quarta-feira, 23 de maio de 2018

UE e EUA tentam evitar “invasão” da China enquanto Portugal ‘escancara’ as portas


Jornal espanhol “El Economista” salienta o contraste entre a UE e os EUA, por um lado, “cada vez mais preocupados com os fluxos de capitais que chegam da China”, e Portugal, por outro lado, cujo Governo vê com bons olhos OPA da China Three Gorges sobre a EDP e demais investimento direto chinês.

Enquanto a União Europeia (UE) e os Estados Unidos da América (EUA) estão “cada vez mais preocupados com os fluxos de capitais que chegam da China”, na forma de investimento direto estrangeiro, a reação do Governo português perante a Oferta Pública de Aquisição (OPA) da China Three Gorges sobre a EDP “destoa e rompe qualquer esforço da UE para evitar a ‘invasão’ económica do gigante asiático”, salienta o jornal espanhol “El Economista”, na edição de hoje, dia 22 de maio.

“As divergências dentro da Europa geram um sério problema para colocar em marcha as fórmulas que a UE quer implementar como bloqueio, que têm como objetivo evitar que a China se estabeleça em setores estratégicos, transfira conhecimentos-chave para as suas empresas e termine a controlar esses segmentos da economia”, alerta o mesmo jornal.

De acordo com o “El Economista”, a falta de entendimento no seio da Europa viu-se recentemente no caso EDP, isto é, no que concerne à OPA da China Three Gorges sobre a EDP. “O primeiro-ministro de Portugal, António Costa, mostrou-se absolutamente aberto a receber o investimento direto estrangeiro de Pequim, ainda que isso suponha perder o controlo de uma empresa emblemática”. Ou seja, enquanto a UE e os EUA tentam limitar o investimento chinês, Portugal como que “escancara as portas”.

Gustavo Sampaio | Jornal Económico (ontem)

Contra que país a NATO estaria posicionando armas nucleares na Grécia?


No dia 17 de maio, Fred Frederickson, chefe da Direção de Política Nuclear da OTAN, fez uma visita às instalações da base da Aliança Atlântica de Araxos, situada na península de Peloponeso, onde poderiam ser armazenadas armas nucleares dos EUA, comunicou a edição militaire.gr.

De acordo com a edição, na sequência do aumento da presença militar dos EUA na Grécia, existe a possibilidade de Washington poder estar utilizando instalações gregas para guardar armas nucleares, o que "levanta questões" sobre a visita do militar norte-americano.

As informações sobre a possível presença de armas nucleares norte-americanas na Grécia surgiram após a tentativa de golpe de Estado na Turquia em 2016.

"Quando o acesso à base turca de Incirlik foi bloqueado para os EUA, Washington começou a pensar em deslocar as armas nucleares guardadas na Turquia, há informações que isso foi feito", segundo a edição.

Em entrevista à Sputnik Turquia, o tenente-general aposentado da Força Aérea turca Erdogan Karakus comentou as informações.

"Em meio aos acontecimentos no Mediterrâneo Oriental e tensões nas relações entre a Turquia e os EUA, Atenas está demonstrando com suas ações todo o apoio possível à OTAN para assegurar o apoio dos EUA", assinalou o analista, destacando que a visita do representante da OTAN a Araxos é um resultado deste processo.

Karakus frisou que o Mediterrâneo Oriental tem sido palco de luta entre os interesses dos EUA e da Rússia. Neste confronto, os EUA já não podem usar a Turquia.

"Enquanto isso, a Grécia vem se esforçando para obter o apoio dos EUA contra a Turquia no que se refere à questão de Chipre, tal como em relação às ilhas do mar Egeu", afirmou o militar, adicionando que os EUA, por sua vez, tentam tirar o máximo proveito da situação.

"Sendo assim, podemos dizer que com a visita a Araxos os EUA estão dando um aviso para Ancara", ressaltou.

Além disso, no momento a Albânia está procurando aderir à UE e à OTAN, recordou Karakus. Nesta situação, os EUA estão tentando obter o controle sobre parte do seu espaço marítimo e aéreo.

"Depois de obterem acesso ao espaço aéreo, a zona econômica exclusiva também pode ser envolvida. Os EUA estão considerando Araxos através desta perspectiva."

O militar concluiu que, por um lado, a Grécia está procurando obter apoio norte-americano, por outro – está sendo forçada por Washington a dar passos que satisfaçam os interesses norte-americanos na região.

A paz à volta de Israel é possível?


Thierry Meyssan*

Enquanto os média globais tratam os acontecimentos no Médio-Oriente Alargado como factos desconexos, Thierry Meyssan interpreta-os como jogadas sucessivas num mesmo tabuleiro. Ele entende os conflitos à volta de Israel como um todo orgânico e interroga-se quanto às possibilidades do Presidente Trump chegar a uma paz regional.

Médio-Oriente é uma região onde se cruzam e entrelaçam inúmeros interesses. Mover uma peça pode provocar uma reacção na outra ponta do tabuleiro. As tentativas de Donald Trump para romper com a estratégia do Almirante Cebrowski [1] e pacificar uma zona particularmente martirizada provocam, de momento, consequências contraditórias que o impedem de ter êxito.

É irrealista abordar problemas de uma tal complexidade, em termos de afinidades e de inimizade, quando cada protagonista se bate pela sua sobrevivência. É preciso, pelo contrário, entender todos e não esquecer ninguém.

Tal como os seus predecessores Reagan e Bush Sr., o Presidente Trump intervêm face ao Irão picando os «reformadores» (segundo a expressão ocidental) em proveito dos «conservadores» (isto é, dos partidários do Imã Khomeini). Entretanto, estes reagem marcando pontos na Síria, no Líbano e em Gaza, o que prejudica, por sua vez, os esforços dos seus aliados da Casa Branca na Palestina.

Quando Donald Trump anunciou a retirada dos EUA do acordo JCPoA, o Presidente Rohani (reformador, quer dizer, oposto à propagação da Revolução anti-imperialista entre os seus vizinhos) reagiu, por um lado, apelando aos Europeus e, por outro, ameaçando certos de entre eles de revelar a sua corrupção [2]. No entanto, é pouco provável que Bruxelas respeite a sua assinatura. Pelo contrário, tudo leva a crer que a União Europeia agirá como em 2012 e se conformará às exigências do seu suserano norte-americano.

Os Guardiões da Revolução, quanto a eles, reagiram convencendo o seu aliado sírio a realizar a operação contra os Serviços Secretos israelitas (israelenses-br) no Golã ocupado; depois fazendo anunciar pelo Hezbolla libanês que esta operação marcava uma mudança de estratégia regional; e, finalmente, pressionando o Hamas a organizar uma manifestação na fronteira de segurança israelita em Gaza.

Se a opinião pública ocidental não compreendeu a conexão entre estes três acontecimentos, Israel concluiu que os Guardiões da Revolução estavam agora prontos para atacá-lo ao mesmo tempo da Síria, do Líbano e de Gaza.

A estratégia dos Guardiões da Revolução deu os seus frutos, uma vez que os povos árabe, persa e turco, condenaram unanimemente a repressão dos manifestantes palestinos (mais de 60 mortos e 1.400 feridos). A Liga Árabe --- da qual vários membros dirigidos pela Arábia Saudita mantêm relações informais próximas com Telavive--- de repente retomou a sua retórica anti-sionista.

No plano interno iraniano, os Guardiões da Revolução mostraram que o acordo JCPoA, concluído pelo Xeque Hassan Rohani era um beco sem saída, e que apenas a sua linha política funcionava : eles estão implantados com eficácia no Iraque, na Síria, na Líbia e em Gaza, assim como no Iémene, na Arábia Saudita e no Barein.

Não será possível, portanto, para Donald Trump negociar a paz à volta de Israel sem a ajuda dos Guardiões da Revolução.

Devemos lembrar que no decurso dos 70 anos do conflito israelita, os Estados Unidos só por uma vez estiveram em posição de negociar a paz entre todos os protagonistas. Foi em 1991, após a Operação «Tempestade do Deserto». O Presidente George Bush Sr e o seu homólogo soviético, Mikhail Gorbachev, reuniram, em Madrid, Israel, os Palestinianos (mas não enquanto OLP), o Egipto, a Jordânia, o Líbano e a Síria.

George Bush Sr havia-se previamente comprometido, por escrito, a regressar às fronteiras de 1967 e a garantir a segurança de Israel, a não criar Estado palestiniano independente e a reconhecer a autoridade palestina sobre a Cisjordânia e Gaza. Ele julgava possível fazer aceitar por todos essa solução conforme às Resoluções do Conselho de Segurança, apoiando-se na autoridade do seu parceiro Hafez al-Assad. A conferência de Madrid funcionou. Um processo de negociação e um cronograma para resolver progressivamente os inúmeros litígios foram estabelecidos. Mas as reuniões seguintes foram um fracasso porque o Likud fez campanha nos Estados Unidos contra o Secretário de Estado James Baker e conseguiu impedir a reeleição do Presidente Bush Sr. Por fim, Israel concluiu separadamente os Acordos de Oslo unicamente com Yasser Arafat. Eles previam apenas regular os problemas dos Palestinianos. Jamais foram aceites pelos outros protagonistas e, portanto, jamais aplicados. Depois, o Presidente Bill Clinton tentou prosseguir bilateralmente as negociações com a Síria, organizando as negociações de Ehud Barak- com al-Assad. Elas falharam por causa da queda de Ehud Barak, mas também não teriam podido regular o conjunto dos problemas na ausência dos outros protagonistas.

Passados 27 anos, a situação é mais complexa ainda. Os Palestinianos estão divididos em dois campos, os laicos da Cisjordânia e os islamistas de Gaza. O Irão é um novo protagonista que patrocina agora o Hamas. Por fim, os Estados Unidos de Bush Jr reconheceram as anexações feitas por Israel depois de 1967, em violação das Resoluções do Conselho de Segurança.

Os conflitos em torno de Israel não se resumem, portanto, apenas à questão palestina e nada têm a ver com a fitna opondo sunitas e xiitas.

O plano concebido por Jared Kushner não se resume apenas a deter o avanço territorial israelita, mas também a respeitar o Direito Internacional e, portanto, a voltar às fronteiras de 1967. Ele supõe que os Árabes aceitem o que se tornariam as suas «derrotas anteriores». É pouco provável.


*Intelectual francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana e russa. Última obra em francês: Sous nos yeux. Du 11-Septembre à Donald Trump. Outra obras : L’Effroyable imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand, 2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y desinformación en los medios de comunicación(Monte Ávila Editores, 2008).

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[1] O Almirante Cebrowski concebeu em 2001 um plano de destruição dos Estados e sociedades do Médio-Oriente Alargado. “O projecto militar dos Estados Unidos pelo mundo”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 22 de Agosto de 2017.
[2] Quando Hossein Jaberi Ansari, porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros (Relações Exteriores-br) iraniano, evocou esta questão, ele não precisou se ameaçava políticos corrompidos por apoiar ou por se oporem ao JCPoA.

Coreia do Norte se prepara para desmantelar centro nuclear


Jornalistas estrangeiros se dirigiam, nesta quarta-feira (23), para a costa leste da Coreia do Norte, onde acontece uma cerimônia para desmantelar seu centro de testes nucleares, um gesto notório antes de uma histórica e ainda incerta cúpula com os Estados Unidos.

No mês passado, o Norte informou que iria destruir as instalações de Punggye-ri, no nordeste do país, detonando os túneis de acesso. O anúncio foi aplaudido por Washington e Seul.

Em Punggye-ri, foram realizados seis testes nucleares. O último, o mais potente até a data, aconteceu em setembro e teria sido o de uma bomba de hidrogênio.

O desmantelamento será nestas quarta e sexta-feiras, conforme as condições meteorológicas.

A Coreia do Norte apresentou esta medida como um gesto de boa vontade antes da cúpula histórica entre Trump e o líder norte-coreano, Kim Jong-un, prevista para 12 de junho, em Cingapura.

Mas a euforia que reinava após o anúncio desse encontro deu lugar para dúvidas.

Na semana passada, o Norte ameaçou com não participar da reunião e anulou as conversas com o Sul, acusando Washington de querer forçá-lo a renunciar de forma unilateral a seu arsenal nuclear. Na terça-feira, foi Trump que falou da possibilidade de adiar o encontro.

"Talvez não funcione para 12 de junho", disse Trump, no Salão Oval junto com seu colega sul-coreano, Moon Jae-in.

"Se não acontecer, talvez possa acontecer mais tarde. Talvez aconteça em outro momento", mencionando que é preciso haver "certas condições", sem especificar quais.

'Terreno escorregadio'

Mais tarde, o secretário de Estado americano, Mike Pompeo, buscou reduzir a pressão e sugeriu que as instruções não mudaram em relação aos preparativos.

"Continuamos trabalhando para 12 de junho", insistiu o chefe da diplomacia americana.

Washington exige uma desnuclearização "completa, verificável e irreversível" da Coreia do Norte. Mas Pyongyang sempre afirmou que não renunciará às armas atômicas, desenvolvidas para se proteger das ameaças americanas de invasão.

Koo Kab-woo, professor da Universidade de Estudos Norte-Coreanos em Seul, disse à AFP que se trata de um "terreno escorregadio".

"Trump quer uma desnuclearização rápida, que aconteceria durante seu primeiro mandato. Mas, se for o caso, tem de fornecer rapidamente à Coreia do Norte as garantias correspondentes para sua segurança".

Os especialistas estão divididos sobre o fato de se as instalações ficarão totalmente inutilizáveis. Alguns deles estimam que talvez já estejam, enquanto outros acreditam que um centro possa voltar a se ativar facilmente.

Vários especialistas consideram, porém, que este anúncio de Pyongyang sem pedir nada em troca é um gesto que merece destaque.

Para Go Myong-hyun, especialista do Instituto Asan de Estudos Políticos, os dois lados tentam abordar a cúpula da posição mais forte.

O desmantelamento diante das câmeras estrangeiras permitirá a Pyongyang ganhar pontos em nível internacional, ainda que a cúpula fracasse.

"A Coreia do Norte poderá dizer para a comunidade internacional que fez todo o possível para conseguir a desnuclearização por meio das negociações, mas que não conseguiu por culpa das pressões americanas", disse.

Repórteres de China, Rússia, Grã-Bretanha, Estados Unidos e Coreia do Sul foram convidados a cobrir o desmonte das instalações. Partiram nesta quarta-feira da cidade norte-coreana de Wonsan, de acordo com os tuítes de vários jornalistas.

A Agence France-Presse (AFP), assim como outros grandes veículos internacionais, não foi convidada para cobrir o evento.

AFP | Foto: AFP / Mandel Ngan

Rohingya | As novas vítimas da crise civilizatória


No drama dos Rohingya, que fogem em massa de Myanmar, retrato de nossa época. A cada ano, multidões maiores são obrigadas se deslocar em função de perseguições políticas e mudanças climáticas

Alex Randall, no Le Monde Diplomatique inglês | Outras Palavras | Tradução: Inês Castilho

Abu Siddique será contado duas vezes nas estatísticas de refugiados deste ano. Uma vez por fugir de Myanmar atravessando a fronteira de Bangladesh, após a perseguição sofrida pelos Rohingya [1]. E uma segunda vez por tentar escapar da inundação das monções que se seguiram. Essa provavelmente não será a última vez que ele figura nas estatísticas.

Ele explica sua situação à Agência de Refugiados da ONU: “Estamos nos mudando porque durante as monções a água sobe muito alto aqui. Sobe até o nosso pescoço quando chove”. A Agência de Refugiados está ajudando algumas famílias nessa situação a mudar-se para um novo acampamento. Outros terão de se virar sozinhos. Quando Siddique mudar, ele estará vivendo com sua família num teto provisório, talvez a salvo da enchente das monções mas vulnerável a um ciclone na costa exposta do Bangladesh. Quase todo mundo gostaria de se mudar para um lugar mais seguro e com mais perspectivas de trabalho e moradia.

Novos dados revelam que 30 milhões de pessoas  foram forçadas a deixar suas casas, no ano passado, em razão de conflitos e desastres ambientais. A maior parte estava associada a desastres relacionados ao clima – inundações, furacões e secas. À medida em que as mudanças climáticas começam a se alastrar, esses números tendem a piorar.

A análise de algumas dessas crises revela conexões preocupantes entre o deslocamento causado por desastres naturais e aqueles causados por conflitos e violência. Casos como o de Abu Siddique revelam que está se tornando mais difícil destrinchar as crises modernas. Ele é um refugiado que foge da violência e da limpeza étnica; também está sendo deslocado por um desastre ambiental. E provavelmente se deslocará novamente, forçado talvez por outro desastre ou para instalar-se mais permanentemente em algum lugar e encontrar trabalho.

As crises de deslocamento estão agora interagindo com desastres causados pelo clima de maneiras novas e preocupantes. Com frequência, pergunta-se se uma situação particular de refugiados foi influenciada pelas mudanças climáticas. Há amiúde um desejo de ver em qualquer catástrofe a pegada das mudanças climáticas, já que a ligação entre elas e situações de desastre humanitário, cada vez mais frequentes, deveria levar a ações sobre o meio ambiente.

Sobre se há conexões entre a situação dos refugiados do povo Rohingya [1] e as mudanças climáticas, nossa posição até agora foi de que não há ligação real entre as duas. As razões por trás do deslocamento dos Rohingya têm a ver com política, e pouco a ver com o meio ambiente, mudanças climáticas ou desastres naturais. Mas isso, até eles chegarem à vulnerável costa de Bangladesh.

Com a chegada da estação das monções e ciclones em Bangladesh, há agora uma ligação mais complexa entre a situação geral e a mudança climática. Pois os Rohingya mudaram-se para algumas das áreas mais afetadas.

Muitos fugiram do estado de Rakhine e estão agora espalhados ao longo da costa em redor do Bazar Cox – reconhecido como um dos lugares de maior vulnerabilidade climática em Bangladesh, e possivelmente um dos mais vulneráveis do mundo.

Bangladesh está exposta a vários impactos climáticos – elevação do nível do mar na região do delta do Ganges, ocorrência de ciclones e chuvas de monções alteradas. Isso já está causando grandes níveis de migração dentro do país. Conforme os níveis do mar engolem terra no delta vulnerável, as pessoas abandonam o trabalho e a agricultura e seguem para a capital, Dhaka.

Milhares de pessoas mudaram-se da ilha de Bhola para uma favela em Dhaka. Deram a ela o nome de Favela Bhola por causa da região em que moravam, impelidos por uma combinação de erosão agravada pela elevação do nível do mar e pelos ciclones. Costumava ‘haver um fluxo de duas mãos entre as duas Bholas, mas como as condições pioraram no delta, ele foi reduzido. Não voltamos pra casa nos feriados porque não há mais casa para onde voltar”, disse A-Amin à agência de notícias humanitárias IRIN . Milhares de pessoas fazem o mesmo movimento. Cada vez mais esse tipo de imigração é visto como uma forma potencial de adaptação às mudanças climáticas,  visto que alguns lugares, como a Ilha de Bhola, serão impossíveis de proteger. A melhor opção é imigrar.

Para alguns isso se torna uma oportunidade: eles encontram um trabalho melhor e suas vidas são beneficiadas. Mas muitos acabam enrascados na pobreza urbana (e não rural). “[Se tivéssemos ficado] eu teria conseguido cuidar da minha saúde. Teríamos nossa terra para cultivar e nossas condições de vida seriam melhores”, explicou Beliks, residente na Favela Bhola, a pesquisadores da Universidade das Nações Unidas. Sua família mudou-se da ilha há mais de 40 anos, antes de ela nascer. Mas Beliks diz que ainda vê a Ilha de Bhola como seu verdadeiro lar. Desde que a família mudou-se, centenas de milhares fizeram jornada semelhante.

Alguns dos que podem estar realizando esse trajeto são Abu Siddique e sua família. Para eles, agora num campo sob risco de inundação, ataque de ciclones e erosão, as perspectivas de uma nova vida na cidade se tornarão cada vez mais atraentes. Se a situação política em Myanmar não lhes permite voltar, muitos refugiados Rohingya começarão a olhar para Dhaka. Se seu deslocamento original tinha raízes na política de Myanmar e a força motriz era a violência, seus próximos movimentos serão também determinados pelo clima.
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Alex Randall é especialista em imigração e desastres ambientais ligados ao clima; e coordenador da Coalizão de Clima e Imigração.

[1] Os Rohingya são um povo de língua indo-ariana, e majoritariamente muçulmano, estabelecido desde o século 8 no Sudeste Asiático. Em Myanmar, têm sofrido perseguição étnica crescente, que se desdobrou nos últimos anos em massacres e expulsão em massa. Leis de 1982 impedem-nos de obter cidadania nacional, transformando-os em apátridas. São proibidos de se mover pelo país, de ter acesso à Educação pública ou de trabalhar em instituições estatais, num regime de claro apartheid. Segundo a ONU, mais de 600 mil pessoas da etnia mudaram-se para Bangladesh desde 2016, o que gerou grave crise humanitária. Veja mais na Wikipedia.

Portugal | Novo Pacto da Justiça na forja?


José Neto* | opinião

Não é bom sinal o silêncio do PS, da ministra da Justiça e do primeiro-ministro sobre os desafios de Cristas e de Rio. O anterior pacto, de 2006, nenhum beneficio trouxe para a política de justiça.

As declarações e propostas recentes da líder do CDS/PP no sentido de uma revisão da Constituição (que de resto não concretiza) na área da justiça devem ser tomadas pela real gravidade que têm e não se darem por arrumadas em razão da sua evidente inexequibilidade próxima. Por razões políticas, e até de calendário, não está no horizonte qualquer processo de revisão constitucional, todos o sabem.

Mas, as propostas de reformas da justiça merecem uma leitura mais funda. Elas não podem ser desligadas das críticas sistemáticas da direita, que não são de agora, ao sistema judicial e às suas disfunções e atrasos.

E que não visam, ninguém se iluda, melhorar a justiça mas meter na ordem os seus protagonistas e acabar com os seus «desmandos».

Não por acaso, como se tem visto, tais propósitos não vêm apenas do CDS. Surgem igualmente da parte do PSD e do seu presidente, que de há muito vem clamando por uma «reforma grande e profunda» na justiça e em que inevitavelmente se terá que «mexer na Constituição».

Tais críticas e tais propostas surgem sempre acompanhadas de recorrentes declarações contra a corrupção, que procuram hipocritamente esconder um indisfarçável mal estar, numa altura em que se tornam cada vez mais claros, aos olhos de todos, os perniciosos efeitos para a economia e o país da promiscuidade entre o poder político e os grandes negócios e, também, num quadro em que um número crescente número de investigações judiciais batem à porta de muitos dos protagonistas de uma vasta rede de interesses com ligação aos partidos – PS, PSD e CDS – que há mais de quarenta anos se têm sucedido no poder.

Este quadro, atrás descrito, configura não apenas um novo patamar de interferências e pressões partidárias (mas também a outro nível, institucional) sobre o poder judicial e os seus órgãos próprios, em desrespeito pelo princípio constitucional da separação de poderes. Ele significa igualmente, sem dúvida, mais um passo em frente na ofensiva geral contra o regime democrático.

Isto dito, significa que tudo vai bem na justiça criminal? De modo nenhum. Na área da grande criminalidade económica e financeira, para ficarmos só na área que serve de mote ao mar de críticas da direita, amplificadas pelos porta-vozes dos interesses que a servem, de há muito se vem insistindo e propondo medidas com vista a melhorar a eficácia no combate à corrupção.

Não podemos deixar de insistir no «discurso dos meios». Com efeito, é público e notório que no Departamento Central de Investigação e Acção Penal, só para referir o departamento donde partem e onde decorrem as investigações do grande crime económico, não existem as condições mínimas para para uma resposta mais pronta e eficaz na luta anti-corrupção. A exigência, justa, de maior celeridade das investigações criminais, mesmo quando depende apenas das diligências feitas no nosso país, tem de ser acompanhada da emergência do reforço do quadro de procuradores, da disponibilidade permanente de peritos e de apoio técnico especializado e outro. Sem esquecer a Polícia Judiciária, os homens e mulheres que nela trabalham, cuja importante contribuição e papel de polícia da justiça tem vindo a ser continuadamente desvalorizado (com que objectivo?), a ver pela gritante exiguidade do seu quadro de inspectores.

Interessa dizer, por último, que não é um bom sinal o silêncio do PS, designadamente da ministra da Justiça e do primeiro-ministro, sobre tais anúncios e projectos. Não basta afirmar que não há revisão constitucional à vista. Com os desafios explícitos de Cristas e de Rio ao PS e com a aproximação do Governo do Partido Socialista ao PSD, traduzida em acordos, formais ou informais, em áreas-chave como a «descentralização», os fundos comunitários ou o trabalho, é de temer que, de caminho e nos gabinetes, possa estar a ser congeminado um novo Pacto da Justiça, à semelhança do anterior Pacto de 2006, entre PS e PSD, que nenhum beneficio trouxe, pelo contrário, para a política de justiça.

Que tem a dizer o PS?

Portugal | António Arnaut


Ana Alexandra Gonçalves* | opinião

António Arnaut, fundador do Partido Socialista, faleceu ontem (21.05). Todas as homenagens são justas.

Aquele que ficou conhecido por pai do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e que manifestava não apreciar o epíteto foi sobretudo um humanista. Na verdade já se sente a falta de quem apregoou o humanismo e o sentido de justiça. Arnaut não apreciava o epíteto, mas a verdade é que lhe devemos muito.

O SNS anda pelas ruas da amargura e a melhor homenagem que se pode prestar ao fundador do Partido Socialista é lutar para que o SNS saía deste caminho deplorável que tem vindo a percorrer, sobretudo na última década, com a degradação dos serviços e com o frequente desrespeito pelos profissionais de saúde.

António Arnaut não apreciava que o considerassem pai do SNS e é bem verdade que todos somos responsáveis pelo estado da Saúde pública em Portugal; todos devemos estar empenhados em lembrar aos de hoje que vergar-se perante as instituições europeias já não é opção e culpar os de ontem pelo estado do SNS também tem deixar de o ser.

A António Arnaut devemos muito e todas as homenagens serão justas, lembrando o humanista, mas sobretudo lembrando a importância de intensificar a luta por um SNS digno.

*Ana Alexandra Gonçalves | Triunfo da Razão

Óbito | Júlio Pomar, o pintor intelectual que atravessou várias estéticas


O artista plástico Júlio Pomar, que morreu esta terça-feira aos 92 anos, deixa uma obra multifacetada que percorre mais de sete décadas, influenciada pela literatura, pela resistência política, o erotismo e algumas viagens.

Nascido em Lisboa, em 1926, Júlio Pomar, que gostava mais de desenhar do que de jogar à bola quando era criança, vendeu o primeiro quadro a Almada Negreiros por seis escudos, numa época em que era impensável viver da pintura.

Tornou-se um dos artistas mais conceituados do século XX português, com uma obra marcada por várias estéticas, do neorrealismo ao expressionismo e abstracionismo, e uma profusão de temáticas abordadas e de suportes artísticos experimentados.

A obra foi dedicada sobretudo à pintura e ao desenho, mas realizou igualmente trabalhos de gravura, escultura e 'assemblage', ilustração, cerâmica e vidro, tapeçaria, cenografia para teatro e decoração mural em azulejo.

Desde muito jovem começou a escrever sobre arte, tem obra poética publicada, alguma musicada e interpretada por cantores como Carlos do Carmo e Cristina Branco.

Estudou na Escola de Artes Decorativas António Arroio e nas Escolas de Belas-Artes de Lisboa e Porto, tendo participado em 1942, em Lisboa, convidado por Almada Negreiros, na VII Exposição de Arte Moderna do Secretariado de Propaganda Nacional/Secretariado Nacional de Informação.

Fez parte da Comissão Central do Movimento de Unidade Democrática Juvenil (MUD), e participou ativamente nas lutas estudantis, o que lhe custou a expulsão das Belas Artes do Porto.

Em 1947, realizou a primeira exposição individual, no Porto, onde apresentou desenhos, e colaborou com os jornais A Tarde, Seara Nova, Vértice, Mundo Literário e Horizonte, participando no movimento artístico 'Os Convencidos da Morte', assim denominado por oposição aos célebres 'Os Vencidos da Vida', grupo marcante na história da literatura portuguesa.

A oposição ao regime de Salazar leva-o a passar quatro meses na prisão, a apreensão de um dos seus quadros - 'Resistência' - pela polícia política, e a ocultação dos frescos com mais de 100 metros quadrados, realizados para o Cinema Batalha, no Porto.

Mesmo assim, Júlio Pomar conseguiu desenhar e pintar na prisão - onde circulavam papel, lápis e caneta - e fazendo um requerimento para obter materiais que lhe permitiram criar retratos dos camaradas presos, como Mário Soares, e do quotidiano no cárcere.

Num período inicial, neorrealista, foram marcantes algumas das suas obras, como 'O Almoço do Trolha', 'Menina com um Gato Morto', 'Varina Comendo Melancia' ou 'O Cabouqueiro', que revelam a influência, na mesma corrente, de escritores como Alves Redol e Soeiro Pereira Gomes, e artistas plásticos como o brasileiro Cândido Torquato Portinari.

Nos anos 1950 viajou até Espanha, onde estudou a obra do pintor Goya, fundou a cooperativa Gravura, em Lisboa, para produção e divulgação de obras gráficas, que marcou várias gerações de artistas.

Na década seguinte, foi viver para Paris, onde esteve como bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian entre 1963 e 1966.

Desse tempo destaca-se a série de quadros a preto e branco para ilustrar a versão de 'D. Quixote', de Aquilino Ribeiro, tema que usou noutras pinturas e esculturas, e iniciou a série 'Tauromaquias', que exibiu em Paris, onde também participou numa mostra dedicada ao quadro de Ingres 'Le Bain Turc', no Museu do Louvre, em 1971.

Em entrevista à agência Lusa em 2009, Júlio Pomar recordou que a vivência em Paris, nos anos 1960, coincide com uma rutura "mais dramática" no percurso artístico, quando sentiu que a pintura que criava "estava a desfazer-se".

"A minha pintura estava a desfazer-se e senti necessidade de dar-lhe uma estrutura", explicou, acrescentando que as mudanças no seu percurso artístico foram feitas de um modo geral sem esforço, mas naquele caso "foi esforçada".

Em Portugal, a primeira retrospetiva da obra de Pomar foi organizada em 1978 pela Fundação Gulbenkian e exibida na sua sede em Lisboa, também no Museu Soares dos Reis, no Porto e, parcialmente, em Bruxelas.

Também em Paris e em Madrid apresentou, na década de 1990, a série sobre os índios do Alto Xingú, na Amazónia, onde passou algum tempo, e a antológica 'Pomar/Brasil', organizada pelo Centro de Arte Moderna da Gulbenkian, e apresentada em Lisboa, Brasília, São Paulo, e Rio de Janeiro.

Em 2004, o Sintra Museu de Arte Moderna - Coleção Berardo apresentou uma vasta retrospetiva intitulada 'Pomar/Autobiografia', comissariada por Marcelin Pleynet, enquanto o Centro Cultural de Belém expôs a antologia 'A Comédia Humana', organizada por Hellmut Wohl.

Nesse ano foi criada a Fundação Júlio Pomar e quase uma década depois, em 2013, foi inaugurado em Lisboa o Atelier-Museu Júlio Pomar, com um projeto arquitetónico de reabilitação de Álvaro Siza.

Júlio Pomar também ilustrou várias obras, como 'Guerra e Paz', de Tolstoi, 'O Romance de Camilo, de Aquilino Ribeiro, a obra "D. Quixote", de Cervantes, "A Divina Comédia", de Dante 'Pantagruel', de Rabelais, 'Rose et Bleu', de Jorge Luís Borges, e 'Mensagem', de Fernando Pessoa.

Recentemente ilustrou o livro 'O cão que comia a chuva', de Richard Zimler, distinguido com o Prémio Bissaya Barreto de literatura para a infância.

O seu trabalho encontra-se em edifícios e espaços públicos, nomeadamente na estação de metro do Alto dos Moinhos (1983-84), os frescos pintados no Cinema Batalha (Porto 1946-7), e a sala de audiência do Tribunal da Moita, com o arquiteto Raul Hestnes Ferreira (1993), e as tapeçarias executadas para as sedes do Montepio Geral e da Caixa Geral de Depósitos.

Escreveu os livros de ensaios sobre pintura 'Discours sur la Cécité des Peintres' (1985), 'Da Cegueira dos Pintores' (1986), e '- Et la Peinture?' (2000) e 'Então e a Pintura?' (2003), e publicou os livros de poesia 'Alguns Eventos' (1992) e «TRATAdoDITOeFeito» (2003).

É o autor do retrato oficial do antigo Presidente da República Mário Soares.

Júlio Pomar integrou a representação portuguesa na Bienal de São Paulo de 1953 e recebeu, entre outros, o Prémio Associação Internacional de Críticos de Arte em 1995, o Prémio Celpa/Vieira da Silva, em 2000, e o Prémio Amadeo de Souza Cardoso em 2003.

Foi condecorado pelo antigo Presidente da República Mário Soares e também por Jorge Sampaio. Em França, foi condecorado com a comenda das Artes e das Letras.

Em 2013 recebeu o Doutoramento Honoris Causa da Universidade de Lisboa.

Lusa | em Notícias ao Minuto

Imagem: “Resistência” – 1946 | Obra de Júlio Pomar que foi apreendida em 1947 pelo regime fascista de Salazar.

Portugal | Salvem a cultura, referendem a eutanásia - nem deuses, nem sábios

Júlio Pomar
A cultura e a arte estão mais pobre com a morte de Júlio Pomar. Faleceu um grande artista. O que dizer mais? Nada. Pomar era Pomar e só não sabe quem era Pomar os que são paupérrimos em conhecimento e em cultura geral. Haverá muitos portugueses assim, é verdade. Urge mudar de rumo e estabelecer directrizes culturais (e outras) que abulam tais ignorâncias. Esta realidade triste em Portugal deve-se a que todos os governos têm trazido a cultura de rastos. Salvem a cultura em vez de andarem a salvar os bancos e os banqueiros com o dinheiro de todos nós!

Viva a vida e não à eutanásia regulamentada e legalizada só pelos senhores que se sentam na Assembleia da República, os deputados, o legislador, sem a realização de um referendo a todos os portugueses com idade para votarem. Até parece que eles fazem ouvidos de mercadores e não percebem que não confiamos cegamente nos políticos que se sentam nas cadeiras do poder mas pagas por todos nós. Não, senhores, não confiamos em vós desse modo cego, nem só com um olho aberto, lamentamos até não possuirmos mais olhos, melhores audições, melhores cérebros e ainda artes de adivinhar. Assim sendo, confrontados que são por esta realidade, qual é o vosso problema em aceder em decidir em referendos coisas tão importantes como a eutanásia? Ah, e tal “e então o aborto?” perguntarão. Pois. Se é assim para a eutanásia devia assim ser para a legalização do aborto. Apesar de existir quem encontre grandes diferenças entre a eutanásia e o aborto… Seja ou não correto haver grandes diferenças o facto é que em assuntos tão sensíveis e que envolvem vida e morte não há nada como avançarmos para os referendos. Sai caro? Pois. Então criem outros modos menos onerosos de referendar. Isso é que é democracia… se as propostas não forem viciadas por interesses e tendência que cegam muitos eleitores. Vamos nessa. Não se sintam os “deuses” com assentos nos poderes, os sábios, os mais dotados. Não são, por mais que mereçam respeito e consideração se forem honestos. Quanto aos vigaristas que abundam na política, esses tais merecem o que muito bem sabemos, todos nós, e se pode definir com uma recomendação: vão vigarizar para outro lado, se possível até fora do planeta. Bom dia. Vem aí o Expresso Curto. (CT | PG)

Bom dia este é o seu Expresso Curto

Temer pela morte

Pedro Santos Guerreiro | Expresso

Há palavras para o que não há palavras. Descrições do indescritível. Testemunhos de testemunhas que são vítimas: são as palavras dos jogadores, dos fisioterapeutas, de um scout e de um preparador físico do Sporting sobre aquela tarde em Alcochete, palavras que a Tribuna Expresso revela esta manhã. É um filme de terror, como publicamente lhe chamou Jorge Jesus. É um cenário que os deixou “em estado de choque”, como disse Bas Dost à porta fechada à GNR.

Tivemos acesso a mais de 20 testemunhos prestados no Comando Territorial de Setúbal na noite de 15 maio, horas depois do ataque do grupo de encapuzados a Alcochete. Publicamo-las aquiaqui e aqui. Com uma advertência: as palavras podem chocar doentes cardíacos e saudáveis cardíacos, pelo texto de abusos verbais e pelo contexto de violência física descrito.

19 jogadores do Sporting contam tudo sobre o ataque a Alcochete (e como Palhinha protegeu Montero).

Um dos agressores em Alcochete foi colega de escola de Rafael Leão. Montero, Palhinha e Salin também reconheceram atacantes.

Equipa técnica do Sporting foi vigiada e ameaçada já depois das agressões em Alcochete.

Vários jogadores falam de medo. Falam do que lhes pareceu premeditação nos ataques. Falam de "temer pela vida". Falam de socos, pontapés, estaladas, um garrafão de 25 litros de água, cintos, empurrões, tochas, queimaduras , ameaças, caras tapadas e descobertas, alvos definidos - e de uma ideia comum: a de que aquele grupo sabia por onde entrar, aonde se dirigir, de que atuou "em bloco", "com alguma organização", agiu "premeditadamente" e bloqueou a saída enquanto espalhou o medo.

Sim, é um filme de terror, com dezenas de personagens. Estas são só as vítimas.

OUTRAS NOTÍCIAS

“Aparentemente, pintou tudo e de muitas maneiras, com humor e acutilância e assim, como poucos, ajudou a configurar o imaginário visual português da segunda metade do século XX”. Morreu Júlio Pomar, “o artista que fez o pleno” (Celso Martins), “uma das mais ímpares figuras da cultura do século XX" (Raquel Henriques da Silva), "o grande pintor do corpo no século XX português" (Bernardo Pinto de Almeida), “um homem reservado” (Cruzeiro Seixas) a quem “devemos a abertura de Portugal ao mundo e a entrada do mundo em Portugal” (Marcelo Rebelo de Sousa).

Aqui lhe mostramos “O almoço do trolha”, o retrato de Mário Soares e mais 13 quadros de Júlio Pomar. E aqui republicamos a última entrevista que deu ao Expresso, em março de 2017: “Sou um bocado canibal”, disse ele, que apadrinhou Goya, foi bastante carnívoro em relação a Velázquez e passou por Picasso por necessidade comestível do real. “A pintura é inscrever na tela o vivo da vida”. Não é gaguejo, é “porque há, no fundo, quase uma duplicação entre vivo e vida”. É que “nada é estático, tudo se forma, aparece e desaparece. O que caracteriza a vida é uma possibilidade de intensidades várias, de uma experiência que é comum a tudo quanto existe. Mas é essa intensidade, de proximidade e de afastamento que me parece poder distinguir o que significa esse vivo da vida”. Júlio Pomar, 1926-2018, “foi-se embora hoje, mas temos muita obra para continuar a olhar para ele” (Pedro Cabrita Reis). O seu legado “marca uma posição da relação dos artistas com a sociedade e da arte com uma forma de resistência” (João Ribas). “Já estava muito frágil, mas estava com um ar tão doce...” (Graça Morais).

A manhã acordou-nos com outra sacudidelamorreu Philip Roth, um dos maiores romancistas norte-americanos, o escritor que por exemplo em “O Complexo de Portnoy” deixa “a melhor descrição identitária do judaísmo” (e “põe as mulheres a espreitar o erotismo masculino pelo buraco da fechadura”), como escreveu Ana Cristina Leonardo.

Manifesto assinado por 2400 investigadores (e pelo próprio ministro) critica fortemente política científica do Governo. Os subscritores exigem "financiamento consistente e transparente, um simplex para a ciência e uma política de contratação regular, coordenada e baseada no mérito".

O que preocupa os reitores das universidades portuguesas? A redução demográfica, a burocracia e o emprego para os doutorados.

Notícia do DN sobre a lei das rendas: proposta do PS suspende despejos já em curso.

Segundo o Público, o Conselho das Escolas "chumba" novos currículos do básico e secundário.

Pedro Siza Vieira acumulou funções de ministro com gerência de empresa imobiliária: o advogado abriu a empresa Prática Magenta um dia antes de tomar posse como ministro, revela o Eco.

Bruno de Carvalho será forçado a sair do Sporting, avança o Correio de Manhã. “Presidente do clube tem até amanhã para se demitir. Caso não o faça, será alvo de um processo disciplinar.”

O Tribunal de Sintra começou a julgar 17 agentes da PSP acusados de agredir e ofender 17 jovens do bairro da Cova da Moura. As versões das vítimas e dos suspeitos não podiam ser mais diferentes: Polícias acusados de agredir e dizer “sangue de preto, que nojo” desmentem tudo.

“Porque a quantidade de vida adicional não compensa a qualidade de vida perdida”: eis um texto exclusivo de Alexandre Quintanilha para o Expresso Diário sobre a eutanásia.

A FPF confirma a ausência do Aves da Liga Europa.

Euromilhões com jackpot de 57 milhões de euros.

Angela Merkel vai a Braga, ao Porto e a Lisboa no fim do mês. A chanceler alemã vai visitar um centro de tecnologia, uma universidade e tem reuniões marcadas com Marcelo e Costa.

Depois de ser ouvido no congresso dos EUA a propósito do escândalo de roubo de dados no Facebook, Mark Zuckerberg veio à Europa pedir desculpas, depois houve embaraços e uma promessa. “Problema: foram feitas tantas perguntas que não houve tempo para respostas. Resultado: uma espécie de fiasco”.

Não é só em Portugal que alguns curricula vitae de políticos levanta dúvidas. O do futuro ministro italiano Giuseppe Conte também: andou ou não na universidade que diz ter frequentado?

No Brasil, Temer descarta candidatura às presidenciais brasileiras e apoia pré-candidatura de Meirelles.

Um tribunal turco condenou 104 militares a prisão perpétua, acusados de terem participado na tentativa de golpe de Estado de julho de 2016.

Trump diz que encontro com Kim Jong-un pode ser adiado. A atual atmosfera está longe da euforia manifestada nas semanas que se seguiram ao anúncio, a 8 de março, de um acordo de base para uma cimeira. Jornalistas estrangeiros chegam entretanto à Coreia do Norte para assistirem ao encerramento de centro nuclear

O prémio Man Booker Internacional foi atribuído a “Flights” de Olga Tokarczuk (sem obra publicada em Portugal).

O jornalista angolano Rafael Marques ganhou o prémio Herói Mundial da Liberdade de Imprensa, atribuído pelo Instituto Internacional da Imprensa.

FRASES

“O novo problema do futebol é a falta de dinheiro e o avanço da Justiça”. Ricardo Costa, no Expresso Diário.

“Não sei se pode haver melhor homenagem a uma vida de convicção do que o reconhecimento desse valor por tantos adversários. É assim com António Arnaut.” Francisco Louçã, no Expresso Diário.

O QUE EU ANDO A LER

Três sugestões, um filme, um livro e uma festa.

Ou melhor, Serralves em Festa, 50 horas de programação gratuita e centenas de atividades pensadas para “transpor fronteiras”: “uma celebração com livre trânsito para música, dança, performance, circo, teatro e fotografia”. Ou, diz Ana Pinho, “o maior acontecimento de cultura contemporânea em Portugal e um dos maiores a nível internacional.” Marque na agenda, de 1 a 3 de junho, no Porto.

Estreia amanhã nas salas de cinema o documentário "O Labirinto da Saudade", adaptação da obra homónima do grande (enorme) Eduardo Lourenço, realizado por Miguel Gonçalves Mendes.

Também amanhã é lançado o livro “Quem Meteu a Mão na Caixa”, da jornalista Helena Garrido (editado pela Contraponto/Bertrand). Numa altura em que se pede a lista dos maiores devedores ao banco estatal, é importante saber que mãos por lá andaram, entre as que se viram e as que nunca se vêem.

Tenha um excelente dia. Daqui a nada estaremos a publicar textos sobre Philip Roth no site do Expresso. E, antes e depois, notícias, notícias, notícias...

Nicolás Maduro vence as eleições presidenciais na Venezuela


Com 5,8 milhões de votos, Nicolás Maduro é reeleito após uma jornada de votação que se desenvolveu num ambiente de paz

Victor Farinelli | Carta Maior

Nicolás Maduro, candidato da Frente Ampla da Pátria, foi o vencedor das eleições presidenciais na Venezuela deste domingo, com 5.823.728 votos, segundo a informação divulgada ainda na noite deste domingo (20/5) pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE).

A presidenta do CNE, Tibisay Lucena, detalhou que 8.603.936 milhões de votos válido durante a jornada eleitoral.

O candidato Nicolás Maduro foi reeleito com 67,7% dos votos válidos, em um pleito que transcorreram sem incidentes, segundo avaliação relatada e confirmada pelos observadores internacionais que acompanharam a jornada. A participação eleitoral, segundo informação do CNE e também confirmada pelos observadores, foi de 48% (pouco mais de 8 milhões de votos).

O segundo candidato mais votado foi Henri Falcón, opositor e representante do partido Avançada Progressista (AP), que obteve 1.820.552 votos (21,1%). O pastor evangélico Javier Bertucci, candidato da aliança Esperança por Mudanças, teve 925.042 votos (10,8%), ficando com a terceira colocação, enquanto Reinaldo Quijada, do partido Unidade Política Popular, ficou com 34.614 votos (0,4%), na quarta posição.

Um total de 20.526.978 eleitores em território venezuelano e 107.284 residentes em países estrangeiros estavam habilitados para exercer seu direito a votar nos 14 mil centros de votação distribuídos em todo o país e nas representações consulares venezuelanas.

A jornada eleitoral começou às 6h (hora local) e finalizou às 18h. A votação foi observada pelo Sistema de Acompanhamento Internacional, com 150 participantes de todo o mundo. Entre esses acompanhantes estavam políticos, acadêmicos, parlamentares, intelectuais, jornalistas e personalidades da América Latina, do Caribe, Europa, África, América do Norte e Ásia.

Uma vez conhecidos os resultados, milhares de simpatizantes do presidente Maduro foram até as imediações do Palácio de Miraflores, sede do Poder Executivo venezuelano, para festejar o triunfo eleitoral.

“Me subestimaram”

Em seu discurso da vitória, Nicolás Maduro criticou o que chamou de “arrogância da oposição e seus apoiadores estrangeiros”, em um momento que despertou muitos aplausos do público presente. “Eles me subestimaram, e também subestimaram o povo venezuelano. Mas aqui estamos nós, triunfando! É a quarta vitória seguida”, destacou o mandatário, lembrando os três bons resultados do chavismo em 2017: o referendo da assembleia constituinte (julho) e as eleições municipais (dezembro) e das autoridades regionais (outubro).

Maduro também criticou a intenção da oposição de desconhecer os resultados: “não adianta esperar uma posição honrada de uma parte da oposição que, no começo ou no final, sempre vai terminar nos braços do apoio imperial”.

Diálogo

Maduro também ratificou que o primeiro que fará em seu segundo mandato é chamar a uma nova rodada de diálogo com os setores da oposição política e todos os setores sociais do país. Também prometeu assumir o tema econômico com prioridade.

“Vocês me verão andar por todo o país ativar os motores da economia. Não será fácil, não é pouca coisa falar da guerra que fazem contra o povo impedir as pessoas de votar nestas eleições”, denunciou o mandatário, que assegurou que a Justiça atuará contra aqueles que tentaram sabotar o pleito.

“Creio que um novo começo, creio na paz e na convivência para podermos avançar juntos”, expressou o Chefe de Estado.

Desconhecer os resultados

Antes mesmo de se conhecer os resultados e sem apresentar provas concretas, o candidato opositor Henri Falcón afirmou que não reconheceria os números que logo seriam apresentados pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE).

Numa coletiva de imprensa em seu comando de campanha em Caracas, Falcón assegurou que o processo “carece de legitimidade” e que está disposto a se medir em outra eleição “sem vantagens”. Segundo o candidato: “este processo eleitoral está invalidado, para nós não houve nenhuma eleição”.

O opositor lançou sua candidatura sem o apoio dos líderes dos partidos tradicionais do antichavismo, que convocaram seus seguidores à abstenção neste domingo, boicotando inclusive a candidatura de Falcón.

Abstenção

A presidenta da Assembleia Nacional Constituinte (ANC), Delcy Rodríguez, assegurou que a grande derrotada deste domingo foi a abstenção convocada pela oposição.

Na sede da campanha governista, a ex-chanceler destacou a participação do povo venezuelano (48%, segundo as cifras divulgadas pelo CNE), apesar de parte dos partidos opositores terem feito campanha para estimular as pessoas a não irem votar – lembrando que na Venezuela o voto não é obrigatório. “Aqui está a resposta de um povo que quer viver em paz”, afirmou Rodríguez.

Perfil e propostas

Nicolás Maduro foi o presidente encarregado de assumir a Venezuela em março de 2013, após o falecimento de Hugo Chávez, líder histórico da Revolução Bolivariana. Em abril daquele ano, ganhou as eleições contra Henrique Capriles, com 50,61% dos votos, conquistando seu primeiro mandato, para o período entre 2013 e 2019.

Anteriormente, ele ocupou os cargos de deputado da Assembleia Nacional Constituinte (1999), deputado da Assembleia Nacional (2000-2006), presidente da Assembleia Nacional (2005), chanceler (2006-2012) e vice-presidente da Venezuela (2013).

Sua proposta eleitoral está contida no Plano da Pátria 2019-2025 (os mandatos presidenciais na Venezuela duram seis anos), que contém as bases do projeto para este segundo período presidencial. Estes são alguns pontos fundamentais apresentados pelo documento:

– Consolidar a educação pública e gratuita e alcançar 100% da escolaridade.

– Expandir o sistema de saúde pública, gratuita e de qualidade. Melhorar o sistema de saúde da família, primária e comunitária.

– Entregar 5 milhões de novas moradias, através da Grande Missão de Construção.

– Fortalecer o novo Carnê da Pátria (documento que funciona ao mesmo tempo como registro de identidade e carnê de acesso aos programas sociais) para proteger a 16,5 milhões de venezuelanos de forma integral, através do Sistema de Bonos (o Bolsa Família venezuelano), que leva ajuda econômica a 5 milhões de lares.

– Consolidar os CLAP (Comitês Locais de Abastecimento e Produção), os mercados do Campo Soberano, os sistemas de preços justos e o câmbio da moeda venezuelana, além de continuar impulsando o Petro (criptomoeda) e manter o projeto de revolução econômica para vencer o assédio internacional.

*Com informações dos canais TeleSur e RT

"O futuro não ia ser assim": Pobreza extrema volta a crescer no Brasil


Mais de um milhão e meio de brasileiros despencam para nível social mais baixo em 2017, o segundo ano consecutivo que o número de pobres aumenta

Tom C. Avendaño, El País | em Carta Maior

Em 14 de maio de 2017, Maria Silva Nunes, sexagenária, negra e com uma expressão de cansaço permanente no rosto, passou da classe social mais baixa do Brasil para a pobreza extrema. Era o Dia das Mães e sua família, com a qual levava uma vida precária em Heliópolis, a favela mais populosa de São Paulo, ia se reunir para comemorar. Ali estavam suas três filhas: a doente que ainda mora com ela, a que teve o primeiro de três filhos aos 16 anos e até a que está na prisão, beneficiada pelo indulto do Dia das Mães. O dia começou bem e terminou no extremo oposto. “Fabiana, a do meio, parecia que estava dormindo na cadeira, cansada de tanta criança e tanta festa, mas não estava dormindo, estava morta”, lembra Maria Silva, retorcendo os punhos encostados na mesa do refeitório de uma escola. Não revela a causa da morte: aperta os lábios como se reprimisse um gesto, aguardando a próxima pergunta. “Ela estava morta, o queixo estava no peito. Morta.”

Tudo o que aconteceu depois, que arruinou a frágil existência de Maria Silva Nunes aos 63 anos, aconteceu de forma precipitada, uma reação atrás da outra. O marido da falecida e pai de seus três filhos pegou um deles e desapareceu. “Ele é catador, o que vai fazer?” Maria Silva herdou a responsabilidade de cuidar dos outros dois, de 16 e 12 anos, em uma idade em que outras mulheres estão se aposentando. Com Fabiana se foi também o dinheiro que ela lhe dava todo mês. Nem conseguiu manter o Bolsa Família: “Isso é para pais e filhos, não te dão se você é avó”, intui. Em casa também está a outra filha em liberdade, que não tem trabalho e seu filho. Há meses em que entram apenas 60 reais e nada mais: são os meses em que, se a cesta básica acaba, Maria Silva sai em busca de comida no lixo. Mais dia menos dia, supõe, vão cortar a luz. “Devo 583 reais em contas e ainda não sei como vou repor o pacote de arroz que está acabando.” E, depois, teme que sua família ficará sem casa. Naquele Dia das Mães, Maria Silva perdeu uma filha e tudo que a impedia de afundar ainda mais. “Tudo ficou difícil. E continua difícil”, suspira. “Não tenho ninguém. Aqui é só eu e Deus.”

Maria Silva Nunes tropeçou em uma das frestas mais nocivas do Brasil recente: o aumento de 11% na pobreza extrema desde o final de 2016, um buraco negro pelo qual passaram, como ela, um milhão e meio de habitantes. Em um país em que o Governo celebra a recuperação econômica após anos de recessão, havia, no início de 2017, 13,34 milhões de pessoas vivendo em pobreza extrema; no final do mesmo ano, já eram 14,83 milhões, o 7,2% da população, segundo relatório da LCA Consultores divulgado pelo IBGE. Apesar de não serem números astronômicos, esse é o segundo ano consecutivo em que a tendência se mantém após o progresso espetacular do país entre 2001 e 2012, quando se erradicou 75% da pobreza extrema no Brasil, de acordo com cálculos da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).

“A queda da pobreza naqueles anos é explicada pela melhora do mercado de trabalho, que vem se deteriorando nos últimos anos. Há menos formalidade, ou seja, há pessoas trabalhando sem carteira assinada, enquanto os salários, em geral, não estão crescendo”, pondera o economista Fernando Gaiger, que pesquisa a pobreza e a desigualdade para o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. “Isso tem mais a ver com a recessão do que com a reforma trabalhista de Temer, cujos resultados só começaremos a ver no final do ano que vem. Mas é inegável que pioramos. Alguém sem carteira assinada perde o emprego e depois a casa e logo logo está na rua. De uma hora para outra, tudo muda.”


20 anos trabalhados, 0 reais

Priscila Mourilo, vizinha de Maria Silva em Heliópolis, nunca imaginou que seria vítima dessa questão trabalhista. Quando era pequena, essa jovem na casa dos vinte anos, de costas largas e cabelos castanhos se sentia mais ou menos segura porque seu pai trabalhava em uma copiadora. Podiam viver sem grandes dificuldades com outros vizinhos da classe média baixa em Diadema, na periferia de São Paulo. “Entrava, saía... Era uma mulher livre”, lembra hoje. Se apaixonou, foi morar em Heliópolis, de onde era seu namorado, e lá teve três filhos. O namorado desapareceu depois de algum tempo, mas deixou-a ficar no apartamento de sua mãe. E aí os problemas começaram. À medida que cresciam, as crianças foram mostrando problemas de desenvolvimento: “O mais velho, Maurício [oito anos], tem uma ligeira deficiência. O menor, Murilo, está com sete anos e acho que também tem. Não para quieto, é impulsivo, não se concentra, não fala bem, não sabe abotoar um botão, não se limpa quando vai ao banheiro...”, diz ela no sofá de sua diminuta casa na favela. Está sob uma enorme mancha de umidade de onde pinga água. No seu colo está Mia, a gata que têm para pegar os ratos que se aproximam da casa.

Forçada a olhar as crianças a cada segundo que passam acordadas, Priscila descarta procurar trabalho. Seu único recurso seria pedir dinheiro ao seu pai, mas ele perdeu o emprego na copiadora depois de 20 anos e não recebeu nenhuma indenização. Também não tem direito a aposentadoria: não tinha carteira assinada. Priscila engravidou outra vez, do mesmo namorado. Sua mãe, sexagenária, teve que deixar a aposentadoria e começar a fazer faxina para sustentar a família. “Eu gostaria de sustentá-los, mas não tenho como”, repete, com olhar envergonhado. Quando cresceu, sabia que não era rica, mas nunca suspeitou que acabaria sendo extremamente pobre.

Em janeiro de 2017, perdeu o Bolsa Família. Nem ela sabe dizer o motivo. “E eu comecei a sentir medo. Medo e fome. Não tinha dinheiro para comprar biscoitos para os meninos, nem fraldas para a menina. Acordava sem saber o que ia comer, se conseguiria arranjar alguma coisa para alimentar meus filhos. Sobrevivo com o dinheiro que minha mãe me manda.” Cerca de 200 reais por mês. O pai das crianças não trabalha? “Ai moço, boa pergunta. Ele cata papelão, não tem dinheiro.” Você sabe como vai passar o próximo mês? “Pelejando. Pelejando como sempre. Mais do que isso não dá para saber. O futuro não ia ser assim.”

Fotos: 1 - Maria Siilva Nunes, no refeitório de uma escola de Heliópolis / TOM C. AVENDAÑO; 2 - Priscilla Mourilo, na porta de sua casa em Heliópolis TOM C. AVENDANO

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