Última contagem oficial dava
conta de mais de dez mil pessoas a beneficiar do regime fiscal para residentes
não habituais no final de 2016. Universo atual deverá superar os 27 mil.
Depois de um primeiro aviso, a Finlândia
comunicou oficialmente ao governo português, numa nota enviada em junho, a
intenção de denunciar o tratado fiscal entre os dois países se Portugal não
ratificar o novo acordo até ao final de novembro. Havendo ratificação, as novas
regras aplicam-se a partir de 2022.
À pressão das autoridades
finlandesas e da Suécia (que entretanto encetou negociações para a revisão do
ADT - Acordo de Dupla Tributação) sobre o regime que permite aos pensionistas
com pensões oriundas de outro país residir em Portugal sem pagar IRS vem
juntar-se a exigência do Bloco de Esquerda para que o regime dos residentes não
habituais (RNH) seja eliminado. Consultores e fiscalistas acompanham com
preocupação a situação, alertando para a imagem de instabilidade fiscal que ela
cria, e sinalizando que Portugal está longe de ser um caso isolado entre os
países com regimes dirigidos a atrair determinado tipo de pessoas e
rendimentos.
Os acordos de dupla tributação
definem que, por regra, os impostos são cobrados no país onde a pessoa vive. No
caso dos pensionistas que aqui passem um mínimo de 183 dias/ano (que não tenham
por cá residido nos cinco anos anteriores), seria, portanto, Portugal e não a
Finlândia a receber essa receita. Porém, pelas regras do regime dos residentes
não habituais, as suas pensões ficam isentas de IRS. Ou seja, esses
pensionistas não pagam imposto nem lá nem cá. O mesmo regime prevê uma taxa
reduzida de 20% de IRS sobre os rendimentos de trabalho de pessoas que integrem
a lista de profissões consideradas de elevado valor acrescentado. A Finlândia
quer pôr fim a esse benefício: se não pagam em Lisboa, vão começar a pagar IRS
em Helsínquia.
Em novembro de 2016, a Finlândia e
Portugal fecharam a renegociação do Acordo de Dupla Tributação firmado em 1971,
permitindo àquele país readquirir o direito de tributar os seus pensionistas
que tenham decidido mudar-se para Portugal. O objetivo do governo finlandês é
que tudo esteja pronto para que as novas regras entrem em vigor a 1 de janeiro
de 2019. Neste cenário, é necessário que o tratado seja adotado (ratificado)
pelos dois países e que a notificação deste passo chegue até 30 dias antes
daquela data.
Em resposta ao DN/Dinheiro Vivo,
fonte oficial do Ministério dos Negócios Estrangeiros afirmou que "o
processo de ratificação está em curso", sem concretizar datas. Num e-mail anterior,
em abril, a mesma fonte precisava que, "de acordo com a lei portuguesa,
este processo implica a apresentação de uma proposta de resolução pelo governo
à Assembleia da República", acrescentando estar "em curso a aprovação
da referida proposta de resolução".
Entre 2009 (ano em que o sistema
dos RNH foi criado) e 2016 (último ano para o qual há dados oficiais
disponíveis) aderiram ao regime 10 684 pessoas. Não há dados oficiais recentes,
mas quem acompanha estes processos estima que no final de 2017 o número mais do
que terá duplicado e ultrapassará já as 27 mil pessoas (entre pensionistas e
trabalhadores, estrangeiros e portugueses, que cumprem a regra de não terem
tido residência fiscal em Portugal nos cinco anos anteriores à adesão ao
regime).
Em resposta ao DN/Dinheiro Vivo,
o Ministério das Finanças finlandês estima que haja 800 cidadãos seus a residir
em Portugal mas afirma não dispor de dados sobre quantos são pensionistas e
quantos beneficiam do estatuto de RNH. Acrescenta, contudo, que cerca de 200
não deverão poder beneficiar do regime transitório (até 2022) previsto no novo
ADT porque não cumprem os requisitos - não serem cá tributados.
Suécia quer pensões a pagar IRS
lá ou cá
Depois da Finlândia, também a
Suécia decidiu encetar negociações com Portugal com vista à revisão do ADT. Em
resposta ao DN/Dinheiro Vivo fonte oficial do Ministério das Finanças da Suécia
refere que estas "negociações estão a decorrer", não havendo por isso
"ainda um novo acordo", Acrescenta que o objetivo é fazer que as
pensões sejam "taxadas na Suécia ou em Portugal".
Quem está familiarizado com o
regime recusa, no entanto, a crítica de que Portugal tenha um sistema de
atração de estrangeiros muito diferente do de outros países e lembra que a
conclusão de que um pensionista está sempre isento não é verdadeira. Exemplo?
Um reformado que se mude para Portugal, receba de pensão 200 mil euros por ano
e some a este rendimento 100 mil euros de rendimentos obtidos num trabalho que
não consta da lista das profissões de elevado valor acrescentado (advogado ou
consultor de gestão, por exemplo, não estão contempladas) verá os rendimentos
de pensão serem relevantes no apuramento da taxa de IRS aplicável. Contas
feitas, pagará uma taxa de IRS de 53% sobre parte daqueles 100 mil euros.
Além disso, afirmam ainda
fiscalistas ouvidos pelo DN/Dinheiro Vivo, a mesma pessoa pagará 28% caso
receba mais-valias - situação que contrasta com a solução adotada em muitos
outros países europeus com regimes idênticos, que optam por isentar as
mais-valias. Há outras diferenças: em Espanha, por exemplo, quem adira ao regime
dos expatriados paga imposto sobre os rendimentos obtidos em território
espanhol, estando fora do âmbito de tributação os rendimentos obtidos fora.
França permite que os rendimentos vindos de fora sejam tributados em metade do
valor e a Itália criou um regime em que o RNH paga uma taxa de imposto de 100
mil euros pelos rendimentos auferidos no estrangeiro independentemente do seu
valor e origem.
A existência de regimes fiscais
para atrair cidadãos de outros países, sobretudo de elevados rendimentos ou de
profissões em que interessa apostar leva estes fiscalistas a precisar que,
quando se analisa o sistema português, "não se pode olhar apenas para
partes isoladas do puzzle [tributação dos pensionistas] mas para o
conjunto".
Diário de Notícias | Foto: Diana
Quintela/Global Imagens
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