turquia e pelo Qatar, é outro grupo islamita salafita, próximo da Irmandade Muçulmana e com ligações à Frente al-Nusra, que o Centro Russo para a Reconciliação Síria exigiu, no domingo, sejam rompidas como condição para que possa partir de Ghouta.

Os seus propósitos estão muito longe de perseguir os simples objectivos «democráticos» de destituir o Governo da república laica que é a Síria, alvo de uma longa e tenaz ofensiva internacional por parte das potências imperialistas, que armaram, treinaram e financiaram uma complexa constelação de grupos armados, que se confundem – e por vezes digladiam – por interesses e objectivos diversos, mas que convergem num alvo comum a abater: Bashar al-Assad.

Outro elemento de primordial importância, mas omitido com frequência nas notícias sobre a situação em Ghouta Oriental, é o facto de este enclave, onde 400 mil habitantes servem de escudo humano aos terroristas, ser uma área de lançamento de constantes ataques «rebeldes» de contra zonas da capital da Síria, Damasco, designadamente com recurso a obuses, causando significativas baixas, mas que os media ocidentais pouco ou nada valorizam e tantas vezes omitem.

Na narrativa mediática dos acontecimentos na região, o que sobressai são «os ataques» do «regime sírio» sobre o enclave, um número elevado de vítimas civis (muito raramente há dados sobre baixas militares) expresso em cifras, extraordinária e surpreendentemente precisas, publicitadas dia-a-dia, quase hora-a-hora, pelo chamado OSDH, a fazer corar de inveja os serviços de comunicação de qualquer país ocidental, apesar do grau superlativo da devastação e da falta de recursos e meios básicos na região que as imagens mostram4.

Em vésperas do sétimo aniversário do início da «guerra civil», que os media ocidentais estão a assinalar com estatísticas avassaladoras e adjectivos demolidores, valeria a pena olhar com olhos de reflectir para pormenores essenciais que tantas vezes e tão convenientemente omitem.

É bem provável que o balanço não seja favorável a quem omite pormaioresafinal tão decisivos para se compreender o que é realmente uma tragédia, mas que tem causas e explicações que importa ter presente. É que a simplificação é uma das mais perigosas armadilhas do Jornalismo e mina a credibilidade da informação.

Notas:
1.Veja-se a notícia publicada ontem, 14/03/2018, no New York Times, cujo primeiro headline era: «Rebel snipers trap civilians in Syrian enclave, U.N. officer says») e a versão final editada: «Snipers Slam Shut an Escape Hatch From a Syrian Hell».
2.Por exemplo, num recente artigo no Público (9 de Março), uma investigadora do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI), da Universidade Nova de Lisboa, referiu-se sempre aos «múltiplos movimentos de oposição» e aos «movimentos de resistência», sem nunca os identificar ou caracterizar, ainda que sumariamente. A não ser para responsabilizar «os regimes sírio e russo» pela imputação do classificativo «terroristas» ao rótulo de «insurgentes» que a autora assume...
3.Neste caso e no seguinte, usa-se a grafia francesa.
4.Em contrapartida, é impossível encontrar nos media ocidentais referência aos protestos dos habitantes de Ghouta Oriental contra os ocupantes jihadistas. Veja-se, por exemplo, «Mass protests against militants take place in East Ghouta», em Al-Masdar News (15/03/2018) e o vídeo seguinte, com o mesmo tema.

Foto: Um homem empurra um carro de mão por entre os prédios danificados. Cidade de Douma, Ghouta Oriental, Damasco, Síria, 5 de Matrço de 2018. CréditosBassam Khabieh/REUTERS

PORTUGAL | Sondagem: PS à beira da maioria absoluta, PSD com maior subida desta legislatura


Popularidade do Governo continua a subir e António Costa é o único líder partidário cuja popularidade aumenta. A CDU também sobe nas intenções de voto, estando agora a menos de meio ponto do Bloco de Esquerda

As notícias são boas para os dois lados: no primeiro mês de Rio como presidente oficial do PSD, os sociais-democratas registam a maior subida em termos de intenções de voto de toda a legislatura, ao mesmo tempo que o PS continua a caminhar para a maioria absoluta. Embora se mantenha bem longe do PS, o PSD de Rui Rio sobe 1,5 pontos percentuais, algo que não se verificava desde 2015, e conquista a preferência de 28,4% dos eleitores, segundo indicam os resultados do barómetro da Eurosondagem de março para o Expresso e a SIC.

Mariana Lima Cunha | Expresso | Foto: Marcos Borga

FICHA TÉCNICA
Estudo de opinião efetuado pela Eurosondagem S.A. para o Expresso e SIC, de 8 a 14 de MARÇO de 2018. Entrevistas telefónicas, realizadas por entrevistadores selecionados e supervisionados. O universo é a população com 18 anos ou mais, residente em Portugal Continental e habitando lares com telefone da rede fixa. A amostra foi estratificada por região: Norte (20,8%) — A.M. do Porto (13,5%); Centro (29,2% — A.M. de Lisboa (26,7%) e Sul (9,8%), num total de 1010 entrevistas validadas. Foram efetuadas 1170 tentativas de entrevistas e 160 (13,7%) não aceitaram colaborar neste estudo. A escolha do lar foi aleatória nas listas telefónicas e o entrevistado, em cada agregado familiar, o elemento que fez anos há menos tempo, e desta forma resultou, em termos de sexo: feminino — 52%; masculino — 48% e, no que concerne à faixa etária, dos 18 aos 30 anos — 18,2%; dos 31 aos 59 — 50%; com 60 anos ou mais — 31,8%. O erro máximo da amostra é de 3,08%, para um grau de probabilidade de 95%. Um exemplar deste estudo de opinião está depositado na Entidade Reguladora para a Comunicação Social.

Parlamento português condena morte Marielle Franco e faz minuto de silêncio


A Assembleia da República exprime “a mais veemente condenação pela violência e pelos crimes políticos e de ódio que aumentam de dia para dia no Brasil”.

O parlamento português condenou esta sexta-feira a morte da vereadora e ativista dos direitos humanos Marielle Franco, do Rio de Janeiro, Brasil, "brutalmente assassinada a tiro na passada quarta-feira".

O voto de pesar e condenação foi anunciado logo na quarta-feira pela líder do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, durante o debate quinzenal com o primeiro-ministro, e é subscrito pelo presidente do parlamento, Ferro Rodrigues, BE, PS, PCP, PSD, PEV e pelo deputado André Silva, do partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN).

O CDS informou, mais tarde, que também subscreveu o documento e juntou-se aos restantes partidos na votação.

O texto aprovado por unanimidade pelos deputados refere que Marielle Franco era relatora da comissão de acompanhamento da Intervenção Federal no Rio de Janeiro e, "nos últimos dias, havia denunciado o assassinato de jovens negros pela Polícia Militar do estado".

"Socióloga, feminista, militante dos direitos humanos e crítica da recente ocupação de vastas áreas urbanas pela intervenção militar do governo federal no Rio de Janeiro, Marielle Franco empenhou-se na luta pelos direitos humanos, especialmente em defesa dos direitos das mulheres negras e dos moradores de favelas e periferias, e na denúncia da violência policial", acrescenta o voto.

No texto, a Assembleia da República exprime "a mais veemente condenação pela violência e pelos crimes políticos e de ódio que aumentam de dia para dia no Brasil".
O carro em que a vereadora viajava foi alvejado com tiros na quarta-feira à noite quando saía de um evento no bairro da Lapa, na zona central da capital carioca.

O crime, que tem indícios de ter sido uma execução, está a ser investigado pelas autoridades policiais locais.

A Organização das Nações Unidas (ONU) já pediu que as investigações "sejam feitas o mais rápido possível" e de forma "completa, transparente e independente", para que os resultados "possam ser vistos com credibilidade".

Lusa | em Expresso

Portugal | BARREIRAS DUARTE. ADEUS, Ó VAI-TE-EMBORA!


Direção do PSD descontente com o arrastar da polémica. Presidente do partido à espera que o próprio tome a iniciativa de sair

A posição de Feliciano Barreiras Duarte como secretário-geral do PSD está por um fio. A polémica em torno do currículo do deputado não caiu bem entre a direção social-democrata, onde vinga a tese de que Barreiras Duarte deve sair da secretaria-geral. Ao que o DN apurou junto de fontes da Comissão Política Nacional, Rui Rio está à espera que Barreiras Duarte tome a iniciativa de deixar o cargo. Ou seja, o presidente do PSD não demitirá aquele que tem sido o seu braço direito, mas aceitará um pedido de demissão.

Na cúpula do PSD é opinião maioritária que Feliciano Barreiras Duarte geriu mal todo o caso em torno das dúvidas sobre o seu currículo académico, permitindo assim que a polémica se arrastasse. Em entrevista à Antena 1, a emitir hoje, um dos vice-presidentes do partido, Castro Almeida, dá nota do desconforto com o caso. "É bom que ele pondere se tem ou não tem condições" para continuar no cargo, afirma o dirigente laranja - "Tenho a certeza de que ele está a avaliar." Na entrevista à jornalista Maria Flor Pedroso, Castro Almeida considera que a polémica já se arrasta "há algum tempo". E, referindo-se à informação errada inscrita no currículo do secretário-geral, garante: "Isto não aconteceria comigo."

Na passada quarta-feira, a Procuradoria-Geral da República (PGR) determinou a abertura de um inquérito ao caso. Há uma semana, o semanário Sol revelou que, ao contrário do que afirmava no currículo, Feliciano Barreiras Duarte nunca teve o estatuto de visiting scholar na Universidade da Califórnia, em Berkeley. A confirmação veio da própria instituição, que afirmou ao jornal não ter encontrado "qualquer documentação" que comprove esse estatuto. Questionado sobre este desmentido, Barreiras Duarte apresentou ao semanário uma carta, escrita em português e assinada pela sua orientadora naquela universidade, atestando que estava inscrito na instituição "com o estatuto de visiting scholar, no âmbito do doutoramento em Ciência Política com a tese "Políticas públicas e direito da imigração"".

"Esse documento é forjado. Feliciano Barreiras Duarte nunca cá esteve" foi a resposta da professora universitária luso-americana. Dias depois, Deolinda Adão acabaria por admitir ao jornal online Observador a existência deste documento, mas voltando a negar o estatuto que o deputado inscreveu no currículo - "O documento apresentado pelo Dr. Feliciano Duarte com a minha assinatura, exarado a 30 de janeiro de 2009, certifica apenas e somente a sua inscrição." Pelo caminho, Feliciano Barreiras Duarte retirou do currículo a referência à universidade norte-americana.

Direção queria mais explicações

Logo no domingo, um dia depois da revelação do caso, Rui Rio desvalorizou a polémica. "Há um aspeto do seu currículo que estava a mais, não estava preciso, e ele corrigiu", afirmou então o presidente social-democrata. No mesmo dia, Barreiras Duarte dizia ao DN: "Nesta semana realizaram-se almoços entre algumas pessoas que não gostam da atual liderança. Criaram-se factos." Dois dias depois, em entrevista à SIC, volta a apontar baterias para o interior do PSD. "Soube, com alguma antecedência, que logo a seguir ao congresso alguma coisa poderia acontecer", reiterou o secretário-geral do PSD. Mais: "Não seria verdadeiro se não lhe dissesse que me têm avisado que neste e noutros casos são pessoas que de alguma forma são do PSD, que já tiveram até responsabilidades, que querem fazer este tipo de situações."

A entrevista não caiu bem na direção social-democrata, que queria ver Barreiras Duarte esclarecer as questões de substância e encerrar de vez a polémica. Um dia depois, a PGR anunciava a abertura de um inquérito e o mal-estar com toda a situação foi-se adensando entre os dirigentes sociais-democratas. A ponto de o próprio Rui Rio, não querendo empurrar aquele que foi um dos seus principais conselheiros na corrida à liderança do PSD, estar agora à espera que Barreiras Duarte tome a iniciativa.

O DN ontem tentou contactar Feliciano Barreiras Duarte, sem sucesso. Contactou também o líder do PSD, Rui Rio, que recusou fazer comentários a uma questão sobre a qual já se pronunciou.

Susete Francisco e Paulo Baldaia | Diário de Notícias

*Título PG

PORTUGAL | Estamos de acordo!

Paulo Baldaia | Diário de Notícias | opinião

A política aos olhos dos eleitores é uma coisa e aos olhos dos eleitos é outra coisa completamente diferente. Não é de agora, mas a chegada de Rui Rio à liderança do PSD veio lembrar-nos a todos que o bem comum é sempre superior ao interesse de cada um.

Rui Rio não tem tido uma afirmação fácil. Do ponto de vista dos seus adversários internos, ele até já é um falhanço confirmado. Mas Rio não está na política para receber medalhas e as suas convicções só podem ser postas à prova pela aderência dos eleitores, nunca pelas jogadas de bastidores.

Rui Rio acredita que é preciso estar ao lado do PS, ou melhor, que é preciso trazer o PS para o lado do PSD, para fazer de Portugal um país viável a médio e longo prazo. Saber o caminho que é preciso percorrer não faz automaticamente de Rui Rio, no entanto, a pessoa certa para o lugar que ocupa. Neste ponto, ele vai ter de provar que entre a teoria e a prática, com ele a liderar o maior partido da oposição, a distância é inexistente.

Contra o poder que estava instalado na São Caetano à Lapa, Rio cedo fez saber - em plena campanha eleitoral interna - que queria desencostar os socialistas da ortodoxia da esquerda parlamentar, para mudar o que tem de ser mudado no país.

O estudo de opinião da Eurosondagem para o Expresso e para a SIC diz-nos que uma larga maioria dos portugueses não só defende os acordos de regime que estão em cima da mesa como quer que os dois partidos vão mais longe. Os portugueses não querem o Bloco Central a governar o país, mas querem que o PSD e o PSD garantam a viabilidade do Serviço Nacional de Saúde. E que se entendam também na Justiça, na Segurança Social, na Educação e noutras matérias em que todos podemos ficar a ganhar.

Da fase em que o PS de Costa e o PSD de Passos Coelho estavam, à partida, em desacordo para esta nova fase, há uma evidência que parece transtornar os que só têm tempo para pensar nos seus próprios interesses: a maioria dos portugueses está de acordo com os pactos de regime.

*Paulo Baldaia é diretor do Diário de Notícias

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