segunda-feira, 10 de setembro de 2018

Angola | O render da guarda


Jornal de Angola | editorial

Ao virar, no sábado, uma página da sua história, o MPLA mostrou estar à altura de dar resposta aos anseios mais profundos dos angolanos, apesar do percurso nem sempre linear que manteve ao longo destes sessenta anos decorridos desde a sua fundação.

Foi histórica a transição na presidência do partido no poder, longe da cosmética que lhe estava associada por alguns sectores que resistem em encarar a nova realidade e insistem, no silêncio da conspiração ou no ruído do anonimato que as redes sociais cobardemente acomodam, na manutenção de estatuto conseguido através de políticas e práticas que se mostraram lesivas aos interesses da maioria e que levaram o país, praticamente, à bancarrota.

Não se tratava“apenas” de substituir José Eduardo dos Santos por João Lourenço na liderança do MPLA. Nem da passagem de testemunho de qualquer prova de estafeta, onde quem entrega não cita quem recebe nem lhe formula votos de sucesso para o percurso que vai seguir, mas a conclusão formal de uma transição política, possível e, comprovadamente, necessária.

Assumir a presidência do MPLA, cumulativamente com a função de Presidente da República, não é um capricho de João Lourenço, que na opinião de alguns estaria a seguir os mesmos caminhos do seu predecessor  o que o tornaria, mais cedo ou mais tarde, um clone. 

Os alicerces do sistema político angolano estão assentes num modelo de comando único e por isso era importante que esse casamento entre a liderança partidária e do Estado, sem que isso signifique a primazia do partido sobre o Estado e a prossecução de uma política de exclusão para quem não partilhe as mesmas cores partidárias.

Se dúvidas ainda persistissem quanto à chegada das mudanças no MPLA, a reunião extraordinária do seu Comité Central que se seguiu ao congresso, veio dar respostas ao eleger um Bureau Político totalmente renovado, surpreendendo até os melhor intencionados e mais bem informados analistas, além de um regresso ao abandonado passado de candidaturas múltiplas. 

Uma nova direcção onde se destacam a entrada de quadros representativos das maiores franjas da nossa população, que se sabe serem os jovens e as mulheres, aliando com quadros académica e tecnicamente capazes, para que o MPLA possa enfrentar melhor os desafios que se lhe colocam e que obrigam a redinamizá-lo e prepará-lo para os vencer. Isso faz-se, como é evidente, com pessoas que estejam alinhadas nesta nova passada que o líder, enquanto Presidente da República, já vinha imprimindo e que possam imprimir a dinâmica necessária para acompanhar os novos tempos, preparando o partido para essa nova forma de fazer política, abrindo-o aos militantes, simpatizantes e à sociedade, modernizando-o e democratizando-o.

O tempo urge e o MPLA não poderia continuar a arrastar o pé face a uma realidade que conhecia e a que procurou responder na preparação do seu último congresso ordinário, em 2016, quando anunciou a intenção de mudar em quarenta e cinco por cento a sua direcção, com a injecção de muita juventude e mulheres. A força das resistências fez, então, recuar este propósito e nem os expedientes de alargar as estruturas de direcção conseguiram dar resposta cabal à essa necessidade. Agora não é tempo para recuos, e por isso é que assistimos às mudanças significativas na composição do Bureau Político, que se reflectirão, como é evidente, no seu secretariado a ser eleito, em princípio, hoje.

Há como que um render de guarda, em que cabe aqui elogiar a participação e dedicação de muitos veteranos da luta de libertação nacional que deram o melhor da  sua  juventude e vida às causas do povo angolano e que, agora, merecem o devido reconhecimento, mantendo-se ainda na direcção do MPLA, ao nível do seu Comité Central.

Trata-se de uma viragem geracional natural, que vai provocar as transformações necessárias dentro de um partido que está obrigado a reinventar-se todos os dias, trazendo maior e melhor debate interno e, por força disso, maior democratização, em busca da desejada unidade e  coesão, onde pensar diferente pode ser um trunfo em vez de sacrilégio, numa organização que se quer cada vez mais plural e aberta a todas as franjas da sociedade e em diálogo permanente, até mesmo com os adversários políticos.

Uma nota final, mas não menos importante, para a reconciliação do MPLA consigo próprio, ao resgatar a sua história e reconhecer os seus fundadores e ter na conquista da independência nacional a maior bandeira, capaz de aglutinar todos os angolanos, indistintamente.

Rádios privadas em crise em Angola


Despedimentos, salários em atraso e falta de subsídios marcam o dia-a-dia de rádios privadas angolanas como a Despertar e a Ecclésia. Sindicato dos Jornalistas apela à resolução dos problemas.

Os salários em atraso são um dos grandes problemas da rádio Despertar, afecta à UNITA, o maior partido da oposição. Há uma semana, os trabalhadores entregaram um caderno reivindicativo à entidade patronal.

No documento constam pontos como dois meses de salário em atraso, falta de inscrição na caixa de segurança social, falta de transportes para reportagens e o não pagamento de muitos subsídios.

"É uma vergonha ver um trabalhador de uma rádio com aquela dimensão andar de candongueiro, mendigar o táxi. Muitas vezes são os ouvintes que dão aos profissionais o dinheiro para o transporte de casa para o serviço ou do serviço para casa", revela Pedro Morta, do núcleo sindical da Rádio Despertar.

Estes trabalhadores, acrescenta "são um exemplo para a sociedade e não podem passar por esse vexame".

"Nós não pagamos Imposto de Rendimento de Trabalho (IRT), não somos descontados para a caixa de segurança social”, conclui.

O Conselho da Administração da Rádio Despertar diz estar a estudar o caderno reivindicativo e deverá respondernos próximos dias. Quanto aos salários em atraso, o Presidente do Conselho de Administração do órgão, Monteiro Kawewe, não garante quando serão pagos e acusa o banco de dificultar o processo de pagamento.

O Sindicato dos Jornalistas Angolanos está a par da situação, diz o presidente Teixeira Cândido: "Há colegas que se deslocam em missão de serviço fora das localidades e não levam consigo as ajudas de custo. Nós estamos solidários com os colegas e a acompanhar todo o processo. Se for necessário, vamos estar presentes no processo de negociação, se a direção da rádio assim entender".

Emissora católica em dificuldades

A Rádio Ecclésia – Emissora Católica de Angola – também está a braços com uma crise. Para além dos despedimentos, os jornalistas não recebem salários há mais de seis meses. Recentemente, a Conferência Episcopal de Angola e S. Tomé (CEAST), prometeu liquidar a totalidade da dívida.

Contactado pela DW África, o director da "rádio de confiança", padre Maurício Camuto garantiu que os salários já começaram a ser pagos.

Teixeira Cândido pede à CEAST a resolução urgente do problema. "Só estarão essa altura a receber o salário de Março", explica o presidente do sindicato, considerando que "a igreja nunca devia permitir que a situação chegasse a esse ponto".

"Compreendemos as dificuldades que a rádio vai vivendo, mas pode encontrar outras formas para poder resolver esse problema. Não faz sentido deixar trabalhadores com seis e sete meses sem salários. Muitos deles são pais, têm de pagar as escolas dos filhos e não sei como estão a fazer. Muitos não têm transporte próprio e têm de usar táxi", lamenta o sindicalista.

Sem rádios comunitárias

Muitas destas rádios abordam temas das comunidades, um papel que seria desempenhado pelas rádios comunitárias, entretanto, inexistentes nos mais de 160 municípios que compõem o país. A lei de imprensa não prevê a sua criação. Alexandre Neto Solombe do MISA-Angola diz que falta "vontade política".

"Mais do que aprovar uma legislação, tem de haver vontade política porque lá onde a lei eventualmente estiver a falhar, a vontade política funciona como uma espécie de ligamento e removem quaisquer obstáculos que se apresentem no caminho da concretização desta legislação que é um conjunto de previsões como é qualquer parte do mundo. Sem vontade política, podemos aprovar novas leis, podemos rever novas leis, mas elas nunca serão materializadas", considera.

Segundo o jornalista, os futuros candidatos às autarquias deverão enfrentar dificuldades para fazer passar a sua mensagem durante a campanha eleitoral por falta dos meios de informação local.

"Os futuros autarcas passam a ter mais dificuldades em fazer-se ouvir junto do público visado. Portanto, é um contrasenso pretender aprofundar a democracia pela instituição das autarquias sem a devida normalização legislativa que dê abertura ao nascimento de rádios comunitárias".

Manuel Luamba (Luanda) | Deutsche Welle

Moçambique | Os donos da lei


@Verdade | Editorial

Já era de se esperar a decisão do Conselho Constitucional (CC) relativamente ao recurso interposto pela Renamo. O Conselho Constitucional chumbou o recurso daquele partido e do seu candidato. Com essa decisão, definitivamente, Venâncio Mondlane não é mais cabeça-de-lista da Renamo, para o Conselho Autárquico de Maputo, nas eleições autárquicas de 10 de Outubro deste ano.

O argumento usado pelo Conselho Constitucional é de que a “solicitação de apreciação de inconstitucionalidade das leis ou de ilegalidade dos actos normativos dos órgãos do Estado” não compete aos partidos políticos. Diga-se, este argumento apresentado pelo CC surge pelo facto de Renamo ter alegado que as cláusulas de que a Comissão Nacional de Eleições (CNE) se socorreu para afastar Venâncio Mondlane da corrida eleitoral são inconstitucionais e deviam ser derrogadas.

Engana-se quem tinha esperança de uma resposta positivamente ou favorável ao cabeça-de-lista da Renamo por parte daquele órgão de soberania ao qual compete especialmente administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional. A decisão tomada pelo Conselho Constitucional pode ter as suas fundamentações na lei, mas claramente ela não deixa de estar embuída de má-fé e uma vergonhosa parcialidade. Pois, a experiência tem mostrado que este órgão tem estado ao serviço do partido no poder desde a sua criação.

São parte das atribuições do Conselho Constitucional a apreciação e declaração da inconstitucionalidade das leis e a ilegalidade dos actos normativos dos órgãos do Estado, contencioso eleitoral e da legalidade da constituição dos partidos políticos. Porém, isso não passa apenas de um mero discurso para o inglês ver e aplaudir. Na prática, o CC, ao invés de contribuir na consolidação do Estado de Direito Democrático em Moçambique, tem o papel de subscrever todas decisões tomadas na sede do partido Frelimo.

Nesse sentido, por mais que a Renamo e o seu cabeça-de-lista tivessem seguido todos parâmetros legais, a decisão do Conselho Constitucional teria sido a mesma. É evidente que, desde que foi anunciado a integração de Venâncio Mondlane como cabeça-de-lista da Renamo para as eleições de Outubro próximo na cidade de Maputo, a Frelimo não se sentiu confortável com essa notícia e, consequentemente, iniciou o seu habitual jogo sujo pelos bastidores. Desta vez, o partido Frelimo contou com o Movimento Democrático de Moçambique como seu aliado.

Portanto, a decisão do Conselho Constitucional de chumbar o recurso da Renamo e matar politicamente Venâncio Mondlane mostra claramente que a Frelimo continua a controlar os órgãos de Estado.

Na foto: Venâncio Mondlane / O País (mz)

Moçambique | Cabo Delgado regista dois ataques a aldeias em três dias


Informação foi divulgada este sábado (08.09). Ataque a aldeia no distrito de Macomia teria acontecido na sexta-feira (07.09). Na quarta-feira (05.09), outro ataque havia sido registado em aldeia de Mocímboa da Praia.

Um grupo de homens armados incendiou a aldeia de Ilala, na noite da passada sexta-feira, disse à agência Lusa fonte das autoridades.

O grupo desconhecido, com cerca de uma dezena de pessoas, entrou a pé na aldeia, pertencente ao posto administrativo de Mucojo, distrito de Macomia, pelas 21h, e começou a deitar combustível e a atear fogo às casas de construção precária, segundo informação divulgada pela agência Lusa.

Toda a população fugiu e não houve vítimas, de acordo com relatos de residentes.

De acordo com os mesmos relatos, dezenas de casas terão sido destruídas, e poucas escaparam ao fogo.

O ataque aconteceu depois de um outro, registado na quarta-feira (05.09) pelas 22h, feito ao centro de saúde em construção numa outra aldeia da região, Malinde, situada junto à costa no, disse fonte das autoridades à Lusa.

Além dos danos materiais, não houve vítimas a registar.

Ataques

Povoações remotas da província de Cabo Delgado, situada a quase dois mil quilómetros a norte de Maputo, têm sido atacadas por desconhecidos, desde outubro de 2017, provocando um número indeterminado de mortos, na ordem das dezenas, e um número ainda maior de deslocados.

Os grupos que têm atacado as aldeias nunca fizeram nenhuma reivindicação, nem deram a conhecer as suas intenções, mas investigadores sugerem que a violência está ligada a redes de tráfico de heroína, marfim, rubis e madeira.

Os ataques acontecem numa altura em que avançam os investimentos de companhias petrolíferas em gás natural na região, mas sem que até agora tenham entrado no perímetro reservado aos empreendimentos.

Agência Lusa, cvt | em Deutsche Welle

PSL ou as “araras do regime”


Alfredo Barroso  | Jornal i | opinião

No antro mediático das “araras do regime”, expressão utilizada por ele próprio, Pedro Santana Lopes deixou de ser o genius loci desde que Marcelo Rebelo de Sousa foi eleito Presidente da República e decidiu beijocar, lambuzar, abraçar, sufocar diariamente milhões de portugueses até mais não poder. Outra das mais conhecidas “araras do regime”, igualmente candidato a genius loci, é o frenético Luís Marques Mendes, também ex-presidente do PPD-PSD, além de ex-ministro de Cavaco, com espaço reservado há muito num canal de TV - como todas as “araras velhas” do PPD-PSD que se prezam -, mas que ainda não percebeu que não é por muito esbracejar que melhor convence os telespectadores com as suas balelas e patranhas semanais, ou que mais expande a sua inteligência como aquele velho chupa-chupa a que, quando eu era miúdo, chamávamos “estica-larica”.

Estes três exemplares do PPD-PSD, considerados velhas “araras” mediáticas do regime, não gostaria de tratá-los como aves de bicos muito curvos e fortes que os ajudam a trepar na política. Ainda menos como plantas ornamentais cultivadas em Portugal. Ou como patetas ou pessoas ingénuas. Nada disso! Prefiro tratá-los (sobretudo Pedro Santana Lopes nesta nova etapa da sua vida mediática) como demagogos “telepopulistas”, produtos do “videopoder” ou da “videopolítica”, que se comportam como actores “telegénicos” (Marques Mendes nem por isso, porque esbraceja muito, é um caso deplorável de overacting!), todos eles ocupando com regularidade os ecrãs de televisão em horas de grande audiência e optando pelo “espectáculo televisivo” em detrimento das mediações tradicionais (deliberações, debates parlamentares, confrontação pública de ideias e programas, etc.).

Os média têm-se substituído aos partidos políticos quer como mecanismos de selecção da classe política, quer como instrumentos de mobilização da opinião e de definição da agenda política. Tudo isto afecta claramente o funcionamento e a orientação da democracia, transformando-a cada vez mais numa “democracia de opinião” ou, pior ainda, numa “democracia demagógica”. Tanto nos EUA como em várias democracias europeias, temos assistido à emergência daquilo a que muitos sociólogos e politólogos chamam neopopulismo mediático e plebiscitário. Como sucedeu, por exemplo, em Itália, e salienta o politólogo Mario Caciagli, o caminho tem sido linear: “Da democracia referendária passou-se à democracia plebiscitária e, desta, à democracia demagógica.” Portugal ainda é excepção. Ainda…

Os demagogos “telegénicos” e “telepopulistas” dizem que falam directamente ao “povo” (regra geral, reduzido ao público de telespectadores); pretendem situar-se fora do sistema de partidos (onde quase sempre não foram politicamente felizes); optam por um discurso antipartidos e costumam “denunciar” as elites no poder (Santana Lopes diz, por exemplo, que “há vários que se julgam donos disto tudo” e que, com ele, “vão deixar de o ser”!); e anunciam, finalmente, programas políticos reduzidos a fórmulas vagas e a promessas impossíveis de cumprir, o que não impede, infelizmente, que alguns tenham sido eleitos presidentes ou primeiros-ministros. O populismo, com toda a sua retórica demagógica, coloca em causa a própria existência da mediação política centrada nas instituições representativas. O populismo pode ser, de facto, a corrupção ideológica da democracia.

Foi, contudo, por esta via que Santana Lopes decidiu enveredar, porventura em busca duma “arca” da “Aliança” capaz de conter - sabe-se lá - as partituras dos até agora inexistentes “concertos para violino de Chopin” e, sobretudo, do segredo do supremo poder que nunca logrou alcançar enquanto militante e dirigente do PPD-PSD. Para tanto, PSL resolveu fazer “tábua rasa” do seu passado - péssimo primeiro-ministro, mau secretário de Estado da Cultura, desastrado presidente do Sporting e autarca esbanjador quer na Figueira da Foz quer em Lisboa -, optando, evidentemente, por um discurso de “denúncia” duma classe política a que sempre pertenceu (e que tantas vezes contribuiu para desacreditar). Tudo isto para gáudio do universo mediático doméstico sedento de “espectáculo” e hoje dominado pela plutocracia e por jornalistas profissionais que já nem escondem o desejo do regresso da direita ao poder e vão mesmo ao ponto de enumerar “as razões para a esquerda voltar à oposição”. É verdade, podem crer!

É claro que Pedro Santana Lopes, nesta sua nova etapa como dirigente político populista e demagogo, precisa em absoluto de manter o palco mediático que as TV e os jornais nunca se recusaram a oferecer-lhe até agora. Todavia, quaisquer que sejam as razões que hoje nos levem a criticar José Sócrates, será bom não esquecer que este, in illo tempore, fez Santana Lopes num oito, obtendo para o PS a primeira maioria absoluta. Mas é bem provável que António Costa nem precise de fazer outro tanto se apanhar pela frente o chefe da “Aliança» - isto não ignorando as sucessivas derrotas que PSL sofreu dentro do PPD-PSD, por exemplo face ao seu “amigo” Durão Barroso e ao seu “inimigo” Rui Rio. Como diria o cego, a ver vamos se Pedro Santana Lopes terá algum êxito como demagogo populista. É, aliás, uma vocação que entronca a preceito nas suas primordiais convicções ideológicas de juventude, quando era um activista de extrema-direita…
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*ARARA - 1. ORNITOLOGIA Ave da família dos Psitacídeos, de bico muito curvo e forte que a auxilia quando trepa; 2. BOTÂNICA Planta ornamental da família das Amarantáceas, cultivada em Portugal; 
3. FIGURATIVO Pateta, pessoa ingénua, mentira, peta, patranha, galga, logro, mentirola, balela.
Escreve sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990

Tempos perigosos


Paulo Tavares | Diário de Notícias | opinião

Atravessei neste verão boa parte do sul dos Estados Unidos. No rádio do carro fui escutando (a espaços porque a família não tem culpa dos meus vícios) aquela que tinha sido a minha companhia quase constante durante uma outra viagem, de trabalho, há cerca de dois anos e meio, durante as primárias na Carolina do Sul - os talk shows da alt-right.

Estes espaços de catequização da direita radical, nacionalista e defensora da supremacia branca são eficazes a fornecer argumentos a boa parte da base que elegeu Donald J. Trump e, aos meus ouvidos, estranha e repulsivamente sedutores.

Como? Aquelas horas a fio de conversa, de factos duvidosos e teorias da conspiração debitadas num tom entre a indignação e o pânico pelo iminente fim do mundo deixam-nos espreitar para o outro lado. Abrem uma janela. E não se trata de vertigem pelo abismo, eu não podia estar mais longe, mas não deixa de ser interessante ver o mundo - sobretudo os EUA - através daquelas lentes. Ver o mundo ao contrário.

E como tanto mudou desde fevereiro de 2016... Para lá das teorias da conspiração, que são basicamente as mesmas ou variantes das que então ouvi, há agora uma coragem que não existia. Qualquer dos hosts, dos animadores desses talk shows, não hesita em dizer ao que vem - defender o que dizem ser a ordem natural e histórica das coisas na América, proteger a união da invasão de imigrantes, etc. É o negócio do medo, da insegurança, do ódio ao diferente. Agora, quase dois anos depois da eleição de Trump, tudo é muito mais assumido, muito mais claro. Como Obama lembrou nesta sexta-feira no discurso que marcou a entrada do ex-presidente na campanha para as eleições de novembro, na Universidade de Illinois, "a história já nos mostrou o poder do medo".

Espreitar para dentro de uma bolha que não a nossa é útil. Ver, por exemplo, a diferença de tratamento noticioso entre o assassínio de Mollie Tibbetts, uma jovem de 20 anos que terá sido morta em Brooklyn, Iowa, por um imigrante mexicano ilegal em julho e o ataque a um bar de gaming em Jacksonville, Florida, onde um jovem branco, David Katz, de 24 anos, com um longo historial de perturbações mentais, matou dois jogadores, feriu outros dez e depois suicidou-se, é revelador. Os apelos do pai de Mollie Tibbetts, para que a morte da filha não fosse politizada ou usada como argumento contra a entrada de imigrantes nos EUA, foram ignorados e o caso alimentou dias de discurso de ódio contra imigrantes ilegais, sobretudo os vindos de south of the border, do México e de outras paragens na América Central. Sobre o tiroteio de Jacksonville, executado por um jovem doente mental que comprou legalmente duas armas (calibres 9 mm e .45) e centenas de munições, nem uma palavra de debate ou indignação. A notícia passou pelas horas certas, pelos noticiários, brevemente, mas nunca a ouvi discutida nos fóruns e nos talk shows de Sean Hannity e companhia.

Este ódio é essencialmente gratuito e tem muito pouco de racional. Não houve cidade ou terriola por onde passasse - e corri a costa leste entre Nova Iorque e o extremo sul dos EUA - onde boa parte dos restaurantes, lojas ou estações de serviço não tivessem um cartaz ou um papel bem visível a pedir trabalhadores. Já no ano passado, em reportagem no vale de São Joaquim na Califórnia, tinha escutado de agricultores e empresários portugueses e lusodescendentes um lamento: "Precisamos de imigrantes para trabalhar, se parar o fluxo, se fecharem as fronteiras, ficamos sem mão-de-obra."

Voltando a ligar o rádio, concluo que escutar a bolha do outro lado, com o debate político aceso numa altura em que a América caminha para eleições intercalares que podem virar o Congresso em novembro, reforçou uma convicção. Um eventual processo de impeachment, de destituição de Donald Trump - que só poderá acontecer com outra maioria no Congresso - não pode acabar bem. O atual presidente não vai cair sem dar luta, sem tentar convencer as suas bases de que está a ser alvo de um golpe e há demasiadas armas nas mãos de gente muito ressentida, com mau perder e, sobretudo, muito mal informada.

Já não será grande notícia dizer que a América está cada vez mais dividida. Mas, nas últimas milhas da viagem, a caminho do aeroporto de Miami, conduzindo rumo ao norte na US1 Dixie Highway alguns dias depois de o senador John McCain ter morrido, tive exemplos dessa divisão a desfilar à beira da estrada. Bastou contar as bandeiras. Umas a meia haste e outras no topo dos postes. Não arrisco um resultado exato, mas diria que deu empate. Mesmo depois da ordem tardia da administração para que todos os edifícios públicos colocassem a bandeira a meia haste, emitida dias antes, ainda muitos resistiam à homenagem oficial. Em relvados, postes ou varandas particulares era ainda mais visível a resistência a essa despedida. Quando a morte de uma figura como McCain não consegue ser consensual, temos a prova do algodão de que algo de profundamente errado se passa na maior democracia do mundo. Não é que precisássemos do teste, mas a crueza das imagens, das bandeiras, foi mais poderosa do que as notícias dos últimos dois anos.

E para quem ache que nada disto tem que ver com o que por aqui se passa, é importante que não nos julguemos imunizados. Há uns tempos, lembrei aqui um estudo que revela sinais de que a Portugal só falta mesmo quem comece a trabalhar a matéria-prima. O campo está livre para um qualquer populista.

Depois há a qualidade do nosso debate político. Deixo aqui dois exemplos dos últimos dias: os argumentos absolutamente divisivos e descolados da realidade orçamental com que foi analisada e criticada a proposta de baixar os preços dos passes sociais em Lisboa e, num outro campeonato, as falsas premissas com que se noticiou que o Estado tinha "ficado" com metade dos apoios do Fundo Solidário Europeu enviados para Portugal na sequência dos incêndios do ano passado em Pedrógão.

Novas regras de acordo fiscal com Finlândia para pensionistas começam em 2022


Última contagem oficial dava conta de mais de dez mil pessoas a beneficiar do regime fiscal para residentes não habituais no final de 2016. Universo atual deverá superar os 27 mil.

Depois de um primeiro aviso, a Finlândia comunicou oficialmente ao governo português, numa nota enviada em junho, a intenção de denunciar o tratado fiscal entre os dois países se Portugal não ratificar o novo acordo até ao final de novembro. Havendo ratificação, as novas regras aplicam-se a partir de 2022.

À pressão das autoridades finlandesas e da Suécia (que entretanto encetou negociações para a revisão do ADT - Acordo de Dupla Tributação) sobre o regime que permite aos pensionistas com pensões oriundas de outro país residir em Portugal sem pagar IRS vem juntar-se a exigência do Bloco de Esquerda para que o regime dos residentes não habituais (RNH) seja eliminado. Consultores e fiscalistas acompanham com preocupação a situação, alertando para a imagem de instabilidade fiscal que ela cria, e sinalizando que Portugal está longe de ser um caso isolado entre os países com regimes dirigidos a atrair determinado tipo de pessoas e rendimentos.

Os acordos de dupla tributação definem que, por regra, os impostos são cobrados no país onde a pessoa vive. No caso dos pensionistas que aqui passem um mínimo de 183 dias/ano (que não tenham por cá residido nos cinco anos anteriores), seria, portanto, Portugal e não a Finlândia a receber essa receita. Porém, pelas regras do regime dos residentes não habituais, as suas pensões ficam isentas de IRS. Ou seja, esses pensionistas não pagam imposto nem lá nem cá. O mesmo regime prevê uma taxa reduzida de 20% de IRS sobre os rendimentos de trabalho de pessoas que integrem a lista de profissões consideradas de elevado valor acrescentado. A Finlândia quer pôr fim a esse benefício: se não pagam em Lisboa, vão começar a pagar IRS em Helsínquia.

Em novembro de 2016, a Finlândia e Portugal fecharam a renegociação do Acordo de Dupla Tributação firmado em 1971, permitindo àquele país readquirir o direito de tributar os seus pensionistas que tenham decidido mudar-se para Portugal. O objetivo do governo finlandês é que tudo esteja pronto para que as novas regras entrem em vigor a 1 de janeiro de 2019. Neste cenário, é necessário que o tratado seja adotado (ratificado) pelos dois países e que a notificação deste passo chegue até 30 dias antes daquela data.

Em resposta ao DN/Dinheiro Vivo, fonte oficial do Ministério dos Negócios Estrangeiros afirmou que "o processo de ratificação está em curso", sem concretizar datas. Num e-mail anterior, em abril, a mesma fonte precisava que, "de acordo com a lei portuguesa, este processo implica a apresentação de uma proposta de resolução pelo governo à Assembleia da República", acrescentando estar "em curso a aprovação da referida proposta de resolução".

Entre 2009 (ano em que o sistema dos RNH foi criado) e 2016 (último ano para o qual há dados oficiais disponíveis) aderiram ao regime 10 684 pessoas. Não há dados oficiais recentes, mas quem acompanha estes processos estima que no final de 2017 o número mais do que terá duplicado e ultrapassará já as 27 mil pessoas (entre pensionistas e trabalhadores, estrangeiros e portugueses, que cumprem a regra de não terem tido residência fiscal em Portugal nos cinco anos anteriores à adesão ao regime).

Em resposta ao DN/Dinheiro Vivo, o Ministério das Finanças finlandês estima que haja 800 cidadãos seus a residir em Portugal mas afirma não dispor de dados sobre quantos são pensionistas e quantos beneficiam do estatuto de RNH. Acrescenta, contudo, que cerca de 200 não deverão poder beneficiar do regime transitório (até 2022) previsto no novo ADT porque não cumprem os requisitos - não serem cá tributados.

Suécia quer pensões a pagar IRS lá ou cá

Depois da Finlândia, também a Suécia decidiu encetar negociações com Portugal com vista à revisão do ADT. Em resposta ao DN/Dinheiro Vivo fonte oficial do Ministério das Finanças da Suécia refere que estas "negociações estão a decorrer", não havendo por isso "ainda um novo acordo", Acrescenta que o objetivo é fazer que as pensões sejam "taxadas na Suécia ou em Portugal".

Quem está familiarizado com o regime recusa, no entanto, a crítica de que Portugal tenha um sistema de atração de estrangeiros muito diferente do de outros países e lembra que a conclusão de que um pensionista está sempre isento não é verdadeira. Exemplo? Um reformado que se mude para Portugal, receba de pensão 200 mil euros por ano e some a este rendimento 100 mil euros de rendimentos obtidos num trabalho que não consta da lista das profissões de elevado valor acrescentado (advogado ou consultor de gestão, por exemplo, não estão contempladas) verá os rendimentos de pensão serem relevantes no apuramento da taxa de IRS aplicável. Contas feitas, pagará uma taxa de IRS de 53% sobre parte daqueles 100 mil euros.

Além disso, afirmam ainda fiscalistas ouvidos pelo DN/Dinheiro Vivo, a mesma pessoa pagará 28% caso receba mais-valias - situação que contrasta com a solução adotada em muitos outros países europeus com regimes idênticos, que optam por isentar as mais-valias. Há outras diferenças: em Espanha, por exemplo, quem adira ao regime dos expatriados paga imposto sobre os rendimentos obtidos em território espanhol, estando fora do âmbito de tributação os rendimentos obtidos fora. França permite que os rendimentos vindos de fora sejam tributados em metade do valor e a Itália criou um regime em que o RNH paga uma taxa de imposto de 100 mil euros pelos rendimentos auferidos no estrangeiro independentemente do seu valor e origem.

A existência de regimes fiscais para atrair cidadãos de outros países, sobretudo de elevados rendimentos ou de profissões em que interessa apostar leva estes fiscalistas a precisar que, quando se analisa o sistema português, "não se pode olhar apenas para partes isoladas do puzzle [tributação dos pensionistas] mas para o conjunto".

Diário de Notícias | Foto: Diana Quintela/Global Imagens

Por Olof Palme… contra o nazismo!


O artigo de opinião que se segue foi publicado ontem às primeiras horas do dia 9 (domingo), antes das urnas de voto na Suécia abrirem. Afonso Camões, o autor e diretor do JN, lembra Olof Palme, o impulsionador da social-democracia que fez da Suécia exemplo para o mundo. Infelizmente os resultados das eleições demonstraram que nem a social-democracia (de facto), nem a memória da obra de Olof Palm, foram bem lembrados pelos eleitores suecos, que rumaram à direita falsamente dita democrática – capa que esconde o nazismo que a impregna das entranhas à pele exterior. Chamam-lhe extrema-direita, será isso também, mas o mais factual e correto é ser objeto e identificar este avanço eleitoral de movimento nazi que se alarga por toda a União Europeia. Que mais e melhor opção estratégica existe para conquistar a Europa – intenção e ação de Hitler – se não ver os chamados populistas, os da extrema-direita, concretamente os nazis ocuparem muito maioritariamente o Parlamento Europeu, a União Europeia? E depois é que vão ser elas… (PG)

Por Olof Palme!

Afonso Camões* | Jornal de Notícias | opinião

Existe uma lei, não escrita, segundo a qual se um pé não entra no sapato, é talvez mais prático refazer o sapato do que mutilar o pé. E quem diz refazer, diz reformar, exatamente os verbos em que a maioria dos líderes europeus tem revelado maior incompetência, quando se trata de encontrar soluções para assegurar a coesão entre os estados-membros, ou adotar políticas de asilo comuns que permitam enfrentar, de forma solidária, a crise migratória.

Ora, as eleições de hoje, na Suécia, são um duplo teste para toda a Europa. Desde logo porque ocorrem no país que tem sido, ao longo de décadas, um dos faróis da social-democracia europeia, guardiã dos valores do Estado social, e primeiro entre todos a resolver uma crise bancária. Mas dos resultados de hoje esperam-se sinal e resposta a duas questões sensíveis que dividem cada vez mais os suecos: o futuro do "Estado de bem-estar" (sociais-democratas e verdes, no poder, pretendem reforçá-lo, enquanto os quatro partidos do centro-direita preconizam cortes); e o rápido crescimento do populismo anti-imigração, cuja força "Democratas Suecos", de extrema-direita, reclama deportações maciças e veto à reunificação familiar, para além de propor um referendo para saída da União Europeia.

O caudal de audiências desta corrente xenófoba engrossou, sobretudo, com o grande fluxo migratório da Grécia, em 2015, e a proverbial solidariedade pública dos suecos: só naquele ano, este país escandinavo, com uma população inferior à nossa, absorveu 163 mil migrantes em busca de asilo. Hoje à noite, uma sensível inclinação da balança eleitoral para a direita, com o eventual crescimento dos antieuropeus e xenófobos, significaria o refrescamento de um espetro temido e conhecido em Bruxelas: o Swexit. E um imerecido golpe na memória de Olof Palme, antigo primeiro-ministro sueco (assassinado em 1986), um dos europeus que mais apoiaram a democratização portuguesa, pós-revolução, e os movimentos independentistas africanos.

*Diretor do JN

Na foto: Olof Palme (social-democrata, de facto), primeiro-ministro da Suécia assassinado em 1986.

O futuro da União Europeia é nazi


Começa bem mal a semana para os que olham com binóculos o futuro e vêem o nazismo a avançar na UE. Agora chamam-lhe extrema-direita mas a "coisa" é o mesmo, só que com "cara" de democrata para enganar papalvos, ingénuos e totós que consideram que votar naqueles é ser oposição aos políticos de trampa que nascem por aí no meio do esterco. Por toda a Europa há desses que é um fartote. Em Portugal idem.

Não vai de nossa lavra o resto. O resto é do Curto pelo matraquear e visão de Vitor Matos, que mesmo assim rasa mansidão de totó porque não querem ver claramente o que está à vista. As eleições na Suécia, ontem, são elucidativas. Os nazis estão a apoderar-se da UE. São os povos que escolhem... Pois. Não fosse que ao longo destas últimas décadas a UE fizesse garbo de manter lá esterco a dirigir ao mando das grandes corporações e a encherem os bolsos, entre outras desgraças, e agora os povos não estariam a agarrarem-se a ilusórias bóias de salvação que se vão transformar em barras de chumbo e levarem os povos da Europa para o fundo lodoso e desumano que é apanágio dos nazis, como nos conta a história e a que alguns de nós assistimos (mais idosos).

Querem o mau exemplo de um esterco de político de nós próximos (portugueses) que foi "pescado" pelas corporações para a UE? Durão Barroso. São e foram trampas daquelas que desacreditam o projeto europeu da UE. Afinal aqui não é dito nada de novo, mas é só para recordar, antes que seja demasiado tarde.

Se nada se fizer para contrariar, o futuro da UE, da Europa, é nazi... novamente.

Bom dia. O melhor para todos vós durante toda esta semana que hoje começa. (MM | PG)

Bom dia este é o seu Expresso Curto

O espectro que ronda a Europa

Vítor Matos | Expresso

Bom dia!

A semana começa com notícias que nos devem fazer pensar (e preocupar) e que antecipam a possibilidade de haver um antes e um depois de maio de 2019. A extrema-direita continua a ganhar terreno, e desta vez foi na Suécia. Este espectro que ronda a Europa poderá ser determinante para a formação do próximo Parlamento Europeu - depois das eleições a meio do próximo ano - que poderá ser o mais anti-europeu de sempre, com forças de vários países que vão dos nacionalistas, a neo-fascistas e xenófobos que defendem o fim da União ou a saída dos respetivos países da aliança que ajudou a estabelecer o período mais duradouro de paz no continente. Na tão social-democrata Suécia, os Democratas Suecos, o partido de extrema-direita e anti-imigração, foi a terceira força mais votada este domingo com 17,6% dos votos (resultados provisórios), bem acima dos 12,9% que tinham conquistado em 2014 (mesmo assim, abaixo dos 25% que as sondagens previam, como explica o britânico The Guardian).

O partido mais votado (como acontece no país desde 1917), liderado pelo atual primeiro-ministro Stefan Löfven, foi o Social Democrata, mas com o resultado mais baixo de sempre: 28,4%. Os Moderados, de centro-direita, tiveram 19,8%. Os suecos vão agora ter semanas de negociações para a formação de um Governo, porque os dois blocos de esquerda e de direita (sem contar com a extrema-direita) estão empatados, com a diferença de um deputado, o que torna os populistas no fiel da balança caso não haja outros entendimentos: o bloco de partidos de centro esquerda teve 40,6% dos votos e o centro-direita obteve 40,2%. O primeiro-ministro já pôs de parte qualquer entendimento com os Democratas Suecos e disse que as forças partidárias do mainstream têm agora a “responsabilidade moral” de formar um Governo.

Pode ler aqui a análise do The Guardian, assim como a cobertura que o jornal fez em direto da noite eleitoral de ontem. O Político.eu destaca a incerteza que saiu das urnas suecas, e o El País coloca a questão que atravessa aquela sociedade nórdica: integração ou xenofobia? Em português, as informações atualizadas estão aqui no Expresso. O editor de internacional, Pedro Cordeiro, faz aqui uma análise aos resultados, onde diz que as “eleições exigem boa dose de ginástica sueca”Álvaro Vasconcelos, ex-diretor do Instituto de Estudos de Segurança da União Europeia, diz no Público que os partidos democráticos não respondem à “grande inquietação da classe média”.

Por cá, este fim-de-semana também houve noite eleitoral, mas os contornos são diferentes, apesar do dramatismo dos últimos meses. Quando o tema é a bola, e sobretudo desde que descobrimos essa personagem tão interessante que se chama Bruno de Carvalho, nunca sabemos como acaba a história e não temos naturalmente a certeza sequer se a história acabará. Terminou (por agora) esta temporada lamentável de destruição de uma instituição. O Sporting tem uma nova direção: Frederico Varandas, o antigo diretor clínico do clube, ganhou as eleições mais participadas de sempre em Alvalade (22.400 votantes), e é de esperar uma atitude muito diferente, pelo menos para já, tendo em conta o que o novo presidente leonino disse à Sporting TV e que a Tribuna Expresso reproduziu: "Não vou misturar o Sporting com a minha vida pessoal. É a missão mais importante da minha vida, não tenho a menor dúvida de que estou preparado. Há mais uma oportunidade de abrirmos uma nova página e liderarmos o futebol português - em princípios éticos, e também desportivamente."

Prometer resultados faz parte do caderno de encargos. Com tudo aquilo que sabemos, é difícil acreditar num dirigente desportivo quando fala em ética. É um bocado como na política, mas pior. Na última Quadratura do Círculo, na SIC, José Pacheco Pereira - que detesta o mundo do futebol - comparou os grandes clubes à máfia e à cultura das organizações mafiosas. Há muito tempo que o futebol não é futebol: é negócio, muito dinheiro e influência social que tem criado um submundo que se aproxima da descrição exagerada do comentador. Não sabemos no que dará Frederico Varandas, mas esperemos que seja um bom princípio. Como fenómeno social de massas, com uma influência desproporcionada na sociedade, era melhor que o futebol fosse sobre bola. Mas não é.

Com a crise do Sporting em vias de acalmar, temos o Benfica com um processo muito complicado na justiça que o Ricardo Costa comentou no Expresso deste sábado: “A primeira coisa que qualquer português, mas em particular os benfiquistas, devem perceber no fim de uma semana agitada e polémica, é que isto não tem nada que ver com futebol”. Se esta frase tivesse “sportinguistas” pelo meio servia para o mesmo fim. A crise do Sporting nada teve a ver com desporto.

Frederico Varandas venceu as eleições com 42,3% dos votos, seguido por João Benedito com 36,8%. José Maria Ricciardi teve apenas 14,5%, Dias Ferreira resumiu-se a 2,3%, Fernando Tavares Pereira recebeu 0,9% dos votos e Rui Jorge Rego teve apenas 0,5%. Perante esta fragmentação de candidaturas, o vencedor começou por dizer, no seu discurso de vitória:“Começámos a vencer o adversário mais terrível, o Sporting fraturado”. Mas como o Pedro Candeias - editor de desporto - explicou na Tribuna Expresso, houve mais sócios a votar em Benedito (9.735) e não em Varandas (8.717), que na verdade venceu. Porquê? Porque nestes casos a lógica da democracia é diferente e cada sócio não vale apenas um voto: os mais antigos têm mais votos do que os mais recentes. O Observador explica quem foram os vencedores e os derrotados.

Termina assim mais um consulado (desta vez provisório e transitório) de Sousa Sintra à frente do Sporting, que segurou o clube na fase pós-Bruno de Carvalho. Se ainda não teve oportunidade, pode ler aqui a entrevista do empresário ao Expresso deste fim de semana, em que o dirigente leonino diz que “em três meses” não fez outra coisa senão pensar no clube: “Só faltou trazer para aqui a cama. Abandonei a minha vida toda pelo serviço ao Sporting”.

OUTRAS NOTÍCIAS

A política nacional aqueceu este domingo com a linguagem metafórica muito criativa dos líderes. No encerramento da tradicional Universidade de Verão do PSD, Rui Rio atacou o Governo de forma violenta por causa do furto do material militar em Tancos - disse que o Executivo “foi incapaz e não tem respostas para dar” - , mas apontou à investigação judicial: o país tem de exigir ao Ministério Público respostas para que “faça rapidamente a investigação e diga o que se passou”. As metáforas que usou é que motivaram depois a reação do PS. Uma com os “gatunos” que chegaram à guerra mas a guerra “estava fechada”. E outra: “"Afinal, em Portugal consegue-se roubar material militar da mesma forma que se consegue entrar num jardim para roubar umas galinhas." Depois do comunista Jerónimo de Sousa ter dito sobre o Orçamento que o Governo não pode “contar com o ovo do dito cujo da galinha”, a imagem usada pelo líder do PSD motivou a resposta do ministro da Defesa, que esta quarta-feira será ouvido no Parlamento sobre o assunto.Azeredo Lopes reagiu dizendo que em “política, como noutras esferas da vida, não devia valer tudo”. A secretária-geral adjunta do PS, Ana Catarina Mendes também veio a público atacar Rio e acusá-lo de ter demonstrado “ter escolhido o caminho mais fácil, o caminho derrotista, do bota-abaixo, de dizer que está tudo mal”.

Embora tenha suscitado a reação do Governo, o que é positivo para quem tem sido acusado de ser demasiado brando, a performance de Rui Rio continua a ser criticada pelo seu companheiro de partido (e antecessor) Luís Marques Mendes. No seu comentário dominical na SIC, o social-democrata acusou o atual líder de ser “incendiário”, por ter concentrado as suas críticas nos adversário internos e não no primeiro-ministro. “Ao longo de oito meses de liderança, alguém se lembra de uma causa ou proposta política do PSD? Não, só de críticas internas. Alguém se lembra do que Rio disse há uma semana no Pontal? Não, só de críticas internas”, apontou ontem à noite Marques Mendes. Pode ver aqui texto e vídeo.

No discurso de encerramento da Festa do Avante!, Jerónimo de Sousa discursou quase uma hora perante a militância comunista para destacar os avanços” conseguidos na legislatura (e que se devem mais à pressão do PCP do que à vontade do PS, segundo Jerónimo). E apontou as críticas habituais ao Governo do PS. Fica implícito que, não contando o Governo com o ovo no dito cujo no Orçamento, também não é caso para esperar o contrário. “O secretário-geral do PS afirmou há dias que não há governo de esquerda sem o PS. O que os portugueses sabem é que sempre que o PS foi governo o que houve foi política de direita”, afirmou o líder comunista para sublinhar a necessidade de o PCP condicionar os socialistas à esquerda.

Se não esteve com atenção à política no fim-de-semana, pode ler aqui o texto da Mariana Lima Cunha sobre a rentrée do CDS: “Acreditem em mim, acreditem comigo!”: Cristas em campanha a todo o vapor”. Até jogou matraquillhos com Nuno Melo.

Sobre o tema quente do fim deste verão, o Bloco de Esquerda critica a “tentativa de partidarização” sobre PGR e recusa “campanhas”. Catarina Martins diz que o BE não se pronunciará sobre se Joana Marques Vidal deve ser ou não reconduzida.

Nos dias em que se soube os resultados das entradas na universidade - metade das instituições do interior conseguiram mais alunos e quatro cursos do técnico tiveram média superior a 18 valores - também ficámos a saber que três mestrados portugueses em gestão estão entre os melhores do mundo.

Ainda sobre educação: os problemas com manuais gratuitos em Lisboa vão estar resolvidos até ao arranque do ano letivo.

A polémica sobre o artigo anónimo de um membro da equipa de Trump no The New York Times continua a ter desenvolvimentos nos Estados Unidos: “Pence e os planos de afastar Trump do poder: “Não. Nunca. Porque faria isso?” Já o próprio Donald Trump congratulou-se “com ausência de mísseis em desfile militar norte-coreano”.

Em Angola, o momento não foi apenas um testemunho de passagem. José Eduardo dos Santos cedeu a liderança do MPLA ao Presidente João Lourenço este fim-de-semana. Pode ler aqui “o canto do cisne de José Eduardo dos Santos”, por Gustavo Costa, o correspondente do Expresso em Luanda.

Já que estamos a falar de internacional, se é um frequent flyer, fique a saber que Easyjet, Transavia, Brussels Arlines e várias outras companhias low-cost contactadas pelo Expresso asseguram que não vão passar a cobrar a bagagem de cabina, ao contrário do que fez a Ryanair.

No desporto, destaque para o ténis. Seguiu a polémica com Serena Williams e o árbitro português? O Diogo Pombo oferece-lhe, na Tribuna, o retrato de Naomi Osaka, que venceu o US Open e bateu a estrela norte-americana: “A nova e comedida estrela, nascida na terra do sol nascente”. No torneio masculino, Novac Djokovic ganhou a Martin del Potro.

Destaque também para Miguel Oliveira, que ficou em 2º lugar no Grande Prémio de Moto 2 em São Marino e continua na luta pela liderança do mundial.

Não se esqueça que Portugal joga hoje para a Liga das Nações, contra a poderosa Itália, às 19h45, no Estádio da Luz. Ronaldo não está, mas a selecção deu boa conta de si no jogo da semana passado contra a Croácia.

No Público, Daniel Oliveira, diretor-geral da SIC, dá uma entrevista para explicar a contratação do ano no mundo televisivo: "A transversalidade da Cristina Ferreira é muito importante para a SIC”

AS MANCHETES DO DIA

Público: “Europa lança taxas sobre navios para tirar lixo do fundo do mar”.

Correio da Manhã: “Estado gasta 1.100 milhões fora da lei”

i: “Rio irrita ministro da Defesa com brincadeira sobre galinhas…”

Jornal de Notícias: "Medidas para baixar peso das mochilas ficaram na gaveta”

Negócios: “Fisco vai cobrar dívidas à Ordem dos Advogados”

O QUE ANDO A LER

Como uma vida aparentemente banal pode ser tão interessante... Mais do que o interesse de uma vida, o que importa verdadeiramente é a arte do escritor a descrevê-la. A máxima serve tanto para verdadeiras biografias como para as ficcionadas, como a de William Stoner, criada em 1965 por John Williams (1922-1994). “Stoner” é um grande livro. Li-o depressa e com gosto estas férias, aconselhado por um amigo que se apaixonou de tal forma pela história que, de forma algo exagerada, o classifica como um dos melhores livros do último quarto do século XX. O jornal britânico The Guardian considerou-o uma das leituras obrigatórias em 2013. No mesmo ano, a New Yorker descreveu-o como o melhor romance americano de que você nunca ouviu falar.

O livro conta a história de um professor universitário de literatura medieval e renascentista, de origens camponesas, que nos parece a epopeia de um falhado, tão falhada como parecia ser a performance do próprio livro: “Stoner”, apesar de ter vendido apenas dois mil exemplares nos Estados Unidos no ano em que foi lançado, tornou-se um best-seller na Europa cinquenta anos depois, quando uma editora francesa reparou nele e o traduziu sem adivinhar o sucesso tardio que viria a ter.

Parece uma vida banal, a do homem que morre logo no primeiro parágrafo da primeira página, deixando nos outros uma marca de quase indiferença, embora nenhuma vida seja banal. Se pensarmos um pouco, acaba por ser também um livro sobre o ciclo da vida e do esquecimento. Nascemos, vivemos, morremos, e depois somos esquecidos ou lembrados por uns anos até que aqueles que nos conheceram e nos recordam também morrem e no fim fica um nome numa lápide, ou, no caso de Stoner, uma inscrição na biblioteca da faculdade. Fica o esquecimento. Ou um livro, no caso dele fica um livro, pelo menos ele acreditava que o seu livro permanecia. Não vou revelar a história, mas a narrativa contempla de certa forma o sonho americano da mobilidade social, um casamento estragado, uma paternidade falhada, e aspetos como as guerras e ódios académicos nas faculdades (como aqueles que todos nós conhecemos das nossas faculdades).

Num epílogo ao romance, com data de 2002, publicado na 6ª edição da D. Quixote, o escritor irlandês John McGahern cita uma rara entrevista de John Williams, dada já no final da sua vida, em que este fala de “Stoner”: “Penso que ele é um verdadeiro herói. Muitas pessoas que leram o romance acham que Stoner levou uma vida muito triste e má. Eu julgo que ele teve uma vida ótima. Teve, certamente, uma vida melhor do que a maior parte das pessoas. Fez o que gostava de fazer, tinha uma certa noção do que fazia e da importância do seu trabalho. Foi testemunha de valores que são importantes. O mais importante no livro, para mim, é a noção que Stoner tem do que é um emprego. Lecionar é para ele um emprego, um emprego no sentido melhor e mais honrado do termo. O emprego deu-lhe um tipo especial de identidade e fez dele quem era”. Bom, mas o melhor é mesmo lê-lo.

Deixo apenas mais uma sugestão de leitura: esta história contada na The New Yorker, sobre uma família de gangsters de Amesterdão, que dará em breve uma série televisiva. A reportagem de Patrick Radden Reefe começa por descrever apenas os olhos azuis de Astrid Holleeder, a irmã de Willem Holleeder, o criminoso mais famoso da Holanda, que na juventude começou a carreira mafiosa com o rapto do patrão da cerveja Heineken nos anos 80 - pelo qual chegou a ser preso, mas que o deixou rico e à família, uma vez que nunca devolveu os milhões recebidos pelo resgate. Muito sangue e mortos depois, Wim está preso e Astrid vive escondida e com medo, mascara-se para ir à rua e fala em tribunal sem que se lhe veja a cara, de modo a não poder ser identificada. É a principal testemunha de acusação do irmão, cujas conversas gravou para o poder incriminar. Ela sabe ou está convencida de que os sicários que ele tem cá fora a vão matar assim que tiverem oportunidade. Uma grande história, mas sobretudo uma enorme reportagem.
Tenha um bom dia e uma ótima semana!

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