O despacho de Acusação da Justiça
dos EUA no caso das dívidas ocultas em Moçambique assume que o ex-Presidente
moçambicano Armando Guebuza recebeu subornos para viabilizar o financiamento da
empresa estatal ProIndicus.
Na acusação, os procuradores
norte-americanos usam a correspondência trocada entre os acusados para tornar
claro que altos responsáveis do ministério da Defesa, do Interior e Força Aérea
em 2011 também terão beneficiado, mas não apontam especificamente o nome do
antigo ministro da Defesa e atual Presidente da República, Filipe Nyusi.
A acusação cita um email de
novembro de 2011 que Jean Boustani, o libanês que negociou os empréstimos em
nome da Privinvest, recebeu de uma pessoa cujo nome está rasurado, mas que a
acusação sabe quem é, no qual se lê: "Para garantir que o projeto tem luz
verde do Chefe de Estado [à data Armando Guebuza], um pagamento tem de ser
combinado antes de chegarmos lá, para sabermos e acertarmos, bem antes do
tempo, o que tem de ser pago e quando".
Logo de seguida, esta pessoa não
identificada acrescenta: "Quaisquer que sejam os pagamentos adiantados que
tenham de ser pagos antes do projeto, eles podem ser incorporados no projeto e
recuperados".
"Taxas de sucesso", um
nome de código para subornos
A Acusação norte-americana, feita
ao abrigo da Lei das Práticas de Corrupção Estrangeiras (FCPA, no original em
inglês), apresenta de seguida a resposta de Boustani a esta pessoa, na qual o
libanês alerta para as "experiências negativas em África, especialmente
relativamente a 'taxas de sucesso'", uma expressão conhecida e que é usada
para significar o pagamento de subornos para garantir a aprovação com sucesso
dos projetos.
Na resposta, enviada três dias
depois, a pessoa cujo nome está rasurado, mas que aparenta ser um membro do
Governo, afirma: "Fabuloso, concordo consigo em princípio; vamos combinar
olhar para o projeto em dois momentos distintos; um momento é o da massagem do
sistema e a obtenção da vontade política para avançar com o projeto; o segundo momento
é a implementação e execução do projeto".
Logo de seguida, escreve:
"Concordo consigo que quaisquer montantes só podem ser pagos depois da
assinatura do projeto, isto tem de ser tratado de forma separada da
implementação do projeto... Porque para a implementação do projeto haverá
outros agentes cujos interesses têm de ser atendidos, por exemplo o Ministério
da defesa [à data liderado pelo atual Presidente da República, Filipe Nyusi], o
Ministério do interior [à data liderado por Alberto Mondlane], força aérea,
etc... nos governos democráticos como o nosso as pessoas entram e saem, e toda
a gente envolvida vai querer a sua fatia do bolo enquanto estiver no Governo
['in office', no original em inglês], porque depois de sair vai ser difícil.
Por isso é importante que a assinatura do contrato da taxa de sucesso seja
acertada e paga no seguimento da assinatura do contrato".
Menos de um mês depois, dizem os
procuradores norte-americanos, usando a troca de emails entre os envolvidos,
"os acusados Jean Boustani e NOME RASURADO acordam o pagamento de 50 milhões
de dólares em subornos e 'luvas' a membros do Governo de Moçambique e 12
milhões de dólares em 'luvas' [kickbacks', no original em inglês] para os
co-conspiradores da Privinvest".
Manuel Chang detido
O antigo ministro das Finanças
moçambicano e atual deputado pelo partido no poder, Manuel Chang, foi detido no
sábado (29.12) na África do Sul, acusado
de lavagem de dinheiro e fraude financeira. Manuel Chang permanecerá sob
custódia até voltar a ser ouvido em tribunal, no próximo dia 08 de janeiro, e o
seu advogado já indicou que vai contestar o pedido de extradição para os
Estados Unidos. O
caso está a dar que falar nas redes sociais, com muitos internautas a pedir
a extradição de Chang para os Estados Unidos.
De acordo com o despacho de
acusação da Justiça norte-americana, foram investigadas três empresas criadas
para levar a cabo operações de "fiscalização marítima", apoio à pesca
do atum e reparação naval.
O esquema passou pela concessão
de empréstimos a estas três empresas no valor de mais de 2 mil milhões de
dólares (1.760 milhões de euros), garantidos pelo Governo moçambicano, entre
2013 e 2016. O dinheiro "deveria ter sido utilizado exclusivamente em projetos
marítimos", pode ler-se no despacho de acusação.
"Na realidade",
acrescenta o texto, "os acusados criaram o projeto marítimo como um
embuste para enriquecimento próprio e para desviarem intencionalmente partes
dos empréstimos para pagamento de comissões a si mesmos e de subornos na ordem
de, pelo menos, 200 milhões de dólares a representantes do Governo moçambicano
e outros".
Primeira audição do caso tem data
marcada
O processo da justiça
norte-americana sobre as dívidas públicas ocultas envolve cinco suspeitos
moçambicanos, além do ex-ministro das Finanças Manuel Chang. A acusação
inclui dois nomes rasurados ao longo do texto que só serão divulgados após o
cumprimento de mandados de detenção e outros três "co-conspiradores"
moçambicanos, cujas identidades não são descritas no documento e que terão
recebido dinheiro em transferências bancárias de contas localizadas nos
Emirados Árabes Unidos e em
Nova Iorque.
Até ao momento, foram já
formalmente acusados cinco suspeitos: o ex-ministro das finanças moçambicano
Manuel Chang, o negociador libanês Jean Boustani que era executivo do
Privinvest Group, uma holding sedeada no Abu Dabi detentora de um estaleiro
naval, e três antigos banqueiros que intermediaram empréstimos superiores a
dois mil milhões de euros com garantia estatal de Moçambique, o neozelandês
Andrew Pearse, antigo diretor do banco Credit Suisse, o britânico Surjan Singh,
diretor no Credit Suisse Global Financing Group e a búlgara Detelina Subeva,
vice-presidente deste grupo.
A primeira audição do
caso foi marcada na sexta-feira (04.01) para 22 de janeiro, no
tribunal de Brooklyn, Nova Iorque. A data foi marcada pelo juiz principal
William F. Kuntz, depois do pedido formal dos procuradores federais, que
apelaram à complexidade do caso para apontarem ainda o dia seguinte como
necessário para a audição. A audição foi marcada depois de um dos
suspeitos, o negociador Jean Boustani, também indicado como Jean Boustany, ter
sido detido na passada quarta-feira (02.01) no aeroporto John F. Kennedy e se
ter apresentado perante o juiz no mesmo dia.
RENAMO já reagiu
Em comunicado, a bancada
parlamentar da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) "repudia a
inércia das autoridades moçambicanas", "da Assembleia da
República e do Governo moçambicano diante da detenção de um deputado da AR e
ex-membro do Governo cujas acções a nível interno não mereceram a sua
responsabilização o que revela o nível de impunidade e proteção que recebe das
instituições dirigidas pelo seu partido FRELIMO".
"A RENAMO lembra aos
moçambicanos e à comunidade internacional que as dívidas ocultas foram
contraídas de forma inconstitucional e ilegal, como ficou provado pela Comissão
Parlamentar de Inquérito (CPI) e pela auditoria independente da Kroll. Assim,
esteve sempre evidente que a inércia da PGR e demais instituições da justiça
moçambicana visam o encobrimento da roubalheira cometida contra o povo
moçambicano, por dirigentes da FRELIMO, claramente identificados no relatório
da Kroll", acrescenta a referida nota.
"A RENAMO entende que a
prisão do ex-ministro Chang e dos ex-banqueiros do Credit Suisse acusados de
ilícitos financeiros no processo das dívidas ocultas é a confirmação das
confirmações de que houve prática criminal por parte dos dirigentes da Frelimo
envolvidos no processo que devem ser responsabilizados. As dívidas não devem
ser pagas pelo povo moçambicano e todo o processo de restruturação das dívidas
deve ser imediatamente suspenso pelo Ministério de Economia e Finanças",
reivindica ainda o maior partido da oposição, que exige o pronunciamento
imediato do Presidente da República, do Conselho
Constitucional, Procuradoria Geral da República e Presidente da
Assembleia da República sobre o caso.
Agência Lusa, nn | em Deutsche Welle
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