Miguel Guedes | Jornal de Notícias
| opinião
O tempo que uma semente demora a
morrer após brotar na face oculta da Lua não é muito menor do que o tempo que o
PSD demorou a tentar enterrar Rui Rio num vaso. Apenas um ano após o mais
recente Congresso do partido, assim é quando a terra aparenta não ser fértil. O
PSD apresenta-se, aos olhos dos eleitores, como uma laranja espremida à espera
de um desastre. Não será fácil conviver com esta realidade num partido com
profundas convicções de baronato que se vê a perder povo todos os dias. Nas
palavras de Rui Rio, o "espectáculo pouco dignificante que estamos a dar
aos portugueses" é isso mesmo: um circo de poder daqueles que há um ano
não quiseram apresentar-se como alternativa interna e que agora avançam pela
pressão de uma horda de deputados e autarcas que sentem que vão perder o seu
lugar de pousio. Este é o PSD entregue à sua falta de fé. Este é o partido mais
preocupado com os seus dramas internos do que comprometido em romancear com o
país. Personagens, figurinhas, barões assinalados. Afinal o Diabo chegou e para
os "passistas" dá pelo nome de Rui Rio.
A herança de Rui Rio era pesada e
árdua, sabia-se. Rio ganhou o Congresso num partido que ainda não se tinha
sequer convencido que perdera o Governo ganhando eleições. É coisa para abalar
qualquer democrata, mesmo aqueles que não estavam bem cientes de como
funcionava o sistema parlamentar português. E esse inconformismo nunca foi
verdadeiramente resolvido pelos "passistas" eleitos, sentados agora
na sombra de um líder que não os escolheu e que os deixará inapelavelmente na
mão pelas listas eleitorais que se aproximam. Ou pelos votos que,
provavelmente, perderão nas urnas. Eis uma catástrofe anunciada que só pode ser
erradicada pela raiz antes da contagem decrescente. Pé em riste, cartão
laranja-avermelhado, a queimar. Antes da razia, a azia. O PSD faz tiro ao
boneco, dispara o seu fogo-amigo ao líder que elegeu para um período de
transição onde se esperava que, pelo menos, a "geringonça" perdesse
peças ou que Rio coisificasse a purga interna. Acabou por ser uma aparente
perda de tempo e um exercício de baixa autoestima para todos.
A crispação e guerrilha interna à
liderança de Rui Rio não encontra paralelo em nenhum exercício comparativo de
semelhanças. A intensidade da contestação foi sempre tão gritante que mais
parecia que o PSD havia descido à adolescência, à procura de conformar o Mundo
à sua medida. É, neste momento, um projecto político de personalidades,
dividido por dois rumos antagónicos e dissensões num contexto de PREC à
Direita. Demasiadas borbulhas, mesmo para um adolescente.
*Músico e jurista
O autor escreve segundo a antiga
ortografia
Foto: Mário Cruz/Lusa
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