Consultor da Transparência
Internacional alerta: ao permitir que ABIN torne sigilosos documentos do poder,
governo esvazia Lei de Acesso à Informação e promove ataque claro à democracia
Fabiano Angélico, entrevistado
por Edson Sardinha, no Congresso
em Foco | em Outras Palavras
Um dos principais estudiosos da Lei de
Acesso à Informação (LAI) no país, o consultor da Transparência
Internacional Brasil Fabiano Angélico criticou, nesta quarta-feira (6), a
decisão do ministro Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) de
delegar ao diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin)
competência para deixar um documento ou alguma informação pública longe da
sociedade por até 25 anos, renováveis por outros 25.
Para Fabiano Angélico, a medida
compromete o controle democrático e confirma o equívoco do governo com o decreto
presidencial de 24 de janeiro que permite que servidores comissionados
e chefes de autarquias, fundações e empresas públicas decretem sigilo a dados
públicos considerados ultrassecretos.
“É muito ruim que uma das primeiras
ações deste governo seja delegar esse poder à Abin, que é uma entidade que já
tem uma forma de pensar voltada ao sigilo, porque é um órgão de inteligência.
Isso coloca em risco o controle democrático. Vamos ter ainda mais dificuldade
para entender o funcionamento de algumas instituições”, criticou Fabiano em
entrevista ao Congresso em Foco.
A portaria do ministro Augusto
Heleno, publicada na edição desta quarta do Diário Oficial da União, é a
primeira assinada após o decreto presidencial que ampliou o número de
servidores que podem atribuir sigilo ultrassecreto (de 25 anos) a dados
públicos.
No caso da Abin, também poderão
classificar informações em grau secreto (15 anos), além do diretor-geral, o
diretor-adjunto, o secretário de Planejamento e Gestão, diretores das unidades
da agência e ocupantes de cargo em comissão do Grupo Direção e Assessoramento
Superiores (DAS 101.5).
Para rebater as críticas à
mudança, o governo alegou que a delegação do poder de classificar as
informações secretas e ultrassecretas seria analisada caso a caso. Mas, segundo
Fabiano Angélico, a portaria do ministro Augusto Heleno mostra que a realidade
será diferente. “O que se delegou à Abin foi amplo poder. Abriu a porteira
geral. É mais um item a corroborar o argumento de que o decreto abriu demais a
porta sem nenhum critério técnico objetivo para dar poder sobre a classificação
de informações sigilosas”, observa o consultor da Transparência Internacional
Brasil.
Cultura da transparência
Autor do livro Lei de Acesso
à Informação: reforço ao controle democrático, Fabiano Angélico considera que o
decreto contraria as diretrizes da norma e o princípio da publicidade previsto
na Constituição, que incentivam a promoção da cultura da transparência na
administração pública e o controle social. “É um erro delegar a subordinados a
classificação de informações. Isso tem de ser de responsabilidade da autoridade
máxima. Quem deve tomar a decisão política de classificar a informação é o
ministro. Há um risco de expandir a autoridade e torná-la difusa”, acrescenta.
Antes do decreto assinado pelo
vice-presidente Hamilton Mourão – que substituía o presidente Jair Bolsonaro no
fim de janeiro –, a classificação em grau ultrassecreto só podia ser feita pela
chamada alta administração, que inclui presidente, vice, ministros e
comandantes das Forças Armadas.
O decreto ampliou esse poder para
comissionados do grupo DAS 101.6 com remuneração de R$ 16.944,90, além de
chefes de autarquias, de fundações, de empresas públicas e de sociedades de
economia mista. De acordo com levantamento feito por entidades contrárias ao
decreto, cerca de 1,3 mil funcionários públicos com diferentes funções estarão
aptos à função, “abrindo espaço para que o volume de informações classificadas
como ultrassecretas e secretas aumente”.
Retrocesso
Especialistas na Lei de Acesso à
Informação consideram o decreto um retrocesso. O entendimento é de que, com a
ampliação do número de pessoas que podem decidir sobre o sigilo de dados
públicos, deverá aumentar o volume de informações que não poderão ser acessadas
pela população.
“Todos têm direito a receber dos
órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse
coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de
responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à
segurança da sociedade e do Estado”, diz trecho da Lei de Acesso, assinada pela
ex-presidente Dilma no fim de 2011.
O decreto do vice-presidente
também amplia a relação de comissionados que poderão conferir a informações
públicas os graus secreto (de 15 anos) e reservado (5 anos). De acordo com a
LAI, os documentos que não estiverem protegidos como ultrassecretos, secretos e
reservados devem estar disponíveis a qualquer cidadão. O governo alega que o
objetivo da mudança é tornar o processo menos burocrático.
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