quinta-feira, 16 de agosto de 2018

SOB O OLHAR SILENCIOSO DE ANTÓNIO AGOSTINHO NETO – II


Martinho Júnior | Luanda  

COMPASSO SEGUNDO DE QUATRO PEQUENOS COMPASSOS DE DECIFRAGEM HISTÓRICA

A independência de Angola, resultado duma forja de lutas da Argélia ao Cabo da Boa Esperança, sendo fresca, tem e é partícipe duma génese fulcral: a do movimento de libertação em África!

A 30 de Novembro de 2016, recordo a propósito, iniciei assim uma das mensagens no livro de condolências, aberto na residência de Sua Excelência Gisela Garcia Rivera, Digníssima Embaixadora de Cuba em Angola, por ocasião do falecimento do Comandante Fidel:

“… De Argel ao Cabo…

Cavalgando com Fidel!

… Levando o ardor progressista desde contra o baluarte do colonialismo francês no Norte de África…

… Até contra o bastião mais retrógrado e fascista que existia à face da Terra após a IIª Guerra Mundial, em seu perverso domínio em toda a África Austral…

… Precisamente no sentido inverso ao projetado pelo império anglo-saxónico sob inspiração de Cecil John Rhodes… do Cabo ao Cairo…”

… O movimento de libertação em África integrou cenários e actores fluentes, que são inspiradores nos termos dos exercícios contemporâneos que continuam a obrigar à consciência crítica que há a cultivar quando o subdesenvolvimento está longe de ser vencido e quando há tanto que resgatar a fim de tornar mais feliz, soberano e livre do obscurantismo o povo angolano e os povos africanos.

Na América a libertação do colonialismo foi há pouco mais de 200 anos e os povos, para hoje levar avante os ideais e as bandeiras dessa libertação, para alcançar um patamar justo de felicidade e de bem-estar, para assumirem seus processos tão legítimos de luta, têm em Simon Bolivar e em José Marti, entre outros clarividentes lutadores dessa época revolucionária, dois dos mais esclarecidos combatentes inspiradores, que deixaram um enorme e visionário legado que há que seguir para enfrentar os desafios e os riscos que hoje afectam a humanidade e o próprio planeta.

A primeira grande forja dessa libertação foi decidida e vivida pelos escravos africanos e afrodescendentes do Haiti, algo na generalidade desconhecido em África, propositadamente desconhecido pelas correntes elitistas que advêm do domínio do império britânico!

Os Comandantes Fidel de Castro e Hugo Chavez, foram profundamente conhecedores desse imenso legado que é património universal, fiéis e clarividentes intérpretes desse legado e abrem caminho a outros fiéis companheiros que se lhes seguem geração após geração, nessa luta secular que já ninguém em consciência pode deixar de conhecer e reconhecer!

Recorde-se “As veias abertas da América Latina”, de Eduardo Galeano, que é também uma memória da luta e dos feitos da liberdade, da autodeterminação e da independência dos povos latino-americanos, por mais vilipendiada, subvertida, ou apagada pelo poder dominante do império da Doutrina Monroe que ela tenha e tem sido!


Em África a libertação do colonialismo enquanto sinónimo de luta perseverante e consequente, a libertação obrigada pelo processo histórico a seguir a via armada, tem em lutadores e combatentes como Amílcar Cabral, Agostinho Neto e Samora Machel, marcantes revolucionários dirigentes e comandantes que perscrutavam o futuro e deixaram inequívocos rumos que são legados palpáveis nos dados de seu própria biografia, na sua vibrante palavra, nos seus escritos e no rigor de suas próprias obras vocacionadas para a libertação com socialismo e desde logo pela via do socialismo.

Os fenómenos de luta contra o colonialismo em África, são contudo mais recentes que os da América, ocorreram na segunda metade do século XX, enquanto no outro lado do Atlântico foram ocorrendo ao longo do século XIX, pelo que sinais africanos estão ainda frescos, sendo impossível apagá-los com o “fim da história”, segundo o servil e contingente Fukuyama: as gerações que viveram a saga de libertação, que dessa saga beberam a universidade de sua própria identidade, cultura e motivação, que por via de irreversível juramento lhe são fiéis, ainda não desapareceram totalmente! 

Muitos dos que restam dessas gerações, ainda que no anonimato imposto, ou no deserto imposto, ou na marginalidade imposta, continuam com sua consciência motivada em transmitir às gerações vindouras a responsabilidade dos termos das vitórias tão duramente alcançadas, face a face a alguns cuja mentalidade formatada e ávida de lucro ao invés de ávida de humanidade e de vida, de forma tão oportunista, tão corruptível, tão desprezível, tão “maleável”, de forma por vezes tão leviana, tanta riqueza libertária e socialista, tanta clarividência, querem fazer apagar, subverter, desvirtuar, ou deliberadamente desperdiçar!...

Fazem-no esses poucos mas estoicos patriotas por que, para levar avante a libertação dos povos, do obscurantismo, do subdesenvolvimento e da opressão, bebem da mesma inspiração que guiou, em sua época e em sua vida, heróis como Amílcar Cabral, Agostinho Neto, Samora Machel, Fidel de Castro, o Che e tantos de seus companheiros…

Esses raros “dromedários” peritos em atravessar desertos, respiraram e respiram, com a mesma sofreguidão, do mesmo ar que eles, mesmo que por efeito do escaldante deserto do capitalismo neoliberal e suas avassaladas social-democracias os quiserem apagar da história, aplicando à letra e incondicionalmente o “diktat” das ementas de seu “mestre”Fukuyama!

Fazem-no por que é nesse rumo que é possível desenvolvimento sustentável, identidade nacional, a resistência que pode conduzir a democracia aos vínculos populares, os únicos que podem dar substantivo conteúdo à sua essência, que a podem resgatar da abstracção alienatória da representatividade que agora se vai estender às autarquias, que a podem motivar para o patriotismo e ao mesmo tempo para a educação em prol da justiça social, que a podem dinamizar em função da melhor utilização das novas tecnologias abertas à e susceptíveis de massificação!...

Ao não se honrar o passado e a nossa história, ao não se evocarem a memória e os ensinamentos de António Agostinho Neto, ao se perder da clarividência socialista para se implantar a hipocrisia e o cinismo social-democrata, ou uma metamorfose elitista de última geração, quanto Angola, quanto África tem perdido de sua identidade, dignidade e coerência histórica e antropológica, quanto tem perdido de força anímica capaz de ampla mobilização, para levar por diante a longa luta contra o subdesenvolvimento?

Martinho Júnior - Luanda, 10 de Agosto de 2018

Fotos:
- Conferência histórica alusiva aos 55 anos do MPLA, no dia 6 de Dezembro de 2011, foto tirada por mim nesse evento;
- Conferência histórica alusiva aos 55 anos do MPLA, no dia 7 de Dezembro de 2011; intervenção do camarada Jorge Risquet (já falecido), companheiro da IIª coluna do Che no Congo e um dos artífices da linha da frente progressista informal contra o baluarte da internacional fascista e colonialista na África Austral (Exercício Alcora); foto tirada por mim nesse evento.

Delegação angolana de alto nível acompanha Presidente a Pequim


Angola, um dos principais parceiros chineses de África, está a preparar uma delegação de alto nível para participar no Fórum de Cooperação China-África (Focac), uma cimeira que se realiza de 3 a 4 de Setembro, de acordo com informações divulgadas por uma publicação daquele país.

A "China-Lusophone Brief" (CL-Brief) escreveu sexta-feira que a participação de Angola na Focac é parte de uma estratégia improcedente do Governo para elevar a atracção de crédito e investimento estrangeiro.

A publicação cita fontes a afirmarem que a delegação que vai a Pequim é liderada pelo Presidente da República, João Lourenço, marcando o primeiro aniversário da sua eleição e depois de visitas realizadas à África do Sul, França, Bélgica e, mais recentemente, um discurso pronunciado no Parlamento Europeu, em Estrasburgo.

Jornal de Angola

Contas públicas de Angola só saem do vermelho em 2020


As finanças angolanas só deverão ficar equilibradas em 2020, com as receitas, sobretudo de impostos, a voltarem a ser superiores às despesas totais previstas seis anos depois, segundo a mais recente projeção do Governo.

A informação consta do Plano de Desenvolvimento Nacional (PDN) 2018-2022, aprovado pelo Governo e publicado oficialmente a 29 de junho, contendo um conjunto de programas com a estratégia governamental para o desenvolvimento nacional na atual legislatura.

Para 2018, o Governo prevê uma receita total (excluindo endividamento) de 20,2% do Produto Interno Bruto (PIB), essencialmente de impostos com a exportação de petróleo (12,6%), enquanto as despesas totais deverão ascender a 22,7% do PIB, provocando um défice fiscal de 2,5%.

Para 2019, a projeção do PDN aponta para um défice de 1,5% do PIB, com o peso das receitas a caírem para 18,6% e o das despesas totais para 20,1%. Após cinco anos de contas no vermelho, o Governo estima um resultado positivo em 2020, voltando as receitas a superar as despesas, equivalente a 0,4% do PIB, projeção que sobe para 0,5% em 2021 e para 0,7% em 2022.

Angola registou excedentes orçamentais em 2010 (5% do PIB), em 2011 (10%) e 2012 (7%), com a recuperação do setor petrolífero após as quebras de 2008 e 2009, tendo ficado próximo do equilíbrio em 2013.

Quebra nas receitas em 2014

A partir de 2014, com nova quebra nas receitas com a exportação de petróleo, as contas anuais do Estado voltaram a apresentar consecutivamente défices, colmatados com a contração de endividamento público.

O Governo angolano estima fechar 2018 com um endividamento público de 77.300 milhões de dólares (65.100 milhões de euros), equivalente a 70,8% do Produto Interno Bruto (PIB) do país para este ano, excluindo a dívida da petrolífera estatal Sonangol.

De acordo com informação recente do Governo, a República de Angola deverá "aumentar significativamente" os empréstimos em 2018 e nos próximos anos. Acrescenta que na mais recente estimativa governamental, o Estado angolano captou aproximadamente 3.400 milhões de dólares (2.800 milhões de euros) de dívida no primeiro trimestre deste ano, dos quais 1.300.

Só a China já emprestou a Angola, desde 1983, mais de 60.000 milhões de dólares (50.000 milhões de euros), para obras de reconstrução após a guerra, valores que por norma são liquidados pelo Estado angolano com carregamentos de petróleo.

Agência Lusa | em Deutsche Welle

Violência racista dá sinais de escalada na Itália


País registra nove ataques a bala contra integrantes de minorias étnicas em 50 dias. Onda de agressões se intensificou desde a posse do novo governo. Ministro do Interior declarou que "racismo é invenção da esquerda".

O estrondo de uma arma de ar comprimido que no início de julho perturbou a calma da arborizada estrada provincial, primeiramente provocou incredulidade – nem todo mundo em Forli, no centro da Itália, presta muita atenção aos eventos locais.

Hugues Messou, natural da Costa do Marfim, de 34 anos, não teve como escapar do fato: ele estava a caminho de casa de bicicleta quando o tiro o atingiu no abdômen. Tendo vivido na cidade por mais de dez anos, nunca a considerara um lugar perigoso, nem mesmo hostil, apesar de uma ou outra palavra racista lançada contra ele.

"O carro parou por uns segundos na minha frente, mas não consegui ver exatamente quem estava dentro. Eram pelo menos duas pessoas, por volta dos 30 anos, talvez mais velhos", conta.

No dia seguinte, ele fez um boletim de ocorrência na delegacia. Há câmeras estrada abaixo, a cerca de 200 metros do local do incidente. Até hoje, o costa-marfinense não teve novidades sobre as investigações, e, até a data de publicação desta reportagem o departamento de polícia local não respondeu aos pedidos de comentários da DW.

"Quem fez isso, saiu de casa com a intenção de atirar numa pessoa negra", diz ele. "Era tarde da noite, e aconteceu duas vezes no espaço de dois dias."

Dois dias antes desse ataque, uma nigeriana fora atingida por um projétil disparado de uma lambreta numa rua próxima. No entanto, ela não registrou queixa.

"Eu estava conversando no bar sobre o que tinha me acontecido e foi quando [o outro ataque] veio à tona", conta Messou. "Se eles estão usando armas de fogo, a coisa é preocupante."

"Teste de espingarda", "brincadeira", "um pombo"

Nos últimos 50 dias, ao menos nove integrantes de minorias étnicas foram feridos a bala na Itália. Em oito das agressões foram usadas espingardas de ar comprimido – cujas balas redondas e de metal podem causar lesões graves – e na outra, uma arma de fogo.

Num dos casos, um menino da etnia nômade rom de um ano recebeu um disparo nas costas. O atirador, um funcionário público, disse à polícia que atirou "para testar a espingarda".

O episódio mais recente ocorreu um Pistoia, na região da Toscana: dois garotos de 13 anos atiraram num homem do Gâmbia. Segundo a agência de notícias italiana Ansa, ao serem identificados pela políci,a ambos afirmaram ter se tratado de uma simples brincadeira, "sem motivação racial nem política". Essa versão foi aceita pela opinião pública em geral.

Em 11 de junho, dois refugiados do Mali, residentes de um centro de recepção próximo a Nápoles, relataram à mídia local que haviam sido alvejados a partir de um carro que passava, cujos ocupantes gritavam slogans de apoio ao ministro do Interior Matteo Salvini, do partido direitista Liga.

Um mês depois, em Latina, ao sul de Roma, dois nigerianos levaram tiros de ar comprimido disparador de um carro. Os agressores foram mais tarde identificados e respondem por lesões corporais com agravante de discriminação racial.

No fim de julho, um operário cabo-verdiano trabalhava num andaime na mesma cidade quando foi atingido nas costas por um tiro disparado de uma varanda próxima. Segundo a imprensa local, o atirador contou aos investigadores que pretendia atirar num pombo.

No início de agosto, três tiros de arma de fogo foram disparados por dois desconhecidos de lambreta contra um vendedor de rua senegalês de 32 anos. Apenas uma delas o acertou, fraturando-lhe o fêmur.

Retórica de incitação racista

Serge Diomande integra o comitê do conselho de cidadãos em Forli, além de ser presidente da Associação Nacional Além das Fronteiras (Anolf). O costa-marfinense, que vive na Itália há quase dez anos e trabalha como guardador em um armazém, considera difícil ignorar o que tem acontecido.

"Até que [os responsáveis] sejam apanhados, vamos ficar sempre na dúvida. Queremos saber quem e por quê. Isso nunca aconteceu aqui. Forli sempre foi uma cidade muito aberta", diz. "Os partidos políticos não deveriam brincar com a migração. É como brincar com a cultura italiana."

Desde que assumiu em 1º de junho, o governo de coalizão entre a Liga, de extrema direita, e o populista Movimento Cinco Estrelas tem se recusado a permitir o desembarque de navios de resgate de migrantes no Mediterrâneo. Salvini anunciou, ainda, que aceleraria as deportações de ilegais e que as comunidades rom deveriam ser recenseadas, e seus membros estrangeiros, deportados.

O governo tem respondido às acusações de que suas políticas e retórica instigam medos e legitimam a violência, negando que haja algum problema. Segundo Salvini, racismo é "uma invenção da esquerda".

O jornalista Luigi Mastrodonato documentou mais de 30 agressões físicas a membros de minorias no país desde o princípio de junho. O site antirracismo Cronache di Ordinario Razzismo (crônicas de racismo comum), da ONG Lunaria, publicou um relatório computando 169 incidentes de discriminação nos primeiros três meses de 2018.

"Motivos fúteis"

Não há dados policiais sobre crimes de ódio na Itália. Os mais recentes – do Escritório para as Instituições Democráticas e os Direitos Humanos (ODIHR), que monitora esses delitos entre os países-membros da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) – são de 2016, quando a organização contabilizou 803 crimes de ódio com registro na polícia. A maior parte se origina em racismo ou xenofobia.

Quando a polícia investiga as causas, o cunho racista nem sempre é reconhecido, e muitas vezes é minimizado, principalmente na presença de outros motivos possíveis ou de motivação múltipla.

Um dia após a eleição na Itália, o vendedor senegalês Idy Diene foi morto em Florença por um homem que declarou que pretendia cometer suicídio, mas em vez disso decidiu voltar sua arma contra um transeunte qualquer. A polícia rapidamente classificou o homicídio como "por motivos fúteis".

Em Aprilia, ao sul de Roma, um marroquino foi morto no início de agosto, numa perseguição de carro, por três homens. Estes negaram qualquer motivo racial, alegando ter acreditado que ele fosse um ladrão e decidido tomar a justiça nas próprias mãos. As circunstâncias do crime estão sendo investigadas.

"Com o passar do tempo, estamos vendo um processo de legitimação crescente de um comportamento que, no melhor dos casos, é de hostilidade e intolerância declaradas contra minorias", aponta Grazia Naletto, presidente da ONG Lunaria, que há dez anos vem documentando e conscientizando sobre o racismo no país.

"As notícias das últimas semanas são preocupantes, independentemente dos números, pois estamos falando de agressões físicas, em alguns casos, graves. Em alguns deles, as autoridades encarregadas das investigações não reconheceram o elemento racial", diz. "Com certeza há no país um clima cultural, social e político que tende a incentivar certas condutas sociais. Temos visto como elas se tornam agressivas."

Ylenia Gostoli (de Roma / av) | Deutsche Welle

DEVASSA, FACEBOOK E CENSURA


Se uma polícia política quisesse ter o levantamento de quem conhece quem; quem é amigo de quem; quem gosta de quem, não poderia inventar um instrumento melhor do que o Facebook.

Este instrumento de devassa da vida pública dos cidadãos veio potenciar a tarefa da espionagem da NSA e agências quejandas.

Mas quem mesmo assim não se importar em ser espionado e insistir em permanecer no Facebook ainda está sujeito à censura dos seus gestores anónimos. E isso não é de agora, como já em 2012 verificou Atilio Boron.

Entretanto, com a histeria que grassa no Estado Profundo dos EUA, o imperialismo intensifica a censura contra qualquer voz alternativa. É assim que o Facebook, obedientemente, acaba de encerrar tanto a página da Telesur como aquela em inglês da Venezuela Analysis. Nem mesmo páginas conservadoras, como o InfoWars, escapam aos censores do Facebook.

O medo a ouvir verdades paira sobre os EUA. Por isso a censura ali passou a ser uma política de Estado – e o capital monopolista que domina os media colabora nisso.


Ver também:   Campanha Os meus dados são meus 

Portugal | Saúde e Ensino – a violência no trabalho


Este é o resultado do individualismo e da competitividade agressiva no emprego, criados pelas políticas neoliberais com discursos violentos contra tudo o que cheire a espírito colectivo e solidário.

Jorge Seabra | AbrilAbril | opinião

Talvez por estarmos em Agosto, com redacções depauperadas, parecendo haver falta de notícias para além dos suores, do Sporting, de Trump e do incêndio de Monchique, nos últimos dias alguns estudos sobre agressões a profissionais da Saúde e do Ensino público ocuparam um inabitual espaço nos cabeçalhos de jornais.

O assunto é sério e reflecte muito do que está (e continua) mal no nosso país e na «Europa» que tem seguido o caminho de agressão ao «Estado Social», aberto por Tatcher e pela traição à social-democracia da «terceira via» de Blair, aprofundado no século actual pela «austeridade» do BCE e da troika.

Violência na Saúde...

«Casos de violência contra médicos e enfermeiros estão a aumentar» – surge a toda a largura na primeira página do Público de 11 de Agosto de 2018.

Um gráfico mostra que, há cerca de dez anos (2007), as notificações de incidentes de violência contra profissionais de Saúde eram de 35, passando, em 2017, a 678 (10% dos quais com agressão física), sendo no primeiro semestre deste ano já de 439, confirmando uma significativa subida.

Nada é realmente novo e, convém perceber – como é afirmado pelos entrevistados –, que os números representam apenas uma pequena ponta do iceberg.

De facto, a maioria dos insultos, humilhações e agressões verbais e mesmo físicas não são notificadas, sendo geridas na intimidade do agredido ou do grupo ou serviço onde trabalha, quer pela sensação de inutilidade, quer pela perda de confiança e auto-estima que, para muitos, o facto implica.

Não é difícil perceber as causas nucleares deste aumento de agressividade para com quem dá a cara pelo Serviço Nacional de Saúde.

As longas esperas em situações de stress (que nem sempre a situação clínica justifica), o constante matraquear pelos media de casos acusatórios passados em hospitais e centros de saúde (grande parte dos quais injustificados e apresentados sem um contraditório credível), a canalização pelo poder político desse mal-estar para um falso e abusivo conceito de «direito cidadão» atirando utentes contra o serviço público cuja degradação é da sua inteira responsabilidade, estão no centro de muitos dos conflitos registados.

A isso soma-se o esgotamento e «burn-out» dos profissionais, com tempos comprimidos e sem espaço para diálogo e empatia (imprescindíveis a uma boa relação com o doente e a família), reflexo da falta de recursos humanos e materiais, da «proletarização» sem direitos nem carreiras, da burocratização e autocracia promovida por administrações demasiado «empresariais», mais preocupadas com números e estatísticas.

Confirmando outros, um estudo publicado na revista Acta Médica Portuguesa de Janeiro de 2016, abrangendo 466 médicos e 1262 enfermeiros com uma média de 36,2 anos de idade, encontrou 21,6% num estado moderado de esgotamento e 47,8% num estado de burn-out elevado.

A pressão e o cansaço, que levam à impaciência, desumanização e «desligamento», reflecte-se também nas relações entre os profissionais, afectando a formação e o trabalho multidisciplinar, com multiplicação de casos de mobbing (assédio moral ou psicológico em meio laboral), atingindo principalmente jovens internos e enfermeiros em início de carreira, também sacrificados pela menorização do ensino, que exige tempo e paciência, sobrecarregados com turnos excessivos e trabalhos de «carregadores de piano».

...e no Ensino

A primeira página do mesmo jornal abria no dia seguinte com «três em cada quatro professores já foram vítimas de assédio moral», referindo uma investigação que abrangeu cerca de 2000 professores dos diversos níveis de ensino.

O assédio significa «violência psicológica extrema, sistemática e recorrente, durante um tempo prolongado, para destruir as redes de comunicação da vítima, a sua reputação e perturbar o seu trabalho», na definição de Heinz Leymann.

Mesmo que os mais cépticos considerem que no resultado há um hipotético exagero de queixas (o que nada prova), estamos a navegar numa situação generalizada e grave.

Como responsáveis da agressão, o estudo apontou, em primeiro lugar, «colega ou vários colegas» (62%), a Direcção da Escola (48,6%), alunos ou familiares (36,9%).

Ao contrário do que alguns poderiam pensar, e sem subestimar comportamentos inaceitáveis de alunos e familiares que confundem falta de respeito e agressividade com direitos de cidadania, tudo aponta para uma grande conflitualidade entre professores e entre estes e as direcções das escolas, perdida que foi a gestão participada e democrática.

Também aqui, as políticas dos longos anos de «arco do poder» PS, PSD e CDS, devastaram o sentido colectivo, de colaboração e a autoridade do corpo docente, instalando a desmotivação e a desconfiança, a luta pelos pequenos poderes, o «cada um por si», a concorrência egoísta estimulada por processos avaliativos divisionistas e sem qualquer sentido de justiça.

De resto, em alguns momentos, a tutela parece ter querido usar a dimensão da luta sindical dos professores, para tentativas «exemplares» de intimidação e desmobilização de outras frentes da função pública («se os professores não conseguem, como vamos nós conseguir?»), procurando «quebrar a espinha» à sua unidade, copiando Tatcher e a repressão dos mineiros ingleses, embora com menos sucesso.

Só assim se pode compreender que o governo PS de Sócrates e da ministra Maria de Lurdes Rodrigues tenha decido colocar como prioridade nacional a imposição de um desastroso processo de avaliação dos professores portugueses.

Embora dificilmente alguém de bom senso – num país mergulhado numa crise económica e com os bancos à beira da falência (como depois se veio a verificar) –, pudesse encarar esse objectivo como razoável e, menos ainda, como prioritário, o tema monopolizou durante meses todos os debates, pondo os comentadores da «situação» a destilar veneno contra «essa corporação de preguiçosos que não se querem deixar avaliar».

A resposta foi esmagadora e deveria ter levado a uma leitura democrática.

Por duas vezes, mais de cem mil professores saíram à rua em espantosas manifestações de unidade, que inscreveram uma página inédita na história dos protestos de um só grupo profissional.

Dez anos depois de ter provocado o caos nas escolas, a ex-ministra veio reconhecer com descontracção e despudor que «…é um grande conforto ver que melhorámos os resultados, e que a avaliação, mesmo não sendo concretizada, afinal revelou-se um instrumento que pode ser substituído por outros instrumentos» (Lusa, 10-2-2017).

A pouca seriedade com que o actual governo falta agora ao seu próprio compromisso, contemplado no Orçamento de Estado de 2018, na contagem de todo o tempo de carreira dos professores congelada nos tempos na troika, parece reproduzir a lógica do governo da época provocando a mesma revolta.

E se o enviesado processo de avaliação de Maria de Lurdes Rodrigues não foi para a frente, a burocratização, desestruturação e precarização das carreiras seguiu o seu caminho, destroçando o espírito de corpo e a cooperação e cumplicidades tão importantes no processo pedagógico, despertando invejas e comportamentos mesquinhos, estimulando a lógica do medo, da subserviência e do «subir» a todo o custo, levando os melhores ao cansaço e esgotamento.

Um recente estudo orientado pela historiadora Raquel Varela e divulgado no passado mês de Julho, abrangendo cerca de dezanove mil professores, encontrou em cerca de 60% níveis preocupantes de exaustão emocional e 42,5% com um baixo índice de realização profissional.

Não será pois de estranhar que só 1,5% dos alunos queira vir a ser professor, conforme afirma o Conselho Nacional da Educação, tendo como base um relatório dos testes PISA a estudantes de 15 anos. E apesar de «os alunos portugueses terem até uma visão positiva dos seus professores», os poucos que escolheram a carreira docente foram os que se situaram nas piores classificações.

Tudo isto desenha um panorama negro que não existia no período de crescimento e de democratização do SNS e da Escola Pública, em que situações de pressão ou de «bulling» entre profissionais podiam existir como casos isolados, mas não eram estimuladas nem tinham repercussão sistémica.

Este é, sem dúvida, o resultado do individualismo e da competitividade agressiva no emprego, criados pelas políticas neoliberais com discursos violentos contra tudo o que cheire a espírito colectivo e solidário, considerado «piegas» e próprio de loosers que não têm a força para se afirmarem como líderes na «selva» da vida, lambendo as botas aos chefes e espezinhando os colegas que lhes podem roubar o lugar nas «avaliações individuais de desempenho», feitas exactamente para melhor dividir e explorar.

E o pior, é que muito de tudo isso se mantém apesar do discurso se ter tornado mais macio, e há gente que acredita que esta é uma forma incontornável de viver, própria da modernidade da época, como se não houvesse alternativa.

Foto: Istock

Portugal | Paddy, Le Pen e os patetas


Rafel Barbosa | Jornal de Notícias | opinião

O verão não se faz apenas de dias na praia, de refeições sem hora marcada, de conversas intermináveis noite dentro com os amigos, de livros de lombada grossa, de fotos de pés com a piscina em fundo, de cerveja fresca numa esplanada, de viagens para destinos próximos ou longínquos. Para que haja verdadeiramente a sensação de verão, são precisas, para além de memórias a sério como as citadas acima, umas pitadas do que se convencionou chamar "silly season" (estação pateta, para os menos entendidos em língua inglesa).

Cada um terá as suas preferências (por incrível que pareça, há quem não goste de fotos de pés na piscina), mas apreciei particularmente a polémica pateta relativa ao convite a Marine Le Pen, a líder da extrema-direita francesa, para que viesse discursar na próxima Web Summit. Comovi-me em particular com o alarido das redes sociais e com a indignação do Bloco de Esquerda (mesmo que já não tenha sido protagonizada por Ricardo Robles, agora a fazer pela vida no mercado da especulação imobiliária), enervei-me com o silêncio incompreensível de António Costa e Fernando Medina (quase parecia que tinham percebido que às vezes é melhor ficar calado, estragando o momento), e, finalmente, verti uma lágrima de crocodilo com o cancelamento do convite pelo Paddy Cosgrave, o empreendedor que organiza os comícios da cimeira digital e os jantares analógicos entre os mortos do Panteão.

Verti uma lágrima, não tanto por já não podermos contar com a presença em solo pátrio de alguém que recebeu o voto de mais de 10 milhões de franceses nas últimas eleições presidenciais (coisa terrível para a gente tão polida que vive nas redes sociais), mas porque o Governo manterá assim o subsídio de 3,9 milhões de euros que prometeu ao moço irlandês. Não se sentem agora devidamente patetas? É só porque não estão a lembrar-se de quem paga a conta...

*Editor-executivo do JN

"Têm de levar mais, filhos da puta, morram." Ativistas antitourada agredidos em Albufeira


Vídeos mostram agressões a ativistas quando já dominados pela GNR, que é acusada de não ter identificado agressores e de manietar uma das ativistas e apagar conteúdo do seu telefone. Sexta-feira há outra tourada e está convocado novo protesto

“Filho da puta, filho da puta! Tens alguma coisa de vir para aqui? Não gostas, vai para casa!" Os gritos ouvem-se durante um curto vídeo filmado na quinta-feira, na praça de toiros de Albufeira. Nas imagens, um dos corredores que faz a ligação entre a arena e o exterior. Nele passam três homens, um dos quais de tronco nu, com dizeres nas costas, que caminha dobrado, algemado, conduzido por um militar da GNR. Durante o curto percurso, o detido é pontapeado duas vezes, nas costas e no peito, por dois homens, sem que o militar esboce gesto ou advertência. Um peão de brega, capa na mão, e um forcado assistem, assim como várias outras pessoas. Ninguém tenta parar as agressões; ninguém protesta. Passa outro detido, também de tronco nu com escritos, também agarrado por militar da GNR. Um homem, cabelo grisalho e camisola escura, aproxima-se a correr e com uma bandarilha desfecha três golpes no detido, na cabeça e nas costas. A seguir volta para trás, calmamente, sem que alguém o interpele.

"Stop torture"; "Stop bullfight"; "Love animals"; "Tourist boycott". São as palavras de ordem que os detidos escreveram no peito e nas costas, para uma ação em que um deles, o holandês Peter Janssen, 33 anos, é veterano e diz dirigir-se aos turistas ("Convencer os aficionados é impossível, não mudam de posição", explica). Ativista do Vegan Strike Group, grupo de defesa dos direitos dos animais, repetiu-a em várias praças de touros - fala em 40 ações - desde 2015: Campo Pequeno, Huelva, Bogotá. Nesta última cidade, em 2016, feriu duas pessoas acidentalmente num salto para arena que não correu bem: ele próprio partiu um braço.

Expulso da Colômbia pelo feito, Janssen, que notícias afiançam ser objeto de vários processos por atividades idênticas, foi em Albufeira acompanhado, na invasão da arena, por dois ativistas portugueses, Artur Nascimento e Hélder Silva. Invadiram a arena após a lide do primeiro touro, depois de este ser retirado e quando a cavaleira Ana Batista se preparava para a volta de triunfo à arena. De imediato perseguidos por dois militares da GNR e vários outros homens, foram rapidamente apanhados e levados para fora da praça, sob o aplauso dos espectadores. E, como descrito, repetidamente agredidos no corredor.

"Vi dois homens a bater numa mulher"

Mas as agressões não ficaram por aí. Mónica Gaspar, 42 anos, que gere um restaurante e uma loja veganos (isentos de qualquer produto animal) em Albufeira, e que se encontrava na rua junto à praça de touros, viu "cerca de 20 pessoas com paus de madeira, bandarilhas, etc. a bater nos ativistas e nos agentes. Havia um homem que creio estar ligado ao toureio a cavalo a incitá-los: "Têm de levar mais, filhos da puta, morram." Fui dizer para pararem e dois agarraram-me pelos colarinhos, bateram-me na cara, deram-me pontapés."

Valeu a Mónica um grupo de lisboetas em passeio. "Vinha com a minha mulher, as minhas filhas e um casal amigo a passar e vi dois homens a bater numa mulher, a agredi-la brutalmente, a murro. Iam caindo para cima do carrinho de bebé da minha filha mais nova, que tem 7 meses, obrigando-me a fugir para o meio da estrada. Deixei o carrinho com a minha mulher e agarrei o homem, puxei-o para parar de bater na rapariga." Quem fala é Pedro Pereira, 35 anos, assistente operacional na Câmara de Lisboa, de férias no Algarve. "Mas aí apareceram vários a agarrar-me - cheguei a ter quatro à minha volta - e a tentar bater-me. Ainda consegui desviar-me, tenho um metro e oitenta e sou ágil, mas veio um por trás que me bateu com um pau e me abriu a cabeça."

A mulher viu quem foi e com o quê: "Ela acha que era um tipo que estava com os toureiros, porque me agrediu com uma escova dos cavalos. Mas quando pedimos à GNR, que entretanto tinha chegado, para ir à praça e ao pé dos camiões dos cavalos tentar encontrá-lo - ele fugiu depois de me bater -, não se dispuseram a isso." Pedro acabou a noite no hospital para lhe coserem a cabeça, pagando quase 70 euros pela consulta e curativo. "Não estou nada arrependido, tenho a consciência tranquila. Vi uma mulher a ser agredida e reagi. Só tenho pena de não poder identificar a pessoa que me partiu a cabeça."

"Tirem-me daqui esta gaja senão prendo-a"

Não há, que se saiba, imagens das agressões na rua. Carla Sananda, 41 anos, poderá ter ou não filmado e fotografado essas cenas - não o revela ao DN -, mas acusa a GNR de lhe ter apagado o conteúdo do telefone. Esta professora de ioga, mulher de um dos ativistas detidos (Artur Nascimento), comprou ingresso para a tourada para assistir à ação e registá-la. "Tirei fotos e filmei. Aquilo ficou muito feio. Eles [os ativistas] ficaram muito maltratados, apesar de os polícias terem tentado protegê-los. Aí foram impecáveis, um GNR até ficou com dedos partidos por tentar defendê-los."

Os elogios à polícia param aqui, porém. "Quando cheguei à rua estavam muitas pessoas, pró-tourada, muito exaltadas. Afastei-me um pouco e estava a ligar para uma amiga a tentar perceber onde ela estava quando uma mulher ligada à empresa da praça me tirou o telefone e disse aos GNR - entretanto tinham chegado reforços - que eu estava a filmar. E um deles em vez de me perguntar alguma coisa fez-me logo uma chave ao pescoço. Veio outro que me dobrou, pôs-me a cabeça nos joelhos. A seguir um deu-me o telefone de volta, dizendo que tinha apagado tudo." Carla, que se descreve como tendo um metro e 54 e 47 quilos, conta que respondeu ao militar: "Não pode fazer isso, sei os meus direitos." Este terá começado a empurrá-la com o peito, altura quem ela lhe terá perguntado "mas é um militar ou um civil?" Aí, continua a narrativa de Carla, o polícia tê-la-á tratado por tu e dito "tirem-me daqui esta gaja senão prendo-a".

"Hematomas na cabeça e no pescoço, luxação no ombro." Carla lê ao telefone o relatório médico sobre as marcas da ação policial. Vai, assevera, apresentar queixa contra a mulher que lhe tirou o telefone e contra a GNR por lho ter apagado e pela brutalidade de que foi alvo. "Nunca na vida estive numa situação parecida. Fez-me sentir que se deve formar a GNR para proteger as pessoas, não para agredir. Descontrolaram-se completamente. Estava à espera de que me protegessem ou pelo menos falassem comigo de forma diferente. Senti-me abusada."

Contactado pelo DN, que lhe remeteu uma série de perguntas por e-mail, o Comando Nacional da GNR não esclareceu quantos efetivos tinha na praça de touros e em que tipo de serviço (oficial ou gratificado), quantos compareceram em reforço, nem se identificou agressores. Quanto ao número de queixas apresentadas, refere apenas a de "uma manifestante, que não esteve envolvida na invasão do recinto", a qual "apresentou queixa por ofensas à integridade física contra desconhecidos" (refere-se a Mónica). E sumariza assim o sucedido: "No decorrer do evento de tauromaquia verificou a existência de confrontos físicos entre aficionados e ativistas, o que obrigou à intervenção da GNR, no sentido de garantir a integridade física dos manifestantes. O Comando Territorial de Faro mobilizou os meios necessários para repor a ordem pública."

Confirmando que "no decurso desta ocorrência, e no momento em que se garantia a proteção de um dos invasores, um militar sofreu ferimentos numa das mãos", sobre a situação relatada por Carla Sananda o relato do Comando é este: "No exterior do recinto, a GNR foi chamada a intervir devido a um conflito existente entre duas mulheres, motivado pela posse indevida de um telemóvel, tendo o mesmo sido recuperado pelos militares e devolvido à legítima proprietária." As perguntas do DN sobre a agressão de que Carla diz ter sido vítima por parte dos agentes, assim como sobre a ameaça de detenção e o alegado apagar do conteúdo do telefone por um deles não mereceram qualquer comentário. Também a questão "há alguma circunstância em que a GNR considere poder legalmente apropriar-se de um telefone de um cidadão e apagar conteúdos?" ficou sem resposta.

"Aficionados mostraram grande tolerância"

O DN contactou a empresa que gere a Praça de Toiros de Albufeira, mas esta remeteu qualquer esclarecimento para o porta-voz da Protoiro/ Federação Portuguesa de Tauromaquia, Hélder Milheiro. Este disse ao DN ter assistido ao espetáculo sentado "ao lado da empresária da praça", comunicando a sua visão do ocorrido: "O que aconteceu foi uma ação provocatória de um grupo vegano de assalto. Este é um grupo sediado em Espanha pago por fundos internacionais de origem desconhecida e que se dedica a ações deste tipo: provocar ações de distúrbio e apresentar-se como vítimas." Como assim? "Têm o objetivo de provocar alguma reação menos adequada, porque estamos a falar de atitudes provocatórias, num contexto de boicote." E terá sido o caso? "Não, os aficionados deram mostra de grande tolerância e respeito."

Há imagens que mostram os ativistas, já algemados, a ser agredidos dentro da praça. "Lamentamos qualquer excesso que tenha acontecido. A existirem agressões lamentamos e reprovamos." Mas estando presente não viu nada excessivo? Não ouviu falar de agressões? Houve até a necessidade de chamar reforços policiais. "Fiquei na bancada e a empresária também. Aquilo que recomendamos quer aos aficionados quer aos empresários é que reajam serenamente." Acha que houve essa serenidade? "Não creio que tenha havido a serenidade desejável. Mas estamos a falar de um crime semipúblico." A que crime se refere? "A empresa apresentou queixa por danos e porque houve um número significativo de pessoas que saíram e quiseram o dinheiro do bilhete de volta." E como qualifica a ação de quem agride pessoas que estão incapazes de se defender e sob guarda policial? Não é crime? "Não sou jurista para saber se é crime. É reprovável e inadmissível." E não será cobarde? "Não vou estar aqui a usar adjetivos. Se algum excesso aconteceu é reprovável. Mas não vou colocar aqui de repente estes mercenários internacionais como pequenas vítimas. Trata-se de uma ação provocatória e atentatória dos direitos dos outros cidadãos."

Obviamente que as ações do Vegan Strike Group são fora da lei, reconhece Mónica Gaspar. "Estar a invadir espaço alheio e desestabilizar vai ter uma reação. E tudo o que gera violência não é bom. Não é assim que devemos mostrar o nosso ponto de vista. Devemos agir dentro da lei e com respeito pelos outros. Eu faço ativismo todos os dias no meu restaurante, nas minhas palestras. E tenho família no Montijo e em Alcochete, eles gostam de ver touradas e eu respeito e eles respeitam-me a mim."

Militante da causa animal há muito e integrada no movimento antitourada "há cerca de dois anos", não é a primeira vez que Mónica se sente em perigo. No ano passado, numa manifestação à porta da mesma praça, lançaram um petardo na sua direção. "Ainda não sei nada dessa queixa. Quando a fui apresentar um agente da GNR tentou dissuadir-me, insistiu que não ia dar em nada." Suspira. "E desta vez quando apresentei queixa disseram-me que não tinham a identificação do senhor que me ajudou, o Pedro Pereira. Vi-o ser identificado por uma agente, que tomou nota dos dados dele, mas perderam-nos. Agora vou ter de fazer um aditamento à queixa. Acho isto incompreensível."

E não é tudo: "Quando disse que queria ir ao interior da praça com escolta para tentar identificar quem me bateu responderam que era perigoso e recusaram. Aliás, nem identificaram as pessoas que bateram no senhor que me acudiu." Como interpreta isso? Hesita. "Há poderes aqui em Albufeira, sabe? É complicado. Amanhã vai haver outra tourada e vamos fazer um protesto. Estive a falar com a GNR e garantiram-me que vão tomar medidas e que é seguro eu ir. Disseram-me também que se me acontecer algo ou à minha loja para os avisar. Portanto depois do mal aviso-os? Respondi que se calhar vou pedir licença de porte de arma."

Fernanda Câncio | Diário de Notícias

Jornalismo | Os honestos que se iluminem. Ajam!


O sol quando nasce devia ser para todos (frase mais antiga que a prostituição). Pois. Mas não é verdade que assim aconteça, que o sol seja para todos. E aqui cabe não só especificamente o sol mas muito mais coisas, materiais e imateriais. O que se queira. Porque assim é, lá vamos nós às tais desigualdades enormes e assim-assim. Mas sempre desigualdades. E disso fala-se… de vez em quando. Pela rama. Não vão ao fundo. E nem todos os jornalistas aprofundam essa coisa de o sol, afinal, não ser para todos, ou ser esse o propósito quando nasce mas a maioria ter de ficar sempre ou quase sempre à sombra, porque o sol a eles não os abrange nem os banha. Essa é a sociedade em que vivemos. Esses são a maioria.

De verdade e em sua defesa vem por aí o Curto, da lavra de Pedro Santos Guerreiro, do burgo Bilderberg Balsemão, tio Impresa. Pois.

Essa coisa de verdade, de os jornalistas reportarem a verdade e assim e assado, tem muito que se lhe diga. Jornalistas, jornais e afins são veículo de manipulação bastas vezes. Mas qual verdade? O que é que é isso da “verdade”? Na comunicação social de Portugal a verdade de um caso é depois esticado e redunda em manipulação das mentes. A liberdade para pensar (slogan do Expresso, muito giro) nem todos a sabem usar. Infelizmente. Não por culpa dos próprios, na maior parte dos casos, mas porque acontece que as desigualdades na sociedade os condenam a que assim sejam, menos livres ou até nada livres. Menos “pensadores”. Por isso “papam” as patacoadas deste e daquele político ou de jornalistas e outros menos escrupulosos ou maus profissionais.

Mas está bem, o Pedro Santos Guerreiro vai direto ao assunto do Trump e dos jornalistas norte-americanos que aquele hostiliza e em que não acredita. Sabemos que Trump se fosse jornalista seria igual a ele próprio. Um baralhado, um mentiroso, um manipulador, um… desqualificado que não merece um pingo de consideração. Ponto. Esse é Trump. Mas afinal o que ele faz não é nada demais, relativamente ao respeito e correção que as políticas dos EUA devem a todos os cidadãos do mundo, que não têm ou raramente mostram ter. E isso os jornalistas nem sempre referem, essa é a verdade. Pelo menos para os mais atentos. Desta feita saíram os jornalistas à baila na mente e pela boca de Trump. A classe profissional do jornalismo está abespinhada e até parece ignorar que há jornalistas que realmente cabem perfeitamente naquele “retrato” feito por Trump. Só não sabe quem não quer saber.

Assim sendo, é líquido que Trump tem razão e não tem. Os jornalistas sérios têm razão e não têm e só se lembram de santa Bárbara quando faz trovões lembrando que precisam de nós. Só que os profissionais sérios não se lembram de nós, os leitores, ouvintes, telespectadores, quando deviam de nos proteger dos colegas que não prestam para a tal verdade imprescindível à profissão tantas vezes repleta de manipulação e de omissões. E agora precisam de nós?

Os jornalistas honestos sim. Os desonestos (e são muitos) não!

Os honestos que se iluminem. Ajam. Sejam livres e livrem-nos dos que na profissão são desonestos, manipuladores, ao serviço de interesses de favores e outros com mais valias.

Precisamos muito, muito, muito, é de gente honesta. E essa é cada vez mais rara. Até porque também são alguns (muitos) jornalistas que estão a formatar esta sociedade de mentiras, de escárnio e mal dizer, de desrespeito pela privacidade, pela nossa liberdade, pelos nossos direitos abusados e omitidos, pela divulgação e propagação da futilidade como um bem a adquirir…

Isto teria pano para mangas. Acabou aqui. Até outra oportunidade.

A seguir o Curto saboroso. Bom dia, boa quinta-feira, boas festas àqueles que já sabe. Saúde, sorte e dinheiro para gastos é o que precisamos nós, os na escarumba da sociedade, longe dos raios solares. Sabem que mais? O raio que os parta, a todos os desonestos, avaros, gananciosos, ladrões, vigaristas… Não sei porquê mas aqui não constam políticos, pois não? Ah, que coisa! (MM | PG)

Bom dia este é o seu Expresso Curto

Precisamos de si

Pedro Santos Guerreiro | Expresso

“Verdades auto-evidentes” é uma expressão usada na famosa declaração de independência dos Estados Unidos. São verdades que são dadas como adquiridas, incontestáveis, incluindo as de que todos os homens são criados iguais e têm direito à vida, à liberdade e à procura da felicidade. Quinze anos depois desta declaração, em 1791, foi publicada a primeira emenda da Constituição americana, que prevê a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa.

Que, em 2018, centenas jornais se juntem publicando a mensagem de que “os jornalistas não são o inimigo” é bem sinal de como verdades que pareciam evidentes têm de afinal de ser reafirmadas e defendidas contra a propaganda política que deseja esvaziar o poder de quem a escrutina. É esse o título do editorial de hoje do “The Boston Globe”, a que se juntaram quase 350 jornais norte-americanos. Incluindo o “The New York Times”, que titula o seu editorial com a frase que inspira o título deste Expresso Curto: “Uma imprensa livre precisa de si”.

“Um pilar central da política do Presidente Trump é um assalto sustentado à impressa livre”, escreve o Globe. Os jornalistas são considerados por Trump como “o inimigo do povo”, o que pode ter “consequências perigosas”: “Substituir uma imprensa livre por uma comunicação social controlada pelo Estado foi sempre um desejo primeiro para qualquer regime corrupto que tome o controlo de um país”. Trata-se de um editorial fortíssimo, quer no ataque aos ataques de Trump, quer na explicitação de que a imprensa não está a defender a sua própria corporação, mas os valores democráticos em que acredita e em cuja construção permanente participa.

O caso Trump revela o populismo levado ao extremo, mas muitos aprendizes de feiticeiro têm usado as mesmas armas para atiçar povos contra os jornalistas. “Criticar a Comunicação social – por subvalorizar ou sobrevalorizar histórias, por errarem – é inteiramente correto”, escreve o New York Times, “repórteres e editores são humanos e cometem erros. Corrigi-los é o centro do nosso trabalho. Mas insistir que verdades de que não se gosta são ‘notícias falsas’ é perigoso para a vida da democracia. E chamar jornalistas de ‘inimigo do povo’ é perigoso, ponto final”.

Usando as redes sociais como púlpitos de comícios globais, convencendo as pessoas de que a desintermediação as informa melhor - quando na verdade as manipula melhor -, amplificando erros de jornais, ateando ódios e criando perceções sobre mentiras, “factos alternativos” e “fake news”, políticos populistas têm o claro objetivo de aniquilar quem põe em causa o seu poder. Os jornalistas. Os editoriais de hoje marcam um movimento de força, de humildade perante os erros, de alerta e de apelo. Incluindo o apelo do New York Times de que assine jornais, para que os jornais sejam mais fortes, condição básica de independência e de capacidade de investimento em redações de investigação. Lá como cá.

Cá é também por isso um bom dia para ler também o editorial escrito pela nova direção do Público, liderada pelo jornalista Manuel Carvalho, onde se defendem os grandes valores do jornalismo, como “os valores da livre iniciativa, da democracia liberal, das liberdades individuais, da fiscalização e controlo dos poderes”.

Todos os dias são bons dias para ler jornais. Democracias fortes têm e precisam de jornais fortes. As notícias põem em causa os poderes que mais as pretendem descredibilizar – e esta é outra verdade auto-evidente que não devia ser preciso escrever. Mas é. Lá como cá.

OUTRAS NOTÍCIAS

O Governo quer acabar com reforma obrigatória aos 70 anos na função pública, noticia o Público de hoje. A proposta tem dois anos e está perto de avançar.

Quase mais um terço. É este o aumento do número de pessoas que trabalham no governo em relação ao final de 2015, avança o Negócios hoje. “No final de Junho, estavam a trabalhar 1.170 pessoas nos gabinetes dos 61 membros que compõem o Executivo socialista”, mais 282 pessoas do que dois anos e meio antes.

Os membros do governo vão deixar de viajar sem pagar na TAP. Segundo o Negócios, a transportadora aérea está a negociar novas regras com o Executivo, que deverão passar por descontos.

O Governo contesta que haja um “colapso” nos comboios em Portugal, mas os trabalhadores ferroviários voltam a alertar: “Se nada for feito pode haver uma desgraça”

“Peritos sem regras beneficiam seguradoras à custa de lesados”, escreve o Jornal de Notícias. “A profissão de perito e regulador de sinistros não exige qualquer formação específica”.

É um exercício que o Expresso já fez para Lisboa e publica agora para o Porto: os preços das rendas em função da distância em relação ao centro da cidade nos transportes públicos. Veja aquicomo quem vive no fim da linha poupa quase metade da renda.

40 mil famílias saíram de incumprimento no primeiro semestre, informa o Eco.

“Apesar de ter acelerado, o PIB de Abril a Junho desiludiu face às previsões”, analisa o Negócios. “As exportações não melhoraram tanto quanto o esperado e o investimento cresceu menos”.

Foi a polémica dos últimos dias, que Rafael Barbosa cataloga no JN como sendo de “silly season”: a organização da Web Summit retirou o convite a Marine Le Pen. O Bloco de Esquerda reagiu apoiando a decisão.

Foi decretado estado de emergência na região de Liguria, depois da queda da ponte em Génova, que provocou até esta manhã 39 vítimas mortais, três das quais crianças, recorda a Renascença. Foi entretanto aberto um inquérito judicial.

Em Angola, o presidente João Lourenço criou uma agência de petróleos, a ANPG, pondo fim ao monopólio no sector da Sonangol, que vai transferir parte dos seus ativos.

A Tesla foi processada nos Estados Unidos pelo regulador do mercado de capitais por causa de um tweet do seu fundador, Elon Musk, noticia o Finantial Times. Em causa estão as informações sobre as quais as ações da empresa dispersas em Bolsa poderão ser recompradas.

Em Espanha, o governo está a negociar com o Podemos um aumento de impostos às empresas, avança o El Pais.

No Brasil, Lula da Silva desafiou a Justiça e avançou com a apresentação de uma candidatura às eleições presidenciais. O ex-Presidente publicou uma carta aberta aos brasileiros onde se diz vítima de uma "caçada judicial", apelando à mobilização de todos.

Em reação às barreiras impostas pelos Estados Unidos, a Turquia impôs também sanções económicas, que a Casa Branca considera “lamentáveis”. Na crise que provocou a desvalorização acelerada da lira turca, o Qatar já prometeu ajudar, investindo 15 mil milhões de dólares na Turquia.

Um ataque suicida contra estudantes em Cabul, no Afeganistão, fez 48 mortos.

Madonna faz 60 anos. Não é por agora viver em Lisboa que a estrela enorme merece destaque, é por toda a sua carreira e pelo que através dela desbravou. “Criticada e incensada, quando ela passa deixa o rasto da soberania”, escreve Clara Ferreira Alves no Expresso. “A sua influência na música pop é determinante e visível nas fotocópias que por aí abundam. Tornou-se, com a idade, e tal como se dizia no filme “Chinatown” da má arquitetura e dos gangsters, respeitável. Respeitabilíssima. Rótulo que ela tenta descolar todos os dias.”

O Benfica está a ser investigado por suspeitas envolvendo transferências de jogadores para o Desportivo das Aves, avança o JN. O Ministério Público e a Polícia Judiciária do Porto têm indícios de que as compras poderão ter sido financiadas com dinheiro do clube lisboeta, estando sob escrutínio “a eventual participação direta de Luís Filipe Vieira nesses negócios”.

O Atlético de Madrid ganhou ao Real Madrid por 4-2 vencendo a Supertaça Europeia. Como explica a Tribuna Expressosem Ronaldo a história é outra.

FRASES

“A justiça portuguesa é cara, o que afasta quem não tenha meios para financiar um processo”. Francisco Sarsfield Cabral, na Renascença.

“Há vários anos que digo que não me surpreenderia que surgisse uma novidade no sistema partidário, nomeadamente no centro-direita e não me referia a uma iniciativa minha.” Pedro Santana Lopes, no Negócios.

“Santana Lopes anda a passear pelas sedes dos partidos liberais como quem vai fazer compras num supermercado.” Pedro Sousa Carvalho, no Eco.

"Literatura é acender um fósforo na escuridão da contemporaneidade".B, no Palavra de Autor, o podcast de livros do Expresso

O QUE EU ANDO A LER

As boas reportagens de festivais de música não são nem para ferir de ausência quem não esteve, nem para confirmar a quem esteve o que ouviu, não são pois “o que você perdeu” nem “o que nós ganhámos”. São o contrário disso, porque são partilha. Servem para o contrário disso, porque levam quem não esteve. Servem para ver e ver é sempre ganhar.

As boas reportagens de festivais de música não descrevem, mostram; não listam bandas e horas de concertos, transcendem a dimensão dos factos e revelam o acontecimento. Se a crítica é má, as boas reportagens são impiedosas, porque a piedade com o mau aniquila o contraste que credibiliza o que é bom; se a crítica é boa, as boas reportagens de festivais de música não nos arrastam para o abismo cegante do deslumbramento, elevam-nos um socalco para o alumbramento. É por isso que as palavras nas boas reportagens de música que não ouvimos, dos concertos em que não dançámos e dos festivais que não vivemos são tão indispensáveis para quem gosta de ouvir, dançar e viver. É por isso que elas usam adjetivos, pois os adjetivos, escreveu Anne Carson (em “Autobiography of Red”, que também “ando a ler”), não são acrescentos inocentes, mas pequenos mecanismos “responsáveis por amarrar tudo no mundo ao seu lugar particular”.

Nos festivais de música como o de Paredes de Coura, que arrancou ontem, não se convive, vive-se. E quem não foi quer aceder e repartir a celebração, a descoberta, a revelação possíveis em cada dia na relva, em cada entardecer na encosta, em cada noite de estrelas. E se sabemos que a apoteose deste ano em Coura está agendada para sábado, com o regresso dos Arcade Fire (pode regressar quem nunca foi embora?), já antes de ontem sabíamos que, em Coura, quarta feira é sempre dia de um segredo guardado.

Nas boas reportagens de festivais de música, o exagero é pois consentido, se tiver sentido, se a sensibilidade da visão e o talento da escrita somarem em vez de substituirem o conhecimento, a experiência, o critério. Assim é com estas boas reportagens de festivais de música, as da Blitz, que desde ontem levantaram voo em Coura – e já nos contaram o segredo desta quarta feira: Marlon Williams, o neozelandês que compôs com o coração partido um dos melhores álbuns do ano, e que depois de ouvir fado no Porto e mergulhar no rio Coura, deu um concerto para “a gaveta das melhores memórias desta edição”. "O destino é tudo o que importa", disse ele, e o destino dele é cantar.

Voltar a Paredes de Coura é voltar sem medo ao sítio onde se foi feliz, porque este é um festival onde se é feliz, por ser um lugar de autenticidade, sem pose nacarada nem excesso de açúcar. Não é como os restaurantes que às refeições chamam “experiências”, é música que é mesmo música, dança que é mesmo dança, viver que é mesmo viver. Não é o melhor cartaz em Portugal (nisso nenhum bate o Nos Alive), mas será, até pela consistência das 25 edições anteriores, o melhor festival em Portugal.

Volta-se sem medo a este lugar onde se foi feliz porque, escreve May Sarton (em “Prepara-te Para a Morte e Segue-me”, que também “ando a ler”), o poder do amor “é fazer com que todas as coisas sejam novas”. E se os Arcade Fire voltam sábado ao lugar do concerto mítico de 2005 para fazer com que todas as coisas sejam novas, ontem já voltaram os King Gizzard & the Lizard Wizard, cinco álbuns depois do concerto de 2016, e mesmo “não havendo amor como o primeiro, o concerto de 2018 é uma réplica suficientemente potente para nos deixar extasiados”. E voltaram os Linda Martini, agora em horário nobre, homenageando Phil Mendrix, e com “a potência sonora e entrega ilimitada” que os apresenta “como um pequeno exército na linha da frente de uma batalha que não aceitam perder”, com Cláudia Guerreiro e Pedro Geraldes no final “a serem levados em braços num crowdsurf amigo”. Talvez um dia voltem os que se estrearam ontem, os Blaze, “bons arquitetos de música ambiente para fim de festa” que desataram nos grandes festivais europeus deste ano. E o pastor Conan Osiris, da Linha de Sintra, para o after hours de que quase ninguém arredou pé.

Isto foi só ontem, o primeiro dia de Coura, onde se cultiva a arte de "fazer parte", escreve ainda a Blitz, a grande marca portuguesa de música da família Expresso de que nos orgulhamos e não é por ontem, é por todas as vezes. Continue em Coura, continue com a Blitz, que escreve reportagens de festivais de música para que mesmo quem não pode escrever “eu estive aqui” possa sentir “eu estive lá”. Será assim de novo hoje, e amanhã, e sábado nos Arcade Fire. Como escreveu T.S. Eliot (esse estamos mais ou menos sempre a ler), “Apenas vivemos, apenas suspiramos / Consumidos ou pelo fogo ou pelo fogo”.

Acorde bem. E tenha um dia muito bom.

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